O contrato de trabalho a título de experiência e a estabilidade gestacional
O artigo aborda uma consulta sobre a estabilidade da gestante em contrato de experiência. A funcionária, grávida antes do término do contrato de 45 dias, questiona-se sobre a legalidade da não prorrogação do contrato pela empresa.
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Atualizado em 22 de novembro de 2024 14:23
I. Introdução
Esta breve análise tem como origem uma consulta feita por um de nossos clientes sobre a incidência da estabilidade da empregada gestante ao contrato de trabalho a título de experiência.
No caso apresentado ao escritório, a empregada foi contratada a título de experiência, com prazo de vigência do contrato fixado em 45 dias, podendo ser prorrogado por igual período.
Passado pouco menos de um mês do início da vigência do contrato de trabalho, a empregada informou a sua gestora que está grávida sem, contudo, apresentar o respectivo exame médico comprobatório de seu estado.
Alegando motivos de restruturação do quadro de colaboradores, a empresa nos informou que antes mesmo da notícia da gravidez pretendia notificar a empregada que não iria prorrogar o contrato de trabalho, uma vez que a trabalhadora não se encaixaria na nova estrutura, e nos questionou sobre as consequências jurídicas de sua decisão.
II. O contrato por prazo determinado
Antes de passarmos à análise do caso à luz da legislação trabalhista, da doutrina e da jurisprudência, é necessário entender alguns conceitos básicos relativos ao contrato de trabalho por prazo determinado.
O contrato de trabalho por prazo determinado é a modalidade de contrato em que as partes, empregador e empregado, estabelecem a data de início e do término do vínculo empregatício, utilizado para regular as relações transitórias, sem a intenção de continuidade do vínculo de emprego.
A consolidação das leis do trabalho, em seus arts. 443 a 445, regula a contratação de empregados por prazo determinado, limitando-a a três situações específicas:
- O serviço a ser executado pelo empregado possui uma natureza transitória, justificando a predeterminação do prazo de vigência; e.g. a instalação de um determinado equipamento, cujo tempo necessário para execução do trabalho é conhecido pelas partes;
- A atividade empresarial tem caráter transitório; por exemplo, a contratação de vendedores de lojas no período das festividades de Natal, a fim de atender o volume adicional de compradores nessa época;
- A contratação do empregado a título de experiência.
O contrato de trabalho a título de experiência é, portanto, uma espécie de contrato, do qual o contrato de trabalho por prazo determinado é o gênero, destinado a avaliar a aptidão do trabalhador para a função que ele exercerá na empresa e possui as seguintes características:
- A duração máxima é de 90 dias, e ele pode ser prorrogado apenas uma vez, desde que respeitado o limite dos 90 dias;
- Se o contrato de experiência não for rescindido ao término do prazo ou prorrogado, ele automaticamente se converte em contrato por prazo indeterminado; e,
- Se a empresa desejar romper o contrato antes do término do período estabelecido, deve indenizar o empregado conforme a proporcionalidade do contrato.
Além dessas características, de acordo com o entendimento atual do STF, o contrato de trabalho a título de experiência não gera estabilidade provisória do trabalhador, exceto em casos específicos, como acidentes de trabalho, como se se verá adiante.
III. O "conflito" entre normas
O direito da empregada gestante à estabilidade provisória está previsto no art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
"Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto."
Contudo, não há lei complementar promulgada para regular a questão e, ainda, o dispositivo do ADCT não trata da estabilidade quanto às diversas modalidades de contrato de trabalho.
Existe uma colisão frontal entre o contrato por prazo determinado, que estabelece uma data para o término da relação de emprego, independentemente de causa, e a estabilidade gestante, que prorroga obrigatoriamente a vigência do contrato, extrapolando o período de vigência desse gênero de contrato, que tem prazo determinado.
Dessa colisão exsurge o questionamento: Qual dos institutos deve prevalecer? Não havendo norma específica para estabelecer as regras sobre a estabilidade gestante frente ao contrato por prazo determinado, cabe à doutrina e à jurisprudência responder essa questão e "fixar as regras" para estabilidade provisória quando prevista a data de término da relação empregatícia.
IV. A estabilidade gestante e o contrato de trabalho a título de experiência
Dada a recorrência do tema, em 14/9/12, o Pleno do TST alterou a redação do inciso III, da Súmula 244, cristalizando à época o seguinte entendimento:
"A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado."
Não obstante a Súmula ser um entendimento jurisprudencial, a maioria dos juízes do trabalho passaram a utilizar essa diretriz para os julgamentos de reclamações trabalhistas envolvendo a rescisão de contrato por prazo determinado e a estabilidade gestante.
Ocorre que o STF, no Tema 497 de 9/3/19 fixou a seguinte tese:
"A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa".
Posto a miúde, o STF restringiu a estabilidade gestacional à hipótese de dispensa sem justa causa. Ou seja, restringiu a tal estabilidade para a rescisão imotivada pelo empregado exclusivamente para relações regidas por um contrato de prazo indeterminado.
Não obstante o efeito vinculante da decisão do STF, o Pleno do TST ainda não alterou a redação da Súmula 244, II. Mas, ao julgar o IAC-5639-31.2013.5.12.0051, em 18/11/19, utilizou a tese vinculante adotada pelo STF, estabelecendo de que "é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela lei 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".
Em outras palavras, o mesmo Tribunal que editou a Súmula 244, III, segue os efeitos vinculantes do Tema 497 do STF a estabilidade provisória da gestante é incompatível com a hipótese de contrato de emprego por prazo determinado e, portanto, com a hipótese de contrato de trabalho a título de experiência.
E, recentemente, o TST tem corroborado de forma reiterada o entendimento do STF como, por exemplo, nos julgamentos dos recursos de revista nos 1001175-75.2016.5.02.0032 e 101854-03.2018.5.01.0471.
O TRT da 9ª Região (Paraná), assim como outros TRTs, segue a mesma tese adotada pelo TST e STF, como por exemplo nos julgamentos dos recursos ordinários nos 0000088-02.2022.5.09.0128, 0001073-79.2021.5.09.0653 e 0000181-19.2022.5.09.0013.
V. Conclusão
Uma vez que o STF, por meio do Tema de Repercussão Geral 497, estabeleceu que não se aplica a estabilidade gestante aos contratos de trabalho por prazo determinado, como é o caso do contrato a título de experiência, a extinção normal (ou antecipada) desse tipo de contrato não dá à empregada gestante o direito à estabilidade temporária prevista no art. 10, II, "b", do ADCT.
Todavia, o Direito não é uma ciência exata - mormente o Direito do Trabalho - e podemos encontrar julgadores que não concordam com a tese do STF e persistem na aplicação do já ultrapassado inciso III, da Súmula 244, do TST.
E, por existir divergência de entendimento desses magistrados, torna-se obrigatório destacar que:
- O posicionamento do STF é vinculante e deve ser seguido por todos os Tribunais, mas algumas decisões trabalhistas ainda podem considerar a Súmula 244, III, do TST, que previa estabilidade para empregadas gestantes em contratos por prazo determinado; assim, em situações específicas, a empresa pode ainda enfrentar a discussão judicial;
- A empresa tem respaldo para encerrar o contrato de experiência, mas, para maior segurança, pode ser prudente documentar adequadamente o término da relação de emprego, destacando em um documento específico o caráter temporário do contrato e o entendimento da jurisprudência atual;
- Eventuais peculiaridades, como alegações de dispensa discriminatória, precisam ser avaliadas, embora, no caso específico, a decisão reafirme a impossibilidade de aplicação da estabilidade em contratos de trabalho a título de experiência.
Qualquer que seja a decisão da empresa, há um fundamento sólido para o encerramento do contrato de trabalho a título de experiência com base na jurisprudência recente e vinculante do STF, assim como nas recentes decisões do TST.
O contrato de trabalho, assim como qualquer outro instrumento de contratação, não pode estar limitado à letra da lei. O advogado contratualista precisa, além de estar atento às melhores estratégias para cada parceiro, conhecer entendimentos que emanam de nossas Cortes.
Ricardo Tahan
Autor e coautor de artigos, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Robortella, especialista e Direito Empresarial pela Damásio Educacional, especialista em Direito Societário pela PUC/SP, reconhecido pela ANÁLISE ADVOCACIA em 2022, membro da Associação Internacional de Direito de Seguro - AIDA, colaborador da Associação Brasileira de Gerência de Risco - ABGR, membro da Business Network International - BNI. Advogado Sênior na área Contratual da Oliveira e Olivi Advogados Associados.