A nova lei dos combustíveis do futuro: No caminho certo, mas em que velocidade?
A lei dos combustíveis do Futuro avança na transição energética, mas desafia setores industriais a equilibrar sustentabilidade e custos econômicos.
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Atualizado em 22 de novembro de 2024 14:25
Sancionada pelo presidente Lula, a lei Federal 14.993/24, conhecida como "Lei de Combustíveis do Futuro", traz evidentes avanços, mas cabe perguntar se não poderia ser mais ambiciosa para realmente colocar o Brasil em posição de liderança na transição energética global.
A nova lei promove os combustíveis sustentáveis (verdes ou renováveis) e incentiva alternativas de baixo carbono para substituir combustíveis fósseis como gasolina, diesel, querosene e metano. Além de reorganizar iniciativas já existentes, como o Renovabio e o Proconve, cria novos programas, como o ProBioQAV (para o combustível sustentável de aviação) e o PNDV (diesel verde), trazendo um fôlego novo ao mercado de combustíveis limpos. Aqui surge a primeira reflexão: por que demoramos tanto para formalizar programas voltados a setores que claramente precisam de uma transformação rápida e eficiente?
O novo Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV) torna obrigatória a redução gradual das emissões de GEE nas operações aéreas domésticas, com percentuais mínimos de uso de SAF a partir de 2027, atingindo 10% em 2037. O uso do SAF já era previsto por acordo da indústria de aviação internacional (CORSIA), mas agora esse uso se torna lei no cenário da aviação doméstica, embora ainda longe do objetivo de zerar as emissões líquidas de carbono do setor até 2050.
Um dos pontos cruciais da lei é a introdução obrigatória de biometano no gás natural. Embora o biometano seja uma alternativa sustentável, a sua inserção gradual (1% em 2026, chegando a 10% em 2034) já provoca reações na indústria, que teme o aumento dos custos de produção e as dificuldades de abastecimento de biometano, ainda que em percentual reduzido.
Aqui, a discussão se aprofunda: até que ponto podemos avançar na transição energética sem causar impactos negativos na competitividade da produção nacional? No caso específico do gás natural, por se tratar de insumo para diferentes cadeias industriais, é preciso bastante equilíbrio entre as duas agendas - sustentabilidade e desenvolvimento econômico - para que a transição energética não se torne regressiva ou excludente.
A nova lei também dedica um capítulo à captura e estocagem de carbono (CCS), uma tecnologia essencial para a redução de emissões em setores que não podem ser facilmente eletrificados. Há previsão de um contrato de permissão específico para a estocagem geológica do carbono, de até 30 anos, com período mínimo de monitoramento de 20 anos após a injeção do gás na formação geológica. Cabe à ANP a competência para regular e fiscalizar as atividades, especialmente o monitoramento da segurança da atividade. Também nesse caso, é de se perguntar como demoramos tanto para regular a prática por lei, considerando que o Brasil (ou, mais precisamente, a Petrobrás) já possui o maior programa de captura de carbono do mundo.
Apesar de trazer avanços significativos, a 'Lei dos Combustíveis do Futuro' não é unânime; setores industriais temem os impactos econômicos da introdução obrigatória de combustíveis sustentáveis. A verdade é que não há como fugir da ponderação do custo dessa transição energética: ao contrário de países menos desiguais, o acesso à energia e o seu preço não podem ser desconsiderados no ritmo da descarbonização da economia.
A nova lei resolve incertezas regulatórias e cria caminhos seguros para o desenvolvimento de um mercado mais consolidado de combustíveis renováveis. Se veio tarde, ou se poderia ousar mais, é menos importante do que constatar e celebrar a efetiva adoção do novo marco legal. O Brasil, com sua matriz energética limpa e sua abundância de biomassa, está em uma posição privilegiada para liderar essa revolução e se posicionar como um dos líderes mundiais em energia limpa.
Tatiana Matiello Cymbalista
Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.