Eleição presidencial americana: Esquisita ou tem lógica?
A matéria analisa a complexidade das eleições presidenciais nos EUA, enfatizando primárias, colégio eleitoral e questões de identificação do eleitor e voto pelo correio.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Atualizado às 10:24
Introdução
Recentemente vivenciamos o período de eleições americanas. No Brasil temos um fascínio pelo período eleitoral naquele país. Como sempre, ouvimos algumas versões dos fatos que, nem sempre, correspondem à realidade. Por vezes a imprensa toma a defesa de determinado candidato ou partido e pinta com cores desfavoráveis tudo o que puder beneficiar o oponente.
Vamos apresentar alguns casos das regras eleitorais norte-americanas que, às vezes, para nós brasileiros, podem parecer estranhas.
1. Do colégio eleitoral à data da posse
O sistema eleitoral nos Estados Unidos para as eleições presidenciais é complexo e baseado principalmente no sistema de colégio eleitoral. Alguns pontos podem ser interessantes para nós:
- Eleições primárias e caucus: Antes da eleição geral, os partidos políticos realizam primárias (mais a nível estadual) e caucus (mais a nível local) em cada estado para escolher seus candidatos à presidência. As primárias podem ser abertas (qualquer eleitor pode participar) ou fechadas (apenas eleitores registrados no partido).
- Convenções nacionais: Após as primárias, cada partido realiza uma convenção nacional onde oficializa seus candidatos e estabelece a plataforma do partido. Os delegados que representam os Estados votam para escolher o candidato.
- Eleição geral: A eleição geral acontece na terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro. Os eleitores vão às urnas para votar em seu candidato preferido. Contudo, os votos não são contabilizados diretamente para os candidatos, mas sim para os delegados do colégio eleitoral.
- Colégio eleitoral: Nos Estados Unidos, o colégio eleitoral é o grupo de votos para as eleições presidenciais que é formado a cada quatro anos com o único propósito de "votar" no presidente e no vice-presidente. O processo está descrito no art. II da Constituição americana. O número de votos eleitorais que um estado tem é igual ao seu número de senadores (2) mais o número de representantes na Câmara dos Deputados, sendo este último dependente da população relatada no censo. O número de deputados e senadores totaliza 535. Esse é o número de eleitores do "colégio eleitoral" nos 50 estados. A 23ª Emenda de 1961 concedeu ao Distrito Federal de Columbia três eleitores, elevando o número total de eleitores para 538.
- 270 para vencer: Dos atuais 538 eleitores, uma maioria simples de 270 ou mais votos eleitorais é necessária para eleger o presidente e o vice-presidente. Há, inclusive, um famoso sítio eletrônico que sistematiza pesquisas eleitorais, cujo nome (270towin) decorre exatamente desse "número mágico".
- Imaginem um empate: Se nenhum candidato obtiver uma maioria por lá, uma eleição colegiada e excepcional é realizada pela Câmara dos Representantes para eleger o presidente e pelo Senado para eleger o vice-presidente.
- Sistema de vencedor-leva-tudo: Na maioria dos estados, o candidato que recebe a maior quantidade de votos populares ganha todos os votos eleitorais daquele estado (exceto em Maine e Nebraska, onde os votos eleitorais podem ser divididos).
- Votação do colégio eleitoral: Em dezembro, os membros do colégio eleitoral se reúnem em seus respectivos estados para votar oficialmente no presidente e no vice-presidente. O resultado é então enviado ao Congresso.
- Contagem e certificação: Em janeiro, o Congresso se reúne para certificar os votos do colégio eleitoral e formalmente declarar o vencedor da eleição.
- Posse presidencial: O novo presidente toma posse em 20 de janeiro.
2. Respeito à federação
O sistema das eleições presidenciais nos Estados Unidos reflete a federação americana. Garante não apenas o número de eleitores, mas que cada estado tenha voz e peso no processo eleitoral. Pode parecer estranho, mas não é: por isso os "estados menores" (em termos populacionais) acabam tendo maior atenção durante os mandatos presidenciais.
Em algumas situações, o sistema pode gerar uma incongruência - segundo nossa visão brasileira - que seria a hipótese de um candidato poder ganhar a presidência sem ter recebido a maioria dos votos populares nacionalmente, devido ao sistema do colégio eleitoral.
3. Leis americanas impedem eleitores de votar?
É muito comum vermos questionamentos dos resultados eleitorais nos Estados Unidos. Especialmente, existem muitas manchetes com acusações do tipo: "leis estaduais estão tentando proibir pessoas de votar" ou "criando restrições ao livre direito de voto". As leis de identificação eleitoral têm sido criticadas como violação de voto de minorias e pessoas de baixa renda. Um argumento ad terrorem que pode não passar de desinformação.
Antes de prosseguir, pergunto: você, eleitor(a) brasileiro(a), consegue votar sem se identificar? É exagerada a regra que exige que o eleitor se identifique na hora do voto? Isso é para impedir o voto, ou para mitigar fraudes?
Parece que não teremos muitas dúvidas: a regra é racional. A partir deste breve esclarecimento, veremos que as leis eleitorais nos Estados Unidos variam de Estado para Estado, e a exigência de apresentação de DI - documento de identidade para votar é uma questão amplamente debatida a cada Estado.
Há Estado - por exemplo Texas, Indiana, Georgia e Wisconsin - com leis de DI rigorosas, exigindo que os eleitores apresentem um tipo específico de identificação com foto ao votar. Há ainda os estados - por exemplo Arizona e Ohio - de leis de DI flexíveis, permitindo que os eleitores apresentem uma variedade de documentos que podem incluir DI's com ou sem foto, ou outros comprovantes de identidade, como uma conta de serviços públicos ou um extrato bancário que tenha o nome e o endereço do eleitor. E, por fim, os Estados - por exemplo Califórnia e New York - sem exigência de DI, que não exigem nenhum tipo de identificação para votar, permitindo que os eleitores votem apenas com a assinatura. No Brasil, as duas últimas realidades seriam vistas como temerárias.
4. Eleições pelo correio e sem uma "data única"
Por fim, outras duas questões diferentes nos Estados Unidos: a ausência de uma data única para votação e o voto "pelo correio".
No Brasil, temos o "dia da eleição". Nos Estados Unidos, têm uma espécie de "dia limite" para votar ou para enviar o voto.
E, quando referimos a "enviar o voto pelo correio" decorre da razão de existir nas eleições americanas a possibilidade de votação pelos correios ou depósito do voto em postos de coleta. Essa hipótese, por sinal, é extremamente aberta a fraudes. Dificilmente, no Brasil, aceitaríamos uma situação como esta.
Mais uma situação que as manchetes chamam de "violação de liberdade de voto" - as leis de controle de voto por correio - na verdade, pode não passar de controle de potenciais fraudes. Logicamente, os defensores de voto por correio alegarão os tradicionais argumentos ad terrorem: "querem impedir o direito de voto", ou, "o votante cometeu apenas um erro menor".