Reflexos previdenciários da redução da jornada 6x1
O texto analisa os impactos previdenciários da redução da jornada 6x1, abordando efeitos na arrecadação, saúde dos trabalhadores e custos, destacando desafios econômicos e sociais da proposta.
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Atualizado às 11:28
A discussão sobre a PEC - Proposta de Emenda Constitucional da redução da jornada de trabalho no sistema 6x1, ou seja, de uma carga horária semanal de 44 horas para uma carga horária de 36 horas semanais tem ganhado relevância nas discussões do Congresso Nacional e na sociedade brasileira. Contudo, esse debate precisa levar em conta como a mudança impactaria a previdência social, seja pela possível alteração nas contribuições ou pela influência nos gastos previdenciários relacionados a acidentes e doenças ocupacionais. Neste artigo, abordamos os principais argumentos em análise sobre o impacto dessa medida na previdência social.
Desde a reforma previdenciária que alterou a modalidade de aposentadoria por tempo de serviço para aposentadoria por tempo de contribuição (EC 40/98), o que importa é o valor e a regularidade da contribuição, e não a quantidade de horas trabalhadas. Assim, as contribuições previdenciárias não são afetadas pela alteração da quantidade de horas trabalhadas, mas são afetadas pelo valor do salário mensal.
1. Impacto sobre as contribuições previdenciárias
Um dos primeiros pontos em discussão é se a redução da jornada resultaria em uma diminuição salarial. Trata-se de um ponto importante, pois cada direito, garantia ou privilégio para um determinado grupo de pessoas (trabalhadores) imposto por lei precisa ser custeado por outro grupo de pessoas (empregadores) ou por toda a sociedade (governo). Não existe almoço grátis, alguém vai pagar essa conta, seja o trabalhador, seja o empresário ou seja o governo.
Primeira hipótese: Redução de jornada com redução salarial - Impactos para o trabalhador.
Nessa hipótese, a jornada reduzida com queda no salário, o trabalhador que ganhar menos que o salário mínimo teria de complementar a contribuição mensal para garantir o valor mínimo necessário exigido pela previdência social. Para fins de exemplificação, vamos considerar que a redução salarial acompanharia na proporção a redução da carga horária, de 44 horas semanais para 36 horas semanais, ou de 220 horas mensais para 180 horas mensais (- 18,18%).
Imagine que José ganha um salário mínimo de R$ 1.412,00 para cumprir a jornada laboral de 6x1, trabalhando como empregado celetista, na função de balconista das Lojas Tudo de Bom, de segunda à sábado. Sobre o seu salário é descontado 7,5%, ou R$ 105,90, de contribuição previdenciária (art. 28, I, da EC 103/19). José recebe de R$ 1.306,10 de salário líquido.
Se a redução da jornada for aprovada com redução salarial proporcional, ele passaria a ganhar R$ 1.155,29 (R$ 1.412,00 * 18,18%) de salário mensal, sendo descontados os mesmos 7,5%, ou R$ 86,64 de contribuição previdenciária, recebendo R$ 1.068,65 de salário líquido.
Porém, a contribuição previdenciária complementar é necessária porque, desde a Reforma Previdenciária de 2019, o sistema previdenciário brasileiro passou a exigir que a contribuição sobre pelo menos um salário-mínimo para garantir o acesso a benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, entre outros. A contribuição do mês só é computada pelo INSS como carência e tempo de contribuição se for recolhida acima de um salário-mínimo (art. 29, I, da EC 103/19).
Art. 29. Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da CF/88, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá: I - complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido;
José da Silva terá de recolher um percentual que varia entre 7,5% e 20%, dependendo da sua categoria de segurado do INSS (art. 129, I e II, da IN 128/22) sobre a diferença entre o que passou a ganhar e o salário-mínimo, ou seja, sobre R$ 256,71. Como José é segurado empregado, teria de recolher os mesmos 7,5% sobre a diferença, ou R$ 19,25, porém agora sobre o seu salário reduzido. Seria um gasto extra no orçamento. O seu salário líquido passaria a ser de R$ 1.049,40 (R$ 1.155,29 - R$ 86,64 - R$ 19,25). Ou seja, apesar de ganhar menos, teria de manter a mesma contribuição (ou até pagar mais) para manter a qualidade de segurado da previdência.
Jornada salário bruto INSS salário líquido
- 44 horas semanais R$ 1.412,00 R$ 105,90 R$ 1.306,10
- 36 horas semanais R$ 1.155,29 R$ 105,90 R$ 1.049,40
Além disso, é importante ter em mente que muitos trabalhadores em situação idêntica à de José deixariam de recolher a contribuição complementar de R$ 19,25 pois teriam de tirar esse dinheiro de outras despesas como alimentação, moradia, saúde, transporte, vestuário etc. Ao não efetuarem as contribuições complementares, ficariam fora da previdência, sem terem acesso a aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, dentre outros benefícios.
Segunda hipótese: Redução de jornada sem redução salarial - Impactos para o empregador.
Por sua vez, se a jornada for reduzida sem impacto no salário, a mudança teria efeito na arrecadação previdenciária dos empregadores. Isso porque, se a jornada for reduzida para 4x3, ou seja, quatro dias de trabalho por três dias de descanso, a empresa precisaria suprir os dias não trabalhados contratando outro trabalhador. Imagine que Armando é o dono da Loja Tudo de Bom, em que José trabalha como balconista, ganhando um salário-mínimo de R$ 1.412,00. Para manter a empresa aberta nos dias em que José não trabalha, Armando teve de contratar Maria, também pela jornada 4x3, também ganhando salário-mínimo de R$ 1.412,00.
A contribuição previdenciária patronal da Loja Tudo de Bom é 20% sobre a folha de pagamento (art. 22, I, da lei 8.212/91). Com um empregado contratado, recolhia R$ 282,40 (R$ 1.412,00 x 20%), mas com dois empregados, a contribuição passou para R$ 564,80 mensais (R$ 1.412,00 x 2 x 20%).
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
Contudo, a empresa também teria aumento nas outras contribuições sociais que incidem sobre a folha de pagamento, como o seguro de acidente de trabalho, que varia entre 1% e 3% (art. 22, II, da lei 8.212/91) e a contribuição adicional para aposentadoria especial, que varia entre 6% e 12% (art. 57, § 6º, da lei 8.213/91).
Porém, como a empresa visa o lucro, qualquer eventual aumento na tributação sobre a folha de pagamentos mensal seria repassado aos produtos e suportados pelos consumidores finais.
2. Impacto sobre os acidentes e as doenças ocupacionais
Um segundo ponto de análise é o impacto que a redução de jornada poderia ter sobre a saúde dos trabalhadores. Com uma carga horária menor, as expectativas são de que os índices de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais diminuam, visto que o cansaço e o estresse são fatores que contribuem significativamente para a ocorrência desses problemas.
Para as empresas, uma menor incidência de acidentes significa menos custos com afastamentos e estabilidade do empregado após um acidente, além de poder reduzir a alíquota do SAT - Seguro de Acidente do Trabalho, já que essa taxa é baseada na quantidade de acidentes e afastamentos na empresa (art. 202-A, caput e § 2º, do decreto 3.048/99).
Para o INSS, uma redução no número de acidentes e doenças ocupacionais traria economia, pois haveria menos necessidade de pagar benefícios por incapacidade, como o auxílio-doença, auxílio-acidente ou a aposentadoria por invalidez. A redução nas despesas do INSS com o pagamento dos benefícios por incapacidade reduziria os repasses da União para cobrir as despesas com a previdência social (art. 16, § único, da lei 8.212/91).
Além disso, uma população trabalhadora mais saudável significa, no longo prazo, uma menor demanda por benefícios assistenciais e um envelhecimento mais ativo e produtivo. Esse impacto poderia ser significativo em termos de sustentabilidade financeira do INSS.
Nesse sentido, a redução da jornada só seria efetivamente benéfica se os salários permitirem que o trabalhador e sua família vivessem com dignidade, pois, mesmo que a redução da jornada implicasse em uma renda insuficiente, haveria o risco de o trabalhador buscar uma segunda ocupação para complementar seu rendimento, o que contraria o objetivo inicial da redução da carga horária.
Se o José, do nosso exemplo hipotético, perceber um salário-mínimo por 4 dias de trabalho por semana é insuficiente para a sua manutenção e a da sua família, ele não utilizaria os 3 dias restantes para folgar, mas para uma segunda jornada de trabalho, visando complementar a renda familiar. Esse fenômeno é visível em setores como o da saúde, onde muitos profissionais, assumem plantões e duplas jornadas para atingir um rendimento satisfatório.
Como esse tipo de sobrecarga aumenta o desgaste físico e mental do trabalhador, anularia quaisquer benefícios esperados de uma carga horária reduzida. A legislação deveria, então, buscar garantir que a redução de jornada ocorra junto com uma política salarial que permita ao trabalhador uma qualidade de vida adequada.
3. Considerações finais
A redução da jornada de trabalho no regime 6x1 representa uma proposta complexa, que, para ser eficaz, precisa considerar diversos fatores. Uma redução de jornada precisa considerar se haverá a manutenção ou a redução proporcional do salário, indicando quem arcaria com os encargos decorrentes da redução da jornada.
Por sua vez, uma carga horária menor e mais adequada poderia reduzir acidentes e doenças ocupacionais, trazendo economia para as empresas e para o sistema previdenciário. No entanto, é crucial que essa medida seja acompanhada por uma política salarial adequada para que o trabalhador não tenha que recorrer a uma dupla jornada.
Apenas com essas garantias será possível assegurar que a redução da jornada de trabalho no Brasil contribua efetivamente para a qualidade de vida dos trabalhadores sem comprometer a sustentabilidade do sistema previdenciário. Esse debate na sociedade não só traz questões sobre a jornada de trabalho, mas também reflete a importância de um sistema previdenciário justo e equilibrado, que leve em consideração as necessidades dos trabalhadores e a capacidade de financiamento do Estado.