O futuro das "bets" e dos jogos de azar no Brasil
Expansão das apostas online e regulamentação das "bets" geram debates legislativos e judiciais no Brasil, destacando desafios sociais e econômicos.
sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Atualizado em 28 de novembro de 2024 11:14
As casas de apostas esportivas e os jogos de azar têm ganhado cada vez mais popularidade e gerado repercussão no cenário brasileiro. Com as facilidades proporcionadas pelo ambiente virtual, são crescentes os números de apostadores e de empresas que promovem esse tipo de atividade.
Como consequência, esse contexto de expansão das plataformas digitais está demandando uma série de adaptações por parte do legislador, gerando, também, reflexos na seara penal. No Brasil, desde 1941, a conduta de estabelecer ou explorar jogo de azar é proibida, tratando-se de contravenção penal prevista no art. 50 do decreto-lei 3.688/41, punível com prisão simples de 3 meses a 1 ano. Cabe esclarecer que "jogos de azar" é definido pela legislação como aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte.
Por se tratar de uma contravenção penal, os jogos de azar são considerados infrações de menor potencial ofensivo, enquadramento que permite a aplicação de procedimento criminal mais célere e simplificado, sendo possível a realização de acordos entre o ofensor e o Estado. Vale destacar que, ao se tratar de responsabilização penal, a aplicação da sanção recai sobre uma pessoa física, uma vez que a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é limitada a delitos ambientais. Portanto, o risco decorrente de tais atividades, na prática, é direcionado aos administradores das empresas que promovem esse tipo de atividade.
Enquanto os jogos de azar são proibidos há mais de 80 anos no país, as casas de apostas esportivas - famosas "bets" - se encontravam em uma zona cinzenta. Em 2018, com a lei 13.756/18, o legislador introduziu uma nova modalidade de loteria, chamada "Aposta de Quota Fixa", na qual o apostador sabe, antes de efetivar a aposta, quanto poderá ganhar em caso de acerto do prognóstico. No entanto, somente 5 anos depois, com a lei 14.790/23, foram estabelecidas diretrizes para a exploração dessa nova modalidade, além de terem sido incluídos os jogos on-line na categoria aposta de quota fixa.
Nos termos da referida lei, a exploração de apostas de quota fixa deverá ser exclusiva de pessoas jurídicas constituídas e com sede e operação no Brasil e estas somente poderão atuar como agentes operadoras de apostas mediante autorização do Ministério da Fazenda. Além disso, as "bets" deverão adotar políticas corporativas obrigatórias voltadas à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, bem como implementar procedimentos de análises das apostas com o objetivo de identificar suspeitas de tais atividades ilícitas, similar ao que a lei 9.613/98 exige atualmente de instituições financeiras, por exemplo. A lei 14.790/23 também prevê uma série de penalidades aplicáveis às pessoas físicas e jurídicas que infringirem as suas determinações, incluindo multa de R$ 50.000,00 a R$ 2.000.000.000,00 por infração.
No entanto, desde o início do ano, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) vem publicando uma série de portarias sobre o tema que merecem atenção. Dentre elas, destaca-se a portaria 1.207/24, que estabelece que os jogos on-line devem ser de quota fixa, ter caráter aleatório e disponibilizar tabelas de pagamento com possibilidades de ganho antes da aposta. Assim, jogos como o "Fortune Tiger", popularmente conhecido como "Jogo do Tigrinho", que antes eram considerados jogos de azar, poderão ser ofertados no Brasil caso sigam as referidas diretrizes. Também merece destaque a portaria expedida no dia 16 de setembro que estabelece as condições para que uma empresa possa participar do período de transição da regulamentação da exploração de apostas de quota fixa, cujo início se deu no dia 1º de outubro, e define as regras para o cessamento das operações das empresas que não atenderem a essas condições, determinando o bloqueio e a exclusão de aplicativos, motivo pelo qual algumas "bets" já começaram a sair do ar.
Além disso, no âmbito legislativo, recentemente, foi instalada a "CPI das Bets" para "investigar a crescente influência dos jogos virtuais de apostas online no orçamento das famílias brasileiras, além da possível associação com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro, bem como o uso de influenciadores digitais na promoção e divulgação dessas atividades", conforme requerimento apresentado ao Presidente do Senado.
Ainda, merece destaque o fato de que a própria constitucionalidade da lei 14.790/23 vem sendo questionada em duas ADIns (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que tramitam perante o STF: a ADIn 7.721, proposta pela CNC - Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, que, de uma forma mais radical, tem como objeto a declaração de inconstitucionalidade da integralidade da referida lei; e a ADIn 7.749, proposta pelo Procurador-Geral da República, que questiona uma série de dispositivos das leis 14.790/23 e 13.756/18, em razão da ausência de previsão de mecanismos suficientes para proteger direitos fundamentais, bens e valores previstos na Constituição Federal.
Apesar dessas importantes mudanças em relação às apostas de quota fixa, os jogos de azar continuam submetidos às sanções estabelecidas em 1941 e o que se observa, na prática, é que elas não têm se mostrado eficazes no combate à exploração de tais atividades. No entanto, não há como assegurar que a mera previsão de pena mais severa seja eficaz para coibir tais práticas. É necessário pensar em outras medidas, para além da pena, ou, até mesmo, avaliar a própria adequação de se manter a proibição dos jogos de azar no país. Portanto, é importante que o legislador olhe com especial atenção para o tema, principalmente considerando a proporção que os jogos de azar alcançaram no meio virtual, e acompanhe as modificações na exploração dessas atividades ilícitas nos últimos anos.
A esse respeito, está tramitando o PL 2.234/22, no Senado Federal, que admite a prática e a exploração de jogos de cassino em estabelecimentos físicos, bem como de jogos de bingo, de apostas turfísticas e do jogo do bicho. Para tanto, revoga o artigo 50 da Lei das Contravenções Penais e apresenta a regulamentação da matéria, indicando diversos requisitos para a exploração dessas atividades, tipificando como crime punível com pena de prisão de dois a quatro anos a atuação em desacordo com suas determinações, conforme texto inicial apresentado em março de 2022.
O tema tem gerado debates importantes no Senado: de um lado, há quem defenda que os países que buscaram uma regulamentação com responsabilidade dos jogos e das apostas tiveram um crescimento social e econômico, gerando emprego, renda e impostos; de outro, há parlamentares que sustentam que o projeto pode incentivar, além do vício em jogos, crimes como lavagem de dinheiro e a legitimação de organizações criminosas. O tema é complexo e envolve muitos aspectos - principalmente sociais e econômicos - mas fato é que, transcorridos 80 anos, o legislador está caminhando a passos lentos para uma atualização da matéria.
Fernanda Morais
Advogada nas áreas de Direito Penal e Direito Processual Penal do Silveiro Advogados, é graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-graduanda em Direito Penal e Direito Processual Penal na Unisinos.