A proposta de emenda à Constituição para redução da jornada de trabalho: Aspectos jurídicos, sociais e econômicos
PEC propõe reduzir jornada semanal de trabalho para 36 horas, melhorando qualidade de vida, mas exige análise dos desafios econômicos e empresariais.
terça-feira, 26 de novembro de 2024
Atualizado às 11:34
A PEC - Proposta de Emenda à Constituição que visa reduzir a jornada semanal de trabalho de 44 para 36 horas reacendeu debates sobre a modernização das relações laborais no Brasil. De autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), a proposta apresenta argumentos voltados à melhoria da qualidade de vida do trabalhador, mas também levanta importantes preocupações para as empresas, que enfrentam desafios econômicos e operacionais significativos. Este artigo aborda os impactos jurídicos, sociais e econômicos da proposta, com ênfase na perspectiva empresarial.
1. O Contexto Jurídico e a PEC em Discussão
Atualmente, a Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 7º, XIII, a duração máxima de 44 horas semanais e 8 horas diárias. A proposta de redução para 36 horas semanais almeja alinhar a legislação brasileira a uma tendência global, citando exemplos como Alemanha e Canadá. Neste novo modelo de trabalho sugerido pela Proposta, seria possível que o trabalhador tivesse um dia a mais de descanso, haja vista a possibilidade de realização de um acordo de compensação e prorrogação da jornada de trabalho.
Entretanto, é importante observar que as características estruturais e econômicas do mercado brasileiro diferem substancialmente de países desenvolvidos, exigindo uma análise aprofundada.
Para as empresas, a mudança traz à tona o princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF), que deve ser harmonizado com a valorização do trabalho humano, conforme estabelece o artigo 170 da Constituição. Nesse cenário, garantir a sustentabilidade das atividades empresariais é indispensável para manter empregos e promover o desenvolvimento econômico.
2. Os Desafios Enfrentados Pelas Empresas Brasileiras
Embora a redução da jornada seja apresentada como um avanço social, ela impõe desafios substanciais às empresas brasileiras, especialmente às pequenas e médias, que compõem mais de 90% do tecido empresarial do país. Entre os principais obstáculos, destacam-se:
Aumento de custos operacionais: A redução da jornada sem diminuição proporcional dos salários implica diretamente em maior custo por hora trabalhada. As empresas terão que contratar mais funcionários ou pagar horas extras para cumprir demandas operacionais, especialmente em setores como indústria e comércio, que dependem de jornadas mais longas para atender ao fluxo de trabalho.
Competitividade prejudicada: O Brasil já possui uma das legislações trabalhistas mais rígidas do mundo, com elevados encargos sobre a folha de pagamento. A mudança pode agravar ainda mais a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional, dificultando sua capacidade de competir com países que adotam modelos mais flexíveis.
Impactos nos setores essenciais: Setores como saúde, transporte e segurança pública, que tradicionalmente dependem de escalas extensas para a continuidade dos serviços, podem enfrentar dificuldades adicionais na adequação à nova jornada. A necessidade de reorganizar turnos e contratar mais profissionais impactará diretamente os custos e a eficiência.
Incertezas na produtividade: Embora experiências internacionais apontem ganhos em produtividade com jornadas reduzidas, a aplicação no Brasil pode não produzir os mesmos efeitos, considerando o nível de informalidade e a ausência de uma cultura organizacional madura em muitas empresas.
3. Experiências Internacionais e as Particularidades Brasileiras
A redução da jornada em países desenvolvidos, como Alemanha e Canadá, foi acompanhada por políticas de incentivo à inovação e à automação, além de mercados mais estáveis e estruturas empresariais robustas. No Brasil, onde os índices de informalidade e burocracia ainda são elevados, os custos de adaptação podem superar os benefícios, especialmente para empresas que já enfrentam margens de lucro apertadas.
Os exemplos internacionais também evidenciam que o sucesso de tais medidas depende de investimentos em tecnologia e reestruturação produtiva. Contudo, no Brasil, muitos empresários não dispõem de acesso facilitado a crédito ou incentivos para investir em soluções que compensem a redução da jornada.
4. A Perspectiva Empresarial: A Necessidade de Alternativas
Os empresários que defendem a manutenção da jornada atual não se opõem à busca por melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores, mas alertam para a importância de medidas equilibradas, que considerem as seguintes questões:
Flexibilidade Contratual: A criação de mecanismos que permitam às empresas ajustar jornadas conforme sua realidade operacional, respeitando os direitos dos trabalhadores.
Desoneração da Folha de Pagamento: A redução de encargos trabalhistas e tributários poderia mitigar os impactos econômicos para as empresas, incentivando a adesão a modelos mais modernos.
Incentivos à Produtividade: Políticas públicas voltadas à qualificação profissional e à adoção de tecnologias são essenciais para sustentar a transição para jornadas menores.
Negociação Coletiva: Fortalecer o diálogo entre empregadores e empregados, permitindo que a redução da jornada seja decidida de forma consensual, caso a caso.
5. Conclusão: O Equilíbrio Necessário
Embora a redução da jornada semanal para 36 horas traga inegáveis benefícios aos trabalhadores, sua implementação exige cautela e planejamento para não comprometer a sustentabilidade empresarial. É essencial que o debate leve em conta não apenas as experiências internacionais, mas também a realidade econômica brasileira, marcada por altos custos operacionais, burocracia e dificuldades de acesso ao crédito.
Para o empresariado, a prioridade deve ser a preservação dos empregos e da competitividade, pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico. Assim, ao invés de uma redução generalizada e impositiva da jornada, a solução pode residir na construção de alternativas mais flexíveis e equilibradas, promovendo avanços sociais sem prejudicar a capacidade produtiva das empresas.
Por fim, como destacou a deputada Erika Hilton, o objetivo da PEC é promover mais dignidade. Contudo, essa dignidade deve ser estendida também às empresas, cuja sobrevivência é indispensável para a geração de empregos e o crescimento do país. O equilíbrio entre esses interesses deve ser a base para qualquer reforma trabalhista no Brasil.
Rafaelle Sousa
Advogada e coordenadora do núcleo trabalhista do escritório Aragão e Tomaz Advogados Associados. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Advocacia Empresarial Trabalhista. 2ª Secretária-Geral adjunta da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-DF.