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Judicialização da responsabilidade civil ambiental

Judicialização do Direito Ambiental inclui ações como ACP, por exemplo, buscando soluções que beneficiem ambas as partes, com foco em assegurar direitos ambientais.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Atualizado às 11:57

Antes de adentrar no mérito do presente tema, cumpre destacar que o Direito Ambiental pode se fazer presente nas três esferas: administrativa, cível e penal.

Quando acontece então o fenômeno da judicialização?

É no momento em que uma matéria ambiental é tutelada no poder judiciário, visando a solução do conflito. Desse modo, a judicialização ocorre quando uma parte, pessoa física ou jurídica, instituição, ou o próprio poder público busca o seu direito, ou ainda, no caso do Direito Ambiental o Ministério Público busca fazer valer o direito de todos (direito difuso) a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Criou-se uma cultura de que em um processo judicial existe uma parte vencedora, que a ação deve ser distribuída, contestada, replicada e amplamente debatida, para então uma das partes ser consolidada: ganhadora. O Direito Ambiental é diferente. Por motivos óbvios existem casos em que é impossível uma decisão ser boa para os dois lados Como podemos trabalhar para que um processo possa vir a ser, na medida do possível, favorável para ambas as partes?

Existem muitas possibilidades. A título de exemplo, podemos citar uma empresa que foi autuada e multada pelo órgão ambiental devido à poluição que gerava, e, posteriormente, o Ministério Público ingressou com uma Ação Civil Pública. No curso da demanda, foi firmado um acordo (TAC - Termo de Ajustamento de Conduta), homologado pelo juízo, no qual ficou determinado que a empresa cessaria a poluição (o que era exatamente o requerido pelo MP) e que a multa seria extinta ou convertida em outros tipos de serviços (o que atendeu às expectativas da parte). No entanto, em muitos casos, esse não é o caminho a ser seguido.

Há tempos, observa-se um crescente aumento nas demandas judiciais ambientais, refletindo a intensificação dos conflitos e interesses relacionados à proteção do meio ambiente. Esses casos, constantemente, batem às portas do Judiciário, buscando soluções para problemas que vão desde a degradação de áreas protegidas até a responsabilização por danos ambientais de larga escala.

O volume e a complexidade dessas ações evidenciam a crescente conscientização da sociedade e dos órgãos públicos em relação à importância da preservação ambiental, além da necessidade de atuação efetiva do Poder Judiciário para garantir o cumprimento da legislação e a tutela dos bens ambientais.

Vivemos em uma época em que o desenvolvimento socioeconômico é cada vez mais discutido, somando-se ao crescente interesse dos operadores do direito em aprofundar seu conhecimento sobre a matéria ambiental. Esses fatores, em conjunto, têm impulsionado o aumento das demandas judiciais relacionadas ao tema, além do fato de que muitas ações judiciais tramitam de forma mais célere do que os processos administrativos

A busca por justiça, aliada à burocracia inerente ao nosso país, fez com que o crescimento das demandas ambientais fosse uma consequência inevitável. Ano após ano, observa-se um aumento significativo desses casos, especialmente na região Amazônica, onde a pressão sobre os recursos naturais é intensa.

É importante mencionar que a própria CF/88, ao dedicar um capítulo específico ao meio ambiente, despertou maior atenção para a questão, além de ampliar as possibilidades de judicialização, assegurando direitos e mecanismos de proteção ambiental que incentivam a atuação do Judiciário.

A judicialização em matéria cível

Na esfera cível, a maior parte das demandas é proposta pelo Ministério Público. No entanto, como já ressaltado, o mundo está em plena transformação, e a passos cada vez mais rápidos.

Assim, cresce exponencialmente o número de litígios propostos por pessoas físicas e jurídicas, que não encontram mais conforto em pleitear seus direitos apenas na esfera administrativa.

É importante destacar que eventuais entraves burocráticos enfrentados na esfera administrativa podem ser enfrentados mediante o pedido de medida liminar na judicialização do caso.

As demandas e possibilidades são diversas, abrangendo desde a regularização de um imóvel em área de preservação permanente até a autorização para permanência com uma ave silvestre, além da anulação de multa administrativa ou do embargo de área em que se desenvolve uma atividade.

Ação Civil Pública

ACP - Ação Civil Pública, instituída pela lei 7.347/85, é um importante instrumento processual coletivo que permite ao Ministério Público, a outros entes públicos e até a associações privadas tutelar direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Embora seja amplamente utilizada para a proteção do meio ambiente, a ACP não se limita a essa matéria; sua abrangência inclui também a defesa de interesses relacionados ao consumidor, à ordem econômica, ao patrimônio artístico, histórico, turístico e paisagístico, entre outro. A ACP pode ser ajuizada por diversos legitimados, incluindo o Ministério Público, seja estadual ou Federal, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os municípios, além de associações que estejam constituídas há pelo menos um ano e que incluam em suas finalidades institucionais a proteção dos direitos difusos e coletivos.

Essa legitimidade ativa permite que a ACP seja uma ferramenta essencial para assegurar a tutela judicial de direitos que são de interesse comum de toda a sociedade, especialmente em situações em que o meio ambiente precisa ser restaurado ao status quo ante. Além de buscar a reparação de danos já ocorridos, a ACP também pode ser utilizada de forma preventiva, evitando que danos iminentes se concretizem. Isso é especialmente relevante na esfera ambiental, onde muitas vezes a prevenção de um dano irreparável é mais eficaz do que a sua compensação posterior.

Nesse contexto, a ACP possibilita, por exemplo, a suspensão de atividades potencialmente prejudiciais e a imposição de medidas reparatórias que promovam a restauração do equilíbrio ambiental. Assim, a ACP desempenha um papel crucial na efetivação da proteção de bens coletivos, na prevenção de danos e na promoção da justiça social, garantindo a defesa de direitos transindividuais que são indivisíveis e dizem respeito a toda a coletividade, como é o caso do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos direitos dos consumidores.

Defesa de pessoas atingidas por danos ambientais

O dano ambiental individual é um evento que afeta diretamente uma ou mais pessoas, em contraste com os danos difusos que afetam toda a coletividade. Tais casos frequentemente apresentam grande dificuldade para que ambas as partes saiam satisfeitas com o resultado final, pois são situações de impacto direto sobre a qualidade de vida dos indivíduos, o que torna a conciliação particularmente difícil.

Um exemplo típico envolve pessoas atingidas pela poluição gerada por indústrias, mesmo que tais empreendimentos operem em conformidade com suas licenças. Neste contexto, surge a figura do "bystander" ou consumidor por equiparação, o qual é afetado indiretamente pelas atividades da empresa, independentemente da conformidade legal do empreendimento com normas ambientais.

Outro exemplo de dano ambiental individual é aquele causado pela insuficiência de infraestrutura urbana, como sistemas de saneamento básico inadequados que resultam em alagamentos e enchentes.

Nesses casos, a responsabilidade do Estado pode ser acionada, especialmente quando há omissão na prestação de serviços de saneamento básico, como drenagem e manejo de águas pluviais, conforme previsto na legislação brasileira.

A responsabilidade estatal, de acordo com a CF e a lei de política nacional do meio ambiente, é objetiva, o que significa que o Estado deve indenizar os danos independentemente de culpa, desde que exista nexo causal entre a omissão e o dano sofrido pela população, garantindo assim a reparação dos prejuízos patrimoniais e morais causados pelas enchentes e alagamentos, como observado em várias regiões do Brasil nos últimos anos.

Esses exemplos evidenciam a complexidade dos danos ambientais individuais, que não só afetam diretamente as condições de vida das pessoas, mas também levantam questões sobre a eficiência das políticas públicas e a adequação das licenças ambientais concedidas.

O tratamento jurídico desses casos requer uma análise minuciosa da responsabilidade dos agentes envolvidos - sejam públicos ou privados -, visando assegurar que os princípios da prevenção e da reparação integral sejam efetivamente aplicados, garantindo justiça às vítimas dos danos ambientais.

Demanda para concessão de licença ambiental

É notório que o licenciamento ambiental é concedido por meio de ato administrativo. No entanto, em muitos casos, não é apenas a burocracia que interfere na construção ou liberação de um empreendimento, mas também a atuação do próprio órgão licenciador responsável pela fiscalização. Diante dessas situações, muitas vezes, as medidas administrativas se esgotam, tornando inevitável a judicialização do caso.

A ação cabível nesses casos dependerá da análise da situação específica: se há solicitações excessivas e inviáveis de documentos por parte do órgão ambiental, ou se houve uma negativa arbitrária do licenciamento. Importa destacar que a própria discricionariedade do ato administrativo deve ser considerada, pois o órgão pode possuir margem para decidir, desde que respeitados os limites legais e princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Em alguns casos, há situações de conflito de competência entre os órgãos responsáveis pelo licenciamento - por exemplo, quando um órgão municipal concede a licença, mas a competência seria, na verdade, de um órgão estadual. Isso pode gerar incertezas ao requerente sobre como proceder.

Embora a jurisprudência sobre a judicialização de licenças ambientais se mostre cada vez mais robusta, observa-se um crescimento contínuo no reconhecimento da necessidade de enfrentar judicialmente questões relacionadas ao licenciamento, especialmente diante de exigências abusivas ou negativas indevidas que inviabilizam o exercício do poder econômico de forma compatível com a legislação ambiental. Os tribunais têm reafirmado a importância do controle jurisdicional sobre os atos administrativos que envolvem o licenciamento, garantindo que sejam observados os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade na tomada de decisões ambientais. Assim, a ação judicial, como um mandado de segurança ou ação anulatória, pode ser um instrumento eficaz para resguardar os direitos do interessado, buscando a concessão da licença ou a revisão do ato administrativo.

Ações declaratórias de nulidade

As ações declaratórias de nulidade, ou ações anulatórias, são um importante meio de controle de legalidade dos atos administrativos, garantido ao cidadão que se considera prejudicado por atos administrativos ilegais. Essas ações são frequentemente utilizadas para anular autos de infrações ambientais, buscando assegurar que os atos administrativos respeitem a legalidade e a justiça.

O auto de infração, quando julgado pela via administrativa em primeira instância, é lavrado pelo próprio órgão responsável pelo julgamento, o que evidencia a dificuldade de se obter êxito na defesa administrativa, devido à tendência natural de confirmação da validade do ato praticado.

Além disso, muitos autuados realizam a própria defesa ou são representados por profissionais sem o preparo técnico necessário para garantir a melhor defesa dos interesses do cliente. Nesses casos, o auto de infração costuma ser julgado procedente na esfera administrativa, restando como alternativa o ingresso de uma ação judicial visando à anulação do auto de infração ambiental.

A ação declaratória de anulação de auto de infração ambiental, portanto, se apresenta como uma medida eficaz para contestar os vícios formais e materiais do ato administrativo, garantindo ao cidadão o direito ao controle da legalidade dos atos estatais e assegurando o respeito ao devido processo legal e à ampla defesa.

Mandado de Segurança

Conhecido como um remédio constitucional, o MS - Mandado de Segurança pode ser utilizado para viabilizar o licenciamento ambiental, sendo um importante meio de proteção de direitos líquidos e certos diante de atos administrativos ilegais ou abusivos por parte da Administração Pública.

O Mandado de Segurança é cabível quando não restam alternativas administrativas para a resolução do impasse, especialmente em casos de omissão ou demora injustificada por parte do órgão ambiental em conceder ou analisar o pedido de licença. Por exemplo, quando a autoridade ambiental ultrapassa o prazo de legal para concluir a análise do pedido de licenciamento, ou em situações em que o pedido de licença é negado de forma arbitrária, cabe ao interessado impetrar o MS para compelir o órgão a concluir a apreciação do processo.

Nesse contexto, o MS pode ser uma ferramenta eficaz para garantir que o órgão ambiental respeite os princípios da eficiência e da duração razoável do processo, conforme previsto nos arts. 5.º, LXXVIII, e 37 da CF/88. É importante observar que o objetivo do Mandado de Segurança não é determinar o deferimento ou indeferimento da licença ambiental requerida, mas sim garantir que o órgão ambiental conclua a análise e emita uma decisão definitiva sobre o assunto.

Assim, o MS se apresenta como um instrumento útil, principalmente devido à sua celeridade, para combater a omissão administrativa e assegurar a efetividade do direito ao licenciamento ambiental.

Ação popular

A ação popular é um instrumento constitucional que pode ser utilizado por qualquer cidadão com o objetivo de defender o meio ambiente e outros interesses coletivos, como o patrimônio público, a moralidade administrativa e o patrimônio histórico e cultural, conforme previsto no art. 5º, inciso LXXIII, da CF/88.

Essa ação permite ao cidadão questionar judicialmente atos administrativos lesivos, garantindo a preservação dos direitos difusos e coletivos, incluindo a proteção ambiental. Embora a ação popular possa ser ajuizada por qualquer cidadão, é importante lembrar que, como se trata de uma demanda judicial, é essencial contar com a assistência de um advogado para garantir a adequada representação e condução do processo. Esse instrumento de controle social visa assegurar a legalidade dos atos administrativos e a proteção do interesse público.

A ação popular tem sido pouco utilizada nos últimos anos, em parte devido à atuação intensa do Ministério Público, que recebe denúncias relacionadas ao meio ambiente, realiza inquéritos civis e, quando necessário, ajuíza ações civis públicas para garantir a proteção ambiental.

No entanto, a ação popular continua sendo um importante mecanismo democrático para assegurar que o meio ambiente e outros interesses coletivos sejam devidamente protegidos, especialmente em situações em que o cidadão deseja atuar diretamente contra atos lesivos da Administração Pública.

Conclusão

A judicialização do Direito Ambiental é essencial para garantir a aplicação efetiva das leis e a proteção do meio ambiente, assegurando tanto os direitos difusos quanto os direitos individuais. Ao levar os conflitos ambientais ao Judiciário, cria-se a possibilidade de alcançar soluções mais equilibradas e justas, que beneficiem não apenas as partes envolvidas, mas também a sociedade como um todo.

Isso se torna ainda mais relevante diante da necessidade de alinhar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental, promovendo uma integração saudável entre justiça e sustentabilidade. Assim, a judicialização não se limita à correção de práticas inadequadas, mas também desempenha um papel fundamental no estímulo à responsabilidade e à conformidade com as normas ambientais. Ao servir como um mecanismo de controle, a atuação judicial contribui para a conscientização e para a prevenção de novos danos, promovendo um ambiente mais seguro e sustentável para as gerações presentes e futuras.

Adivan Zanchet

VIP Adivan Zanchet

Advogado e professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP - CEO do Escritório Martins Zanchet

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