Rapto fetal: Um crime motivado pelo status de ser mãe
O rapto fetal, também conhecido como sequestro cesariano, é um tipo de crime raro e chocante, majoritariamente perpetrado por mulheres.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
Atualizado às 09:00
O rapto fetal, também conhecido como sequestro cesariano, é um tipo de crime raro e chocante, majoritariamente perpetrado por mulheres. Caracterizado por sua brutalidade e planejamento meticuloso, o crime ocorre quando uma mulher, movida por um desejo obsessivo de ter um bebê, decide retirar um feto do útero de uma gestante, passando-o como seu. Embora cada caso tenha suas particularidades, há padrões nítidos que ajudam a entender a mente por trás desse ato1.
Em muitos casos, a criminosa finge estar grávida para enganar aqueles ao seu redor. Essa gravidez fictícia é cuidadosamente construída: ela ganha peso, falsifica exames médicos, compra enxovais e informa a família e amigos sobre a suposta gestação. O crime é meticulosamente planejado para coincidir com a data prevista do parto, de modo a tornar mais crível a mentira de que deu à luz.
A escolha da vítima, geralmente uma conhecida - seja amiga, colega de trabalho, vizinha ou alguém com quem fez amizade online -, ocorre quando ela está na fase gestacional de interesse da criminosa. O sequestro é executado de forma violenta, com a realização de uma "cesariana" improvisada, e as vítimas frequentemente não sobrevivem ao processo devido às condições brutais em que são deixadas2.
Estudos apontam que essas mulheres podem ter sofrido abortos espontâneos anteriormente ou serem incapazes de engravidar. Contudo, não há evidências de que o principal motivador seja o desejo pela maternidade em si, uma vez que não demonstram vinculação afetiva com os bebês que sequestram. O que parece impulsioná-las é algo mais profundo e perturbador: um narcisismo extremo e delírios grandiosos.
Segundo Porter (2010)3, que investigou casos de sequestro cesariano desde 1987, essas mulheres geralmente apresentam transtorno de Munchausen ou transtorno factício. Para elas, o bebê é apenas um meio para um fim: conquistar o status de mãe, que, em sua visão distorcida, lhes garantiria atenção, cuidado e apoio da sociedade. Elas veem a maternidade como um caminho para receber elogios e alcançar a atenção a que se sentem no direito, utilizando o bebê como um objeto para esse propósito.
Além disso, essas mulheres tendem a ser obsessivas, compulsivas e manipuladoras, buscando poder, controle e atenção das pessoas ao seu redor. Sua necessidade de aprovação é tão intensa que as leva a planejar e executar um crime tão atroz, sem consideração pela vida da vítima ou do bebê.
O rapto fetal, portanto, é um crime que desafia as noções tradicionais de motivação criminosa. Não se trata apenas de uma obsessão pela maternidade, mas de uma busca doentia por status, validação e controle. Essas mulheres não buscam simplesmente um filho, mas sim a ilusão de poder e reconhecimento que acreditam que a maternidade pode proporcionar.
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1 BARROS, A. J. S. ; TRINDADE, E. K. ; RIBEIRO, H. L. ; OLIVEIRA, ACS . Especificidades das perícias em saúde mental da mulher: aspectos ténicos e éticos. In: Alexandre Okanobo Azuma; Arianne Monteiro Melo Angelelli; Christiane Carvalho Ribeiro; Hewdy Lobo Ribeiro; Igor Emanuel Vasconcelos e Martins Gomes. (Org.). Tratado de saúde mental da mulher: Uma abordagem multidisciplinar. 0ed.São Paulo: Manole, 2024, v. 600, p. 4-567.
2 Susana P. García Roversi. Una nueva categoría de homicidios por causas personales según el FBI: Secuestro in utero o rapto fetal (fetal abduction). Misión Jurídica: Revista de derecho y ciencias sociales, ISSN 1794-600X, Vol. 8, Nº. 9, 2015, págs. 177-196
3 Porter T. Caesarean Kidnapping: Maternal Instinct, Malingering and Murder. In: ILLUMINATING the Dark Side: Evil, Women and the Feminine. Brill, 2010. p. 1-17.