As Constituições do Brasil
A trajetória das Constituições brasileiras, analisando suas contribuições para a democracia e direitos fundamentais ao longo da história do Brasil.
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Atualizado às 14:37
Os textos constitucionais emergem ou imergem a partir de contextos históricos que marcam rupturas e a necessidade de nova ordem política, econômica ou social. Ao longo da história brasileira, as Constituições intercalaram momentos de maior ou menor equilíbrio entre o Poder estatal e os Direitos fundamentais dos cidadãos, transitando entre democracia e autoritarismo.
O Brasil vivenciou sete Constituições, desde o período imperial, e, segundo a história oficial, são considerados os textos constitucionais de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.
A Constituição Imperial - 1824
Com a volta de D. João VI para Portugal, em 26/4/21, fica comandando o Brasil, sob a categoria de Reino Unido de Portugal, o seu filho D. Pedro I e ele, atendendo ao requerimento do Conselho de Procuradores das Províncias, convoca uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil, em 03/6/32. A partir disso, houve um sem-número de acontecimentos culminando com a Independência do Brasil.
A Constituição do Império teve vigência de 25/3/24 a 15/11/89, sendo a Carta Magna mais longeva do Brasil. De forma usurpadora, o Imperador chamou para si todo o poder constituinte.
Dentre as características, destacam-se nessa Constituição:
- O estabelecimento de um poder monárquico unitário e hereditário;
- A existência de quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e moderador, este acima de todos os demais e exercido pelo imperador;
- A religião oficial era o catolicismo apostólico romano, com a igreja submissa ao Estado, podendo o Imperador conceder cargos eclesiásticos;
- O texto constitucional definia quem era considerado cidadão;
- As eleições eram censitárias, abertas e indiretas;
- O imperador não respondia por seus atos judicialmente, ou seja, era irresponsável;
- A inclusão, em seu texto, de um rol de direitos e garantias individuais.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1891)
A história ensinou-nos que a monarquia nunca foi bem aceita pelo povo brasileiro. Ela começou a ser idealizada no Brasil pela família portuguesa como alternativa à batalha contra Napoleão Bonaparte. A Corte portuguesa enxergou aqui um porto frente ao bloqueio continental na Europa imposto por Napoleão em 1807. A Inglaterra era forte o suficiente para resistir e o império português fatalmente sucumbiria perante a poderosa máquina de guerra comandada pelo Imperador francês.
Com o fim do período monárquico, é assinado, em 15/11/89, o decreto que institui o Governo Provisório da Nova República e, assim, proclamada a república. A partir de então, o momento exigia a elaboração de uma novo texto constitucional que estabelecesse a nova estrutura do Estado e, um ano após a Proclamação da República, foi instalado o Congresso Constituinte. A primeira Constituição Republicana do Brasil, com seus 91 artigos e outros oito nas disposições transitórias, foi então promulgada na data de 24/2/91, com alterações significativas em relação à Constituição anterior.
Alguns acontecimentos marcantes aconteceram nesse período:
- D. João VI tornou-se rei do Brasil em 1816, após a morte de sua mãe, D. Maria I, conhecida como rainha louca;
- Um ano depois, em 1817, ele sufocou uma revolução republicana em Pernambuco;
- Em 1823, com o país independente da metrópole, o império absoluto de D. Pedro I foi garantido pela força de sua espada e a dissolução da Constituinte;
- O decênio de 1831 a 1840 foi marcado por manifestações contrárias ao poder central e a regência terminou com o golpe da maioridade;
- As antigas províncias transformaram-se em Estados membros ligados por vínculo indissolúvel com a União;
- Houve a previsão de responsabilidade do agente público;
- O funcionamento do STF, como instância máxima do Judiciário, defendendo a higidez do sistema constitucional;
- O principal artífice da Constituição 1891 foi Rui Barbosa, admirador da organização política dos Estados Unidos da América que contemplava, sobretudo, o modelo federativo.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1934)
A partir da revolução de 1930, e com o impulso da Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932, proveio a CF/34. Tratou-se de uma Carta Constitucional avançada, à época, introduzindo novos direitos que impuseram uma prestação estatal, direitos de segunda geração: direitos sociais, econômicos e culturais, trazendo como valor maior o bem comum e, distintivamente das demais, consagrou a nova ordem econômica e as preocupações com as questões sociais. A família ganhou proteção especial.
Sua duração, porém, foi muito curta e quase não foi aplicada. Decaiu através do apoio dos grupos militares a Getúlio Vargas, então presidente da república, com o impedimento do funcionamento do Poder Legislativo e a edição da carta de 10/11/37. Sua análise, contudo, é extremamente importante quando cotejada com toda a trajetória constitucional brasileira, não só por sua relevância histórica e reflexos produzidos na atualidade, já que, "muito bom e muito mau da organização política brasileira, desde então até a lei vigente, tem sua origem nos debates daquela Comissão" (Franco, 1975, p. 75), mas também porque pode proporcionar maior respaldo à cidadania.
Foram acontecimentos marcantes, a partir desse breve texto constitucional:
- Fortalecimento das oligarquias em vários Estados e por alianças entre estes;
- São Paulo e Minas Gerais, detentores de grande poder econômico e maiores produtores de café e leite no país, por um acordo, alternavam-se na ocupação no cargo de presidente da república;
- A política café-com-leite foi cindida quando o então presidente Washington Luís apoiou um candidato também paulista, Júlio Prestes;
- A conquista do voto obrigatório e secreto e do direito de voto às mulheres;
- A criação da Justiça Eleitoral e do Trabalho;
- Nova estruturação do Estado, com as prerrogativas privativas da União frente aos governos estaduais;
- Nova organização da Justiça no país, com o aprimoramento do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos;
- Instituição do Ministério Público, do Tribunal de Contas, do mandado de segurança e a ação popular.
Constituição do Estado Novo (1937)
A CF/37 é a quarta Constituição do Brasil e a terceira da república, sendo outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, em 10/11/37, quando a Câmara dos Deputados e Senado foram dissolvidos e ocorrera um golpe de Estado.
Com o advento da Carta Constitucional, instaurava-se a primeira ditadura do país, o Estado Novo, nome copiado da ditadura fascista de Antônio Salazar, em Portugal. O novo texto guardava semelhança com a Constituição fascista da Polônia de 1935, imposta pelo Marechal Pilsudsky, denominada, por essa razão, de A Constituição Polaca. O Estado Novo não continha elementos típicos do totalitarismo fascista europeu, mas tratava-se de um regime paternalista autoritário sem precedentes históricos no Brasil.
Apesar de avanços nos direitos sociais, educação e trabalho, os direitos e garantias fundamentais suportaram retrocessos significativos, evidenciando o caráter autoritário e centralista desse texto constitucional e providenciando a estruturação legal da primeira ditadura vivificada no Brasil no período de 1937 a 1945.
Na vigência dessa Carta Constitucional, dentre diversas medidas, verificou-se:
- Caráter autoritário e centralista;
- Estruturação legal da primeira ditadura vivenciada no Brasil no período de 1937 a 1945;
- Criação do DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público, com a finalidade de racionalizar as questões burocráticas do Estado e desvencilhar o caráter político da Administração Pública, sendo o servidor público admitido por meio de concursos e provas de habilitação.
- Instituição do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, com o propósito de efetuar o controle e a repressão das informações veiculadas pelos meios de comunicação, censurando-os;
- Estabelecimento da pena de morte;
- Surgimento da "Hora do Brasil", programa radiofônico obrigatório;
- Supressão de liberdades individuais e partidos políticos;
- Perseguição política aos opositores do governo;
- Eleição indireta com mandato fixo de seis anos para presidente da república;
- Concentração de poderes no chefe do Executivo;
- Restrição da atuação e as prerrogativas do Congresso Nacional;
- Cessação da independência dos demais poderes da república.
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1946)
Promulgada através de uma Assembleia Constituinte, em 18/9/46, com relativa participação popular, a quinta Constituição brasileira procurou instituir um Estado democrático, trazendo uma série de medidas que buscavam assegurar os direitos individuais.
Desse modo, e por diversas razões, a Carta Constitucional de 1946 é lembrada como uma das melhores dentro do Constitucionalismo brasileiro, o que explica o fato de sua longevidade.
Além da virtude de romper com o Estado autoritário, que vigia no país desde 1937, a Constituição de 1946 é, tecnicamente, muito correta e, do ponto de vista ideológico, nitidamente liberal sem descuidar-se de uma preocupação social. Mesmo assim, essa Carta conviveu com constantes ataques à democracia e aos direitos fundamentais.
Embora com viés democrático, a Carta Constitucional de 1946, com 218 artigos, traz na sua primeira parte toda a estruturação do Estado e, somente a partir do art. 129, começa a tratar da declaração de direitos, da cidadania e das garantias individuais. O texto constitucional, ainda, impede qualquer reforma constitucional na vigência de estado de sítio e a deliberação de projetos tendentes a abolir a federação ou a república.
Assim, dentre diversos avanços, a Constituição de 18/9/46 trouxe-nos:
- Restabelecimento dos direitos individuais;
- Independência dos poderes da república e a harmonia entre eles;
- Autonomia dos Estados e municípios;
- Pluralidade partidária;
- Direitos trabalhistas, como o direito de greve;
- Instituição de eleição direta para presidente da república, com mandato de cinco anos;
- Liberdade de expressão;
- Direito de propriedade;
- Inviolabilidade das correspondências;
- Extinção da pena de morte.
A Constituição da República Federativa do Brasil (1967) e a emenda 1/69
Em 24/1/67 foi promulgada a sexta Constituição brasileira que entrou em vigor no dia 15/3/67. Pode ser considerada uma carta semi-outorgada, pois, embora tenha sido discutida e votada por uma Assembleia Nacional Constituinte, na realidade, foi criada para atender e legalizar atos e interesses do governo militar vigente à época. Iniciou-se um regime de força, dirigido por governos militares, que passaram a governar através de atos institucionais que restringiam direitos assegurados na CF/46, liberdades públicas e suprimiram direitos e garantias fundamentais. Em 1968 foi editado ato institucional 05, o mais rigoroso de todos.
A emenda de 1969, em que pese ser formalmente uma EC/67, é considerada uma nova Constituição, outorgada, e manteve o aspecto de Constituição semântica de sua antecessora, pois, embora vigente uma CF, novamente vigorou uma legislação de ordem constitucional com o objetivo específico de combate à subversão e à corrupção. Para Neves (2007), tratou-se de uma Constituição simbólica, onde não se seguiu uma normatividade jurídica abrangente e concreta.
Sob a égide do texto constitucional de 1967, o Brasil vivenciou:
- Consolidação do regime militar;
- Autoritarismo e a reversão dos princípios democráticos preconizados na CF/46;
- Concentração de poderes na União, com Poder Executivo Federal fortalecido;
- Supressão de garantias políticas;
- Adoção da eleição indireta para presidente da república, por meio de colégio eleitoral;
- Diversas emendas, por meio de atos institucionais e atos complementares decretados entre 1964 e 1969, sendo o mais conhecido o ato institucional 5;
- Fechamento do Congresso Nacional;
- Supressão de direitos e garantias do cidadão;
- Proibição de reuniões;
- Imposição da censura aos meios de comunicação e expressões artísticas;
- Suspensão do habeas corpus para os chamados crimes políticos;
- Intervenção Federal em Estados e municípios;
- Decretação de estado de sítio.
Constituição Cidadã da República Federativa do Brasil (1988)
Conforme nos brindou a história, o Brasil enfrentou uma experiência político-constitucional conflitante desde sua independência até a promulgação da vigente CF, proclamada em 05/10/88. Em 1985 foi convocada uma Assembleia Nacional Constituinte que legitimou a CF/88 e restaurou o Estado Democrático de Direito, tendo o país sido inserido no rol dos países democráticos, depois de vinte e cinco de regime militar. A carta cidadã buscou, de modo geral, tornar efetiva a instituição de um Estado Democrático e da superação de uma perspectiva autoritária, onisciente e não pluralista de exercício do poder, marcado por intolerâncias e violências.
Os poderes da república foram equilibrados, não havendo mais a sobreposição do exército e a federação foi reorganizada, ampliando-se as competências político-administrativas dos Estados e municípios, conservando-se para a União uma parcela mais substantiva das competências legislativas. Os Direitos Fundamentais foram inseridos no início do texto constitucional, antes da disciplina da organização do Estado e dos poderes, o que resulta num valioso e organizado texto de proteção para o povo brasileiro contra os abusos.
À luz de diversos avanços democráticos, a Constituição Cidadã contemplou:
- Consolidação da transição do regime militar para a Nova República;
- Direitos e garantias fundamentais;
- Estruturação do Estado;
- Direitos individuais e direitos coletivos;
- Direitos sociais;
- Direitos trabalhistas;
- Proteção ao meio ambiente;
- Tutela à família;
- Atenção aos direitos humanos;
- Anteparo à cultura;
- Defesa da educação;
- Cuidado com a saúde;
- Salvaguarda da ciência e da tecnologia;
- Exercício do direto da cidadania por meio de projetos de lei de iniciativa popular;
- Autopreservação constitucional, impedindo a aprovação de emenda constitucional tendente a abolir as chamadas cláusulas pétreas: regime federativo, separação de poderes, direitos e garantias individuais e voto direto, secreto e universal e periódico.
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1 Agência Senado. Constituições Brasileiras. https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras. Acesso em 24/06/2024.
2 Amaral, Roberto. (2004). O Constitucionalismo da Era Vargas. Brasília: Revista de Informação Legislativa.
3 Barroso, Luis Roberto. (2009). O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9ª Edição. Ver. Atual. Rio de Janeiro: Renovar.
4 Constituição (1988, 05 de outubro). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 24/06/2024.
5 Fernandes, Pádua. (2007). Setenta anos após 1937: Francisco Campos, o Estado Novo e pensamento jurídico autoritário. Volume 6. São Paulo: Prisma Jurídico.
6 Gomes, Júlio de Souza; Zamarian, Lívia Pitelli. (2012). As Constituições do Brasil. 1ª Edição. Editora Boreal.
7 Junior, Gabriel Dezem. (2015). Constituição Federal Esquematizada em quadros. 1ª Edição. Aluminus.
8 Lenza, Pedro. (2012). Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Edição. Saraiva.
9 Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. (2012). Curso de Direito Constitucional. 7ª Edição. Saraiva.
10 Neves Marcelo. (2007). Constituição Simbólica. 2ª Edição. São Paulo: WMF Martins Fontes.
11 Supremo Tribunal Federal - STF. (1924). A Constituição Federal interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Biblioteca do Supremo Tribunal Federal.
12 Supremo Tribunal Federal - STF. (2018). Constituição de 1988 trouxe inúmeras inovações para ordem jurídica brasileira.https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=391950. Acesso em 24/06/2024.