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A evolução histórica das legislações que tratam de compliance nos Estados brasileiros e a exigência da certificação ISO nas licitações públicas

Michelle Vilalba

Compliance é a análise de conformidade nos processos empresariais e públicos, garantindo integridade, ética e confiabilidade, especialmente com a lei anticorrupção.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Atualizado em 26 de novembro de 2024 14:34

Introdução

O termo compliance muito em voga na atualidade, trata da análise de conformidade dos processos dentro das empresas, em todas as suas searas, como por exemplo recursos humanos, contratações de pessoal e aquisições, visando assegurar um ambiente íntegro, com valores éticos e confiabilidade.

Dentro da esfera pública, o debate acerca dos programas de integridade, iniciou com o advento da lei 12.846, de 01/8/13, conhecida como lei anticorrupção, quando o mencionado normativo estabeleceu critérios de penalizações, pela prática de atos lesivos, cometidos por pessoas jurídicas contra a Administração Pública.

Com a vigência da legislação suprimencionada, iniciou-se um processo de adequações tanto da própria Administração Pública, para o implemento dos processos administrativos e penalização dos atos lesivos, como também das empresas da iniciativa privada, visando criar mecanismos sólidos para coibir condutas que possam ser lesivas ao Poder Público e ainda a prevenção a possíveis condutas eivadas de ilegalidade.

Com a necessidade de garantir a integridade nas contratações e lisura nos processos licitatórios, os entes públicos passaram a editar legislações para garantir que as seleções públicas escolham, por meio de critérios objetivos, empresas com mecanismos de integridade e certificações que garantam sua especialidade e confiabilidade.

Importante destacar, que a nova lei de licitações e contratações públicas, a lei 14.133/21, traz inovações nesse sentido, ao dispor de dispositivos baseados na existência de programas de integridade e compliance.

Este artigo, visa realizar um levantamento das legislações estaduais acerca da regulamentação da exigência dos programas de integridade, das empresas que tem como objetivo contratar com a Administração Pública, apresentando um panorama geral dessas exigências, bem como expor a aplicação dos critérios trazidos pela lei 14.133/21, acerca do tema.

1. Panorama geral das legislações estaduais de integridade

Embora tanto a lei de licitações, lei 14.133/21, quanto a lei anticorrupção, a lei 12.846/13, possuam vigência e obrigatoriedade de aplicação em todo território nacional, é consentido aos Estados que possuam suas legislações próprias, desde que não conflitem com o normativo Federal.

Posto isto, destacamos inicialmente, o Estado do Rio de Janeiro, que conta com a lei estadual 7.753, de 17/10/17, dispondo acerca da implantação de programas de integridade nas empresas que celebrem contratos e convênios com o Estado, conforme o valor de referência do certame.1

Verificamos também, que o Distrito Federal, regulamentou o tema por meio da lei 6.1122, de 02/2/18, também relacionando a exigência de programa de integridade com o valor da futura contratação.

Igualmente o Estado de Goiás, também dispõe de legislação consignando a exigência do programa de integridade nas contratações conforme o aporte financeiro a ser realizado, vejamos:

Art. 1º Determina a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado de Goiás, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias. 3

Em prosseguimento, o Estado do Espírito Santo, por meio da lei 10.793, de 21/12/17, instituiu o Código de Conduta, que deve ser observado por todos os fornecedores e prestadores de serviços ao Estado4, e ainda, após essa publicação, no ano de 2019, através da lei 10.993, de 24/5/19, criou o Programa de Integridade da própria Administração Estadual, demonstrando que os ditames referentes ao combate à condutas de fraudes e corrupção junto de seus fornecedores, está também dentro da própria máquina administrativa, conforme abaixo colacionamos:

Art. 1º Fica instituído o Programa de Integridade da Administração Pública em todos os órgãos e entidades no âmbito do Estado do Espírito Santo, excetuadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

§ 1º A instituição do Programa de Integridade da Administração Pública exprime o compromisso do Estado do Espírito Santo com o combate à corrupção em todas as suas modalidades e contextos, bem como com os valores da integridade, da ética, da transparência pública, do controle social e do interesse público, buscando articular, nas disposições previstas nesta Lei, todas as normas já existentes que fomentam a cultura de integridade no setor público no âmbito do Estado do Espírito Santo.

§ 2º O Programa de Integridade da Administração Pública deve ser concebido e implementado de acordo com o perfil específico de cada órgão e entidade pública estadual, e as medidas de proteção nele estabelecidas devem ser analisadas e implantadas de acordo com os riscos de integridade identificados na atuação e no funcionamento de cada organização. (grifou-se) 5

Indo ao encontro das legislações já apostas, o Estado de Mato Grosso do Sul, editou legislação relacionando, a obrigatoriedade do programa de integridade, com os valores trazidos pela lei de licitações, a lei 14.133/21, vejamos:

Art. 1º Fica estabelecida a obrigatoriedade de implantação do Programa de Integridade por todas as pessoas jurídicas que celebrarem contratos de obras, de serviços e de fornecimento com a Administração Direta, as autarquias e as fundações do Poder Executivo Estadual, inclusive nas contratações decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação, com prazo contratual de, no mínimo, 6 (seis) meses e valor global igual ou superior a 10% do valor previsto no inciso XXII do art. 6º da Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021. 6(grifou-se)

Em sequência, elencamos, os demais Estados da Federação, que possuem normativo legal próprio, tratando acerca da obrigatoriedade de um programa de integridade para contratar com o Poder Público Estadual, vejamos:

  • Amazonas, lei 4.730, de 27/12/187;
  • Mato Grosso, decreto Estadual 522, de 15/4/168
  • Rio Grande do Sul, lei Estadual 15.228, de 25/9/189
  • Pernambuco, lei Estadual 16.722, de 09/12/1910

2. Programas de integridade e a lei 14.133/21:

Conforme podemos observar, desde o advento da lei anticorrupção, existe um movimento do Poder Público, para determinar que as empresas que tenham interesse em contratar com a Administração disponham de programas de integridade, justamente com o intuito de se minimizar a ocorrência de corrupção, condutas fraudulentas e a prática de atos irregulares.

Nessa senda, a lei de licitações, lei 14.133/21, apresenta em seus dispositivos, mecanismos para que as empresas que disponham do supracitado programa, participem dos certames, com certo privilégio, visto que em seu texto, em diversos momentos cita o programa de integridade, vejamos:

Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.

(...)

§ 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.

Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:

(...)

IV - desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.

Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:

(...)

§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:

(...)

V - a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.

Art. 163. É admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, exigidos, cumulativamente:

(...)

Parágrafo único. A sanção pelas infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável. (grifou-se)

Ante toda a legislação exposta, é notório que a existência de um programa de integridade eficaz, é extremamente relevante na verificação dos atos cometidos pela licitante, que possam ensejar a sua penalização, servindo como uma atenuante, e na disputa como método de desempate entre as propostas.

A empresa que deseja contratar com a Administração Pública, e possui um programa de integridade sólido, funcional e eficaz, demonstra que possui princípios éticos, está comprometida com a legalidade da contratação bem como de sua execução, e que visa realmente buscar seus interesses, sem deixar de lado o atendimento ao interesse público.

3. Certificação ISO11 nos certames licitatórios:

O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, assim define a certificação ISO,  vejamos: 

É a Organização Internacional de Normalização, com sede em Genebra, na Suíça. Foi criada em 1946 e tem como associados organismos de normalização de cerca de 160 países. 

A ISO tem como objetivo criar normas que facilitem o comércio e promovam boas práticas de gestão e o avanço tecnológico, além de disseminar conhecimentos. (grifou-se)

Posto isto, compreende-se que a utilização da certificação ISO, como um critério de apuração da qualidade e seriedade dos processos dentro de uma organização, não se trata de mera faculdade, mas sim de determinar critérios objetivos, reconhecidos mundialmente, deixando evidente que a empresa certificada pela ISO, possui processos sólidos de qualidade, segurança e governança.

Dentre as diversas certificações ISO existentes, para aferir a qualidade nas mais diversas áreas, temos as que mais se coadunam com os objetivos da Administração Pública, sendo elas:

ISO 9001 (Qualidade): Certificação que atesta que a empresa adota um sistema de gestão de qualidade robusto, essencial para contratos públicos que exigem alto padrão de serviços e produtos.

ISO 37001 (Anticorrupção): A ISO 37001 é cada vez mais solicitada em licitações, principalmente para empresas que lidam com grandes contratos públicos, dado o foco em combater a corrupção e práticas ilícitas.

ISO 14001 (Meio Ambiente): Certificação que comprova que a empresa adota práticas sustentáveis e em conformidade com a legislação ambiental, o que é particularmente relevante para obras e projetos públicos com impactos ambientais.

Ante o exposto, temos que o mercado das licitações públicas se encaminha para cada vez mais, conforme a complexidade do objeto que se está sendo licitado, exigir critérios de qualificação das empresas, que possam de forma eficiente e segura, auferir sua expertise e capacidade técnica na execução dos serviços contratos, levando-se em consideração que a seleção da proposta mais vantajosa também diz respeito à proposta que irá executar os serviços de forma eficaz, com resultados satisfatórios, e não só pelo menor valor.

Sendo assim, exigências como programas de compliance e certificações ISO possuem uma tendência de crescimento exponencial, principalmente nas áreas que envolvam qualidade dos serviços, busca pelo resultado, anticorrupção, sustentabilidade e um aporte financeiro de grande vulto.

Conclusão

Conforme o exposto e debatido, ao longo deste artigo, temos que exigências mais específicas, nos certames licitatórios, realizados pela Administração Pública, e que envolvam qualidade e eficiência na prestação dos serviços, serão cada vez mais vistas nos processos de contratações públicas, considerando-se que, hodiernamente, busca-se não só propostas com valores mais vantajosos, mas que também atendam de forma inteligente o interesse público. 

_________

1 Art. 1º - Fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.

2 Art. 1º Fica estabelecida a obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade em todas as pessoas jurídicas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão, parceria público-privada e qualquer outro instrumento ou forma de avença similar, inclusive decorrente de contratação direta ou emergencial, pregão eletrônico e dispensa ou inexigibilidade de licitação, com a administração pública direta ou indireta do Distrito Federal em todas as esferas de poder, com valor global igual ou superior a R$ 5.000.000,00.

3 https://legisla.casacivil.go.gov.br/api/v2/pesquisa/legislacoes/100700/pdf, consultado em 24/11/2024, às 22h29min.

Art. 1º Fica instituído o Código de Conduta e Integridade a ser observado pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços ao Estado do Espírito Santo.

Art. 2º Estão sujeitos a este Código de Conduta e Integridade:

I - todos os fornecedores de bens e prestadores de serviços ao Estado do Espírito Santo, sejam sociedades empresariais ou sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como pessoas físicas;

II - as fundações, as associações de entidades ou de pessoas, as sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, que recebam algum repasse de recurso do Estado do Espírito Santo.

5 https://www3.al.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/html/LEI109932019.html?identificador=330039003000370032003A004C00, consultado em 24/11/2024, às 22h43min.

6 https://www.tjms.jus.br/legislacao/public/pdf-legislacoes/lei_n._6.134.pdf, consultado em 24/11/2024, às 22h51min.

7 https://sapl.al.am.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2018/10303/lei_4730.pdf, consultado em 24/11/2024, às 22h57min.

8 https://app1.sefaz.mt.gov.br/0325677500623408/7C7B6A9347C50F55032569140065EBBF/1BDF5CF9533C7C2F84257F9900442345#:~:text=Regulamenta%2C%20no%20%C3%A2mbito%20do%20Poder,Indireta%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias., consultado em 24/11/2024, às 23h02min.

9 https://ww3.al.rs.gov.br/filerepository/replegiscomp/Lei%20n%C2%BA%2015.228.pdf, consultado em 24/11/2024, às 23h04min.

10 https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=387038, consultado em 24/11/2024, às 23h18min.

11 http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/o-que-iso.asp, consultado em 25/11/2024, às 09h16mim

Michelle Vilalba

Michelle Vilalba

Advogada

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