Reflexos da sociedade em conta de participação para clínicas e hospitais
A SCP - Sociedade em Conta de Participação é usada por clínicas para parcerias médicas, mas pode gerar riscos tributários, trabalhistas e patrimoniais.
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Atualizado às 14:12
A SCP - Sociedade em Conta de Participação tem sido amplamente utilizada por clínicas e hospitais devido à sua flexibilidade e ao potencial de redução de encargos fiscais e trabalhistas. Contudo, a aplicação desse modelo no setor da saúde, especialmente com a inclusão de médicos como sócios participantes, gera controvérsias relevantes. Decisões recentes do STJ evidenciam a necessidade de cuidados na estruturação da SCP, que pode ser descaracterizada quando mal utilizada, expondo os envolvidos a riscos tributários, trabalhistas e patrimoniais.
A SCP é uma sociedade sem personalidade jurídica, formada por um sócio ostensivo, responsável pela condução das atividades, e um ou mais sócios participantes, que contribuem com capital ou serviços e recebem parte dos resultados. Essa estrutura não exige registro na junta comercial e é vista como uma alternativa simplificada para organizar relações societárias. No setor médico, clínicas e hospitais costumam atuar como sócios ostensivos, enquanto os médicos assumem o papel de sócios participantes, buscando otimizar a distribuição de resultados e reduzir encargos sobre os pagamentos realizados.
Apesar de suas vantagens aparentes, o modelo apresenta desafios que comprometem sua viabilidade no setor da saúde. O principal problema é a execução direta do objeto social por sócios participantes, algo que contraria a essência da SCP. O art. 991 do CC deixa claro que o exercício do objeto social cabe exclusivamente ao sócio ostensivo. Entretanto, é comum que médicos, na condição de sócios participantes, realizem atendimentos e outras atividades operacionais, o que pode levar à descaracterização da SCP.
O STJ abordou esse tema no julgamento do caso REsp 1.131.090/RJ, envolvendo uma SCP no setor médico. No caso analisado, médicos sócios participantes prestavam serviços diretamente a terceiros, enquanto a clínica, como sócia ostensiva, deveria executar o objeto social. O STJ decidiu que essa prática violava os fundamentos da SCP, enfatizando que "a execução dos serviços médicos deveria ser feita exclusivamente pelo sócio ostensivo". Além disso, o tribunal apontou a desproporcionalidade dos aportes realizados pelos sócios participantes - apenas R$ 40,00 cada - como mais um elemento que reforçava a descaracterização da sociedade.
A descaracterização da SCP gera consequências jurídicas e financeiras relevantes. Uma delas é a requalificação das relações jurídicas entre os envolvidos. Quando os médicos atuam diretamente na execução do objeto social, sem respeitar os limites impostos pela SCP, a relação pode ser interpretada como vínculo empregatício, especialmente se houver subordinação, pessoalidade e habitualidade. Nesse caso, clínicas e hospitais podem ser obrigados a arcar com passivos trabalhistas significativos. Outra possibilidade é a reclassificação dos valores pagos aos médicos como remuneração por serviços prestados, sujeitando-se à tributação integral, incluindo IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte e contribuições previdenciárias. Além disso, o sócio participante que interfere diretamente na gestão ou operação pode ser responsabilizado solidariamente por dívidas da sociedade.
O entendimento do STJ reforça a necessidade de alinhamento entre a teoria e a prática na constituição de SCPs. Para clínicas e hospitais, a mensagem é clara: a SCP não pode ser utilizada como um subterfúgio para disfarçar relações trabalhistas ou de prestação de serviços. Quando mal estruturadas, essas sociedades se tornam alvos fáceis de questionamentos legais, prejudicando tanto os sócios ostensivos quanto os participantes.
Diante desses riscos, é essencial considerar alternativas mais seguras e robustas. Modelos como a sociedade simples ou limitada oferecem maior formalização e clareza, sendo mais adequados para o setor da saúde. Contratos de prestação de serviços também são uma opção viável, desde que redigidos com precisão para garantir conformidade legal. Além disso, é indispensável contar com assessoria jurídica especializada para estruturar ou revisar a relação entre médicos e clínicas, evitando problemas futuros.
Embora a SCP possa ser uma ferramenta útil em determinados contextos, sua aplicação no setor da saúde exige cuidado extremo. A decisão do STJ no caso mencionado serve como um alerta importante para a necessidade de rigor na utilização desse modelo. Garantir segurança jurídica passa por uma análise criteriosa das especificidades de cada relação e pela escolha de estruturas societárias que equilibrem os benefícios esperados com a sustentabilidade jurídica da operação.