Vereador pode ser secretário noutro município?
A vedação só deve ocorrer no âmbito do mesmo município pois, apenas nesta hipótese, corromperia a tripartição dos poderes e a independência do vereador.
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Atualizado às 14:04
Intrigante pergunta foi formulada ao subscritor por um respeitado jornalista: "Um vereador pode assumir cargo de secretário em município distinto daquele pelo qual se elegeu?"
Se a pergunta fosse em relação ao mesmo município em que o vereador foi eleito a resposta seria não, pois o art. 54, II da CF é aplicável aos vereadores. Trata-se de aplicação do princípio da tripartição dos poderes pois qualquer forma de "demissão" (na verdade, exoneração) fragilizaria a autonomia do vereador e romperia o princípio constitucional mencionado. O vereador deve afastar-se da vereança nessa hipótese pois não pode , ao mesmo tempo, exercer os dois cargos públicos.
A pergunta, porém, refere-se ao vereador que tem mandato no município "X" e pretende exercer o cargo de secretário no município "Y".
A jurisprudência não é pacífica nesse tema.
No TJ/SP há jurisprudência sobre tema muito próximo que é a contratação de empresa de vereador por município distinto daquele onde exerce o mandato. Decidiu a corte bandeirante pela possibilidade já que as incompatibilidades e impedimentos são restritas à esfera de seus mandatos. Assim:
"Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA VEREADOR INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS LEI ORGÂNICA MUNICIPAL INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA LIMITAÇÃO A ESFERA DO MANDATO. 1. Celebração de contrato de prestação de serviços entre um Município e uma pessoa jurídica da qual seja sócio um vereador de outro Município. Ilegalidade. Inexistência. 2. As incompatibilidades e impedimentos dos membros do legislativo devem se limitar à esfera de seus respectivos mandatos. 3. A interpretação sistemática da Constituição Federal juntamente com os demais textos normativos leva a conclusão de que as incompatibilidades atribuídas aos parlamentares devem ser compreendidas na esfera de poder de seus mandatos. Pretensão julgada improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido."
(Apelação 9106985-59.2008.8.26.0000, Relator(a): Décio Notarangeli, Comarca de Conchas, 9ª Câmara de Direito Público, data de publicação e julgamento: 20/06/212 - grifos nossos).
Jurisprudência TCE/SP
A E. Corte de Contas Paulista, porém, já se posicionou pela irrelevância de se tratar de outro município, fazendo analogia com o "nepotismo cruzado". Assim, decidiu sobre as contas anuais do Município de Lins do exercício de 2.012 (TC 000098/026/13, conselheira Cristiana de Castro Moraes):
"No voto que encaminhei previamente coloquei decisões do Supremo, no sentido de não ser permissível acumular um cargo de Vereador com cargo em comissão, mesmo que seja em outro município. E fiz uma comparação com o nepotismo cruzado, uma comparação com a súmula nº 13. Seria até uma forma de nepotismo cruzado...." (grifos nossos).
Na mesma decisão mencionada, o conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, porém, mostra que o tema não é pacífico:
"Não, de forma alguma. É que eu vou acompanhar, mas só me permito manter ainda alguma dúvida, porque se discutiu, em algum ponto, acho que no voto de Vossa Excelência, Eminente Revisora, de que o propósito da Norma Constitucional é assegurar a independência do exercício do mandato parlamentar, seja ele qual for. Eu, por mais que me esforce, não vejo onde é que o vereador que exerce cargo em comissão em Sabino estamos falando de Lins, pode atrapalhar a independência?" (grifos nossos).
Jurisprudência STF
No âmbito do STF permanece a divergência de interpretação.
Contrária à possibilidade já decidiu a ministra Carmen Lúcia:
"Como se observa, o texto constitucional não fez nenhuma ressalva à proibição de se ocupar cargo ou função dos quais se possa ser demitido ad nutum, isto é, proibiu qualquer exercício de tais cargos ou funções, independentemente de pertencer ou não ao mesmo Estado pelo qual o Deputado ou o Senador tenha sido eleito. Dessa forma, não prospera o argumento do acórdão recorrido de que a vedação ao exercício de tais munus públicos só vigora no município, onde o vereador se elegeu, pois o texto não faz essa distinção." (RE 810203 / SC - SANTA CATARINA,RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 25/09/14, Publicação: 02/10/14, grifos nossos).
Diferente hermenêutica teve o ministro Dias Tófoli:
"A expressão demissível ad nutum é incorreta; no Direito Administrativo, demissão é desinvestidura do cargo público em razão de punição. O correto é dizer - exonerável ad nutum. Esses impedimentos, em razão das expressões similares, no que couber, no item IX do art. 29, CF/88, aplicam-se apenas no Município em que o vereador se elegeu; nos Municípios vizinhos, não lhes pode alcançar o impedimento indigitado, desde que haja a compatibilidade de horários" (CASTRO, José Nilo, 'Direito Municipal Positivo', Ed. Del Rey, p. 99)" (fls. 164/165). Alega o recorrente violação dos arts.s 29, inciso IX, 30, incisos I e II, e 54, incisos I, alínea "b", e inciso II, alínea "b", da CF/88. Sustenta que a incompatibilidade do vereador ocupar cargo comissionado não se limita às entidades da Administração direta e indireta do município, abrangendo também as entidades"(Recurso Extraordinário 601139, relator: Ministro Dias Tófoli, julgamento: 26/02/2013. Publicação: 05/032013, grifos nossos.
Demais limitações
Ousamos afirmar que a interpretação que deverá permanecer em nosso sistema jurídico, a longo prazo, será pela possibilidade de cumulação quando forem municípios distintos.
Permanecem as regras de compatibilidade de horários (art. 38, III da CF). Também se aplica o tema 377 do C. STF: "Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da CF/88 pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público."(grifos nossos)
O vereador que assumir tal cargo noutro município, porém, deve ter claro que as decisões do STF não foram proferidas em repercussão geral e/ou súmula vinculante o que faz com que estejam vulneráveis a discussões no âmbito judicial.
O fato de haver divergência na jurisprudência, por si só, não afasta a ação de improbidade administrativa já que a previsão nesse sentido do art. 1º,§8º da lei de improbidade com a redação dada pela lei 14.230/21 foi considerada inconstitucional pelo STF (ADI/MC 7236) por ter potencial para gerar insegurança e retrocesso social. A lei de improbidade, porém, exige a presença de dolo. Não se afigura razoável, porém, que uma interpretação corroborada por parte dos ministros do STF possa ser enquadrada como uma conduta dolosa.
Conclusão
Inobstante a divergência jurisprudencial, opinamos pela possibilidade jurídica do exercício de cargo de secretário por vereador eleito em município distinto daquele em que foi eleito. A vedação só deve ocorrer no âmbito do mesmo município pois, apenas nesta hipótese, corromperia a tripartição dos poderes e a independência do vereador.