A produção antecipada de provas em arbitragem: Nova alternativa criada pela Câmara CIESP/FIESP
A resolução 14/24 da Câmara CIESP/FIESP estabelece procedimento específico para a produção antecipada de provas em arbitragem. É um avanço significativo para a arbitragem brasileira.
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Atualizado às 12:02
A resolução 14/24 da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP, que institui o regulamento de produção autônoma de provas1, representa importante avanço no cenário da arbitragem brasileira. Ao estabelecer um procedimento específico para a produção antecipada de prova em arbitragem, afastados os casos de tutelas cautelares e de urgência, a Câmara busca suprir uma lacuna existente e fomentar a utilização desse instrumento nos procedimentos arbitrais.
Historicamente, o tema tem sido foco de controvérsias: por anos o procedimento de produção antecipada de provas foi tratado como tendo natureza cautelar da ação2, o que o aproximaria da jurisdição estatal, em especial quando a medida for preparatória para um procedimento de conhecimento.
Este entendimento foi superado com o advento do CPC/15, que retirou a natureza cautelar do procedimento. Ao longo dos anos, a jurisprudência dos tribunais brasileiro veio evoluindo no sentido de reconhecer que o procedimento de produção antecipada de prova não possui, necessariamente, natureza cautelar3. Este novo entendimento permitiu, em alguma medida, aproximar o processo de produção antecipada de prova dos procedimentos arbitrais: afinal, não havendo requisito de urgência, deve ser do árbitro a competência para determinar a produção da prova.
Este entendimento foi corroborado pelo STJ em 2023, por ocasião do julgamento do REsp 2.023.615/SP4. Neste caso, a 3° turma do STJ, por unanimidade, decidiu que a pretensão relativa ao direito autônomo à prova deve ser submetida ao juízo arbitral, especialmente quando há vontade externada pelas partes no compromisso arbitral e não resta configurada a situação de urgência descrita no art. 381, inciso I, do CPC. O voto vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva nesse julgamento é elucidativo:
"Desse modo, é de se reconhecer que, ao subtrair do juízo arbitral a competência (que lhe é exclusiva) para processar e julgar a ação de produção de provas ora em comento, fundada exclusivamente nos incisos II e III do art. 381 do CPC/2015, a Corte de origem acabou por malferir, como bem demonstrado pela ora recorrente, a inteligência do art. 22-A da lei 9.307/1996 (com a redação dada pela lei 13.129/2015)5."
Isto significa, portanto, que a produção antecipada de provas que não seja urgente (mas que pode, por exemplo, servir para prevenir litígio e/ou instruir acordo) deve ser produzida perante árbitro e/ou tribunal arbitral se as partes tiverem optado, em seu contrato, por submeter os litígios a ele relacionados a procedimento arbitral. Isto cria um potencial problema prático: seria economicamente viável incorrer nos custos de uma arbitragem para produzir provas? Como seria aferido o valor da causa de um procedimento como este (que, eventualmente, não teria pedido de condenação pecuniária)? O(s) árbitro(s) que eventualmente atuar neste procedimento poderá atuar em eventual procedimento subsequente, se as partes não chegarem a um acordo para o litígio definitivo?
Todas estas perguntas nos parecem bastante relevantes e foram endereçadas com ineditismo pelo novo regulamento de produção autônoma de provas da Câmara da CIESP-FIESP.
Além de viabilizar às partes a oportunidade de produção autônoma de provas, o novo regulamento da Câmara CIESP/FIESP, seguindo o entendimento do STJ, estabelece um procedimento específico e célere, que pode ser requerido antes da instauração da arbitragem, desde que não estejam presentes os requisitos para as tutelas cautelares e de urgência do art. 22-A da lei 9.307/96 (lei de arbitragem)6.
Com relação às etapas procedimentais previstas no regulamento, está previsto:
(i). Aplicação: O sistema criado pelo regulamento da CIESP é na modalidade opt out, isto é, caso as partes desejem derrogar a possibilidade do chamado "Árbitro de Prova" elas devem especificamente disciplinar este aspecto em sua cláusula e/ou compromisso arbitral. Ao que tudo indica, o objetivo desta escolha da CIESP é, justamente, o de incentivar as partes a utilizarem os benefícios que este novo regulamento pode produzir.
(ii). Requerimento formal: O pedido deve ser formalizado por meio de um requerimento de produção autônoma de provas direcionado ao presidente da Câmara CIESP/FIESP, contendo informações sobre a qualificação das partes, descrição das circunstâncias que motivaram o pedido, descrição da prova requerida e os fatos sobre os quais a prova recairá, entre outros detalhes relevantes.
A Câmara avaliará inicialmente se o requerimento é admissível, considerando a existência, validade e eficácia da cláusula arbitral. Com base nas informações apresentadas, decidirá pelo prosseguimento do procedimento de produção autônoma de provas ou pela sua extinção.
(iii). Tramitação Eletrônica: O procedimento tramitará eletronicamente, conforme a resolução 13/22 da Câmara7, sendo facultada a prática de atos presenciais, como reuniões e audiências, caso necessários.
(iv). Árbitros: O Presidente da Câmara é responsável por nomear um "Árbitro de Prova". Caso haja previsão de três árbitros na cláusula arbitral (Tribunal Trino), as partes serão convidadas a derrogar o Tribunal Trino pelo árbitro de prova único. Esta é uma característica que nos parece particularmente relevante e importante do novo regulamento, pois o árbitro de prova terá como função precípua assegurar que a produção da prova siga os standards de devido processo legal, mas não caberá a ele a valoração da prova (visto que ele não servirá como árbitro definitivo em eventual procedimento arbitral que venha a ser iniciado pelas partes).
O árbitro de prova decidirá sobre a produção de provas após ouvida a parte contrária (assegurando, portanto, que ambas as partes tenham a oportunidade de apresentar seu caso e considerações e evitando decisões inaudita altera parte), podendo solicitar esclarecimentos e realizar outras diligências que entender necessárias.
O procedimento também deve ser expedito, de tal sorte que a decisão do árbitro de prova deve ser proferida em até 30 dias após a última manifestação ou diligência.
Encerrada a produção probatória, a prova elaborada será homologada por sentença proferida pelo árbitro de prova, encerrando sua jurisdição arbitral relativa.
O novo regulamento de produção autônoma de provas teve também a inteligência de disciplinar a hipótese de a arbitragem definitiva ser instituída durante o procedimento de produção de prova antecipada: neste caso, a jurisdição do árbitro de prova cessará, cabendo ao árbitro único ou Tribunal Arbitral instituído para o julgamento definitivo do caso, a análise quanto ao cabimento da prova e prosseguimento da produção. Não é demais ressaltar que o regulamento é de clareza solar ao estabelecer que o árbitro de prova não poderá atuar em eventual arbitragem definitiva que venha a ser instituída.
(v). Duração do procedimento: O procedimento de produção autônoma de prova terá duração máxima de 06 meses, a contar da investidura do árbitro de prova, podendo ser prorrogado, por igual período, pelo presidente da Câmara, mediante justificativa do árbitro de prova.
(vi). Custo do procedimento: Os custos do procedimento de produção autônoma de prova, embora superiores aos do Poder Judiciário, parecem ter sido estabelecidos para incentivar as partes a utilizarem o procedimento. Os valores não variam em função do valor da disputa principal, sendo definidos em função da taxa de registro (R$5.000,00), da taxa de administração (R$ 50.000,008), do fundo de despesa (R$ 10.000,00 9) e dos honorários do árbitro único (R$ 1.400,00/hora, sendo o mínimo de 20 horas 10). Isto significa que o valor mínimo de um procedimento de produção autônoma de prova, contando com árbitro único, é de R$ 93.000,0011, e para um tribunal trino o valor mínimo será de R$ 149.000,00.12
Para fins de comparação com o custo de uma arbitragem tradicional, fizemos as tabelas abaixo comparando os custos envolvidos em arbitragens de outras instituições, como do CAM-CCBC - Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, da CAMARB - Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial - Brasil e CCI - Câmara de Comércio Internacional em duas hipóteses: valor da causa de (i) R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); e (ii) R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
1) R$ 5 milhões
2) R$ 50 milhões
Verifica-se que em todos estes cenários, o procedimento de produção antecipada de provas da CIESP é menos oneroso do que uma arbitragem completa e possui ainda a vantagem de não ter variação do custo do procedimento em função do valor da causa.
Para que fique claro, não se está arguindo aqui, que este novo regulamento da CIESP cria uma solução definitiva para a crítica usual que se faz ao custo de um procedimento arbitral. O que se espera ter como ponderação é que este procedimento pode, em certas circunstâncias, evitar que as partes venham a ter um litígio muito mais custoso com uma arbitragem definitiva, atingindo exatamente os objetivos almejados pelo procedimento de produção antecipada de provas.
Isto nos parece ser um avanço significativo para a arbitragem brasileira e uma inovação nos regulamentos das instituições brasileiras, fortalecendo o princípio da autonomia da vontade e o microssistema da arbitragem nacional e se alinhando a jurisprudência recente dos tribunais brasileiros. Este novo regulamento vem para preencher importante lacuna relacionada à produção antecipada de provas quando não está preenchido o requisito de urgência (que autoriza o recurso ao Poder Judiciário).
O novo regulamento da CIESP é uma alternativa eficaz, vantajosa e muito bem-vinda para a prática arbitral brasileira.
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1 Disponível em: https://www.camaradearbitragemsp.com.br/pt/atos-normativos/regulamento-de-producao-autonoma-de-provas.html. Acesso em 21/11/2024.
2 STJ, REsp nº 1.191.622/MT, Relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 25/10/2011, DJe de 08/11/2011. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201000750815. Acesso em 22/11/2024.
3 STJ, REsp nº 2.103.428/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/03/2024, DJe de 21/03/2024. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=202301588691. Acesso em 22/11/2024.
4 STJ, REsp nº 2.023.615/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, Julgado em 14/3/2023, publicado no DJe em 20/3/2023.
5 Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que: I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
6 Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.
7 Disponível em: https://www.camaradearbitragemsp.com.br/pt/atos-normativos/resolucao-13-2022.html. Acesso em 21/11/2024.
8 Para o procedimento que dure até 6 meses
9 O valor é uma referência e, certamente, dependerá do tipo de prova que precisará ser produzida.
10 O valor de adiantamento mínimo deve ser de 40horas, ou seja, de R$56.000,00, mas o valor mínimo a ser pago para os árbitros é de 20horas, ou seja, R$ 28.000,00.
11 Valor a ser adiantado é, no entanto, de R$ 121.000,00.
12 Valor a ser adiantado é, no entanto, de R$ 233.000,00.
13 Disponível em: https://iccwbo.org/dispute-resolution/dispute-resolution-services/arbitration/costs-and-payment/costs-calculator/. Acesso em 22/11/2024.
14 Disponível em: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/arbitragem/regramento-de-custas/. Acesso em 21/11/2024.
15 Disponível em: https://camarb.com.br/arbitragem/tabela-de-custas-2019/. Acesso em 21/11/2024.
16 Conforme determinado no Artigo 1º do Apêndice III do Regulamento de Arbitragem da CCI, Cada Requerimento de Arbitragem apresentado nos termos do Regulamento deve ser acompanhado de uma taxa de registro no valor de US$ 5.000. Disponível em: https://iccwbo.org/wp-content/uploads/sites/3/2023/06/icc-2021-arbitration-rules-2014-mediation-rules-portuguese-version.pdf. Acesso em 22/11/2024. Conversão monetária realizada em 22/11/2024.