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Assédio moral no programa Mais Médicos e nas residências médicas

Análise jurídica e implicações éticas para os médicos em atuação no Brasil.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Atualizado às 09:58

Resumo

O assédio moral é uma prática amplamente debatida nos campos do Direito e da medicina, com impactos significativos na saúde física e mental dos profissionais de saúde. No contexto do programa Mais Médicos e das residências médicas, a relação hierárquica e a sobrecarga de trabalho podem propiciar cenários de abuso de poder e condutas abusivas. Este artigo analisa as características do assédio moral nesses dois ambientes, suas implicações legais e éticas, e propõe estratégias de enfrentamento baseadas no ordenamento jurídico brasileiro e nos princípios da dignidade humana e do direito ao trabalho em condições justas.

Introdução

O assédio moral, caracterizado pela exposição de trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras de forma repetitiva e prolongada, é um problema que afeta diversas profissões, incluindo a medicina. No Brasil, o programa Mais Médicos e as residências médicas destacam-se como contextos vulneráveis, devido à combinação de hierarquias rígidas, pressões por resultados e a carga emocional inerente ao exercício da medicina.

Este artigo busca compreender como o assédio moral se manifesta nesses cenários, analisando aspectos legais e éticos, além de sugerir medidas preventivas e corretivas para proteger os profissionais envolvidos.

1. Assédio moral no programa Mais Médicos

Para compreender o assédio moral neste contexto, é necessário entender o programa Mais Médicos. Criado em 2013, o programa busca ampliar o acesso à saúde nas áreas mais carentes do Brasil. Contudo, relatos de assédio moral envolvendo médicos vinculados ao programa têm surgido. As principais formas de assédio incluem:

  1. Desrespeito à autonomia profissional: Médicos relatam serem pressionados a cumprir metas irreais ou adotar práticas com as quais não concordam, sob ameaça de desligamento. Um exemplo extremo foi o caso de um médico que realizou 63 atendimentos em um único dia.
  2. Estigmatização e preconceito: Médicos estrangeiros frequentemente enfrentam discriminação e desqualificação profissional. A formação no exterior, que não reduz a competência desses profissionais, ainda é alvo de preconceito, refletindo uma visão retrógrada.
  3. Pressões administrativas: Cobranças desproporcionais e falta de suporte por parte das equipes gestoras. Além disso, a troca constante de postos de saúde prejudica o vínculo do médico com a população local, comprometendo uma das finalidades do programa.

Essas situações configuram violações à dignidade da pessoa humana, garantida pela CF/88, e ao princípio da proteção integral ao trabalhador, previsto na CLT. Muitas vezes, esses casos resultam em pedidos de indenização contra a União, julgados pela Justiça Federal.

2. Assédio moral nas residências médicas

A residência médica é conhecida por sua exigência técnica e intensidade, frequentemente descrita como um período de grande sobrecarga. Infelizmente, esse ambiente pode favorecer práticas de assédio moral. Exemplos comuns incluem:

  1. Exigências excessivas e jornadas exaustivas: Muitas vezes ultrapassam os limites estabelecidos pela resolução CFM 2.217/18, que regula a carga horária dos médicos.
  2. Desqualificação pública e constrangimento: Supervisores utilizam críticas desmedidas como forma de "ensinar".
  3. Exclusão e isolamento: Médicos residentes, em algumas situações, são deixados de fora de discussões importantes ou tratados como inferiores.

As consequências incluem desde transtornos psicológicos até pedidos de desligamento, impactando a formação dos profissionais e a qualidade do atendimento à população. Ademais, muitos residentes abandonam o país, buscando melhores condições de trabalho em locais como os Estados Unidos e a Espanha.

3. Enquadramento jurídico ético

O assédio moral é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro e pode acarretar sanções trabalhistas, civis e penais:

  • Constituição Federal: Art. 1º, inciso III, que protege a dignidade da pessoa humana;
  • CP brasileiro: Em casos mais graves, condutas de assédio podem ser enquadradas como injúria ou difamação;
  • CLT - Consolidação das Leis do Trabalho: Art. 483, que assegura ao trabalhador o direito de rescindir o contrato em caso de atos lesivos do empregador;
  • CEM - Código de Ética Médica: Proíbe condutas que comprometam o respeito mútuo e a dignidade do profissional.

4. Propostas de intervenção e prevenção

Para prevenir e mitigar o assédio moral, são sugeridas as seguintes estratégias:

  1. Educação e conscientização: Realização de treinamentos regulares sobre ética e direitos trabalhistas;
  2. Canais de denúncia confidenciais: Garantir que médicos e residentes possam relatar casos sem medo de retaliação. Um modelo de compliance médico pode ser uma ferramenta efetiva;
  3. Fiscalização ativa: Fortalecer a atuação de entidades como o Ministério Público do Trabalho e os Conselhos Regionais de Medicina;
  4. Revisão de contratos e regulamentos: Assegurar condições de trabalho justas e compatíveis com a legislação vigente.

Conclusão

Combater o assédio moral no programa Mais Médicos e nas residências médicas é essencial para proteger os profissionais e garantir um ambiente de trabalho saudável. A adoção de medidas legais, educacionais e institucionais é uma prioridade para erradicar práticas abusivas, promovendo a valorização do profissional de saúde e, consequentemente, a qualidade do atendimento prestado à população.

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1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

2 Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 2.217/2018.

3 Lei nº 12.871/2013, que institui o Programa Mais Médicos.

4 SOUTO, L. M. Assédio Moral e Legislação Trabalhista. São Paulo: LTr, 2020.

5 Ministério Público do Trabalho. Relatório sobre assédio moral em ambientes de saúde, 2023.

Marcos Paulo Ballester

VIP Marcos Paulo Ballester

Advogado, formado em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Bauru (IESB). Especialista em Direito Médico +3k Médicos Atendidos 5 Estrelas Google Diretor na MPAE|Jur

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