Fim da escala 6X1 e o direito fundamental ao descanso
Redução da jornada é vista como essencial para qualidade de vida. Inspirada em Arendt e De Masi, a proposta visa um trabalho menos exaustivo e mais equilibrado.
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Atualizado às 14:46
Os trabalhadores brasileiros têm uma carga de trabalho de até 44 horas semanais. Isso significa a possibilidade de trabalhar 8 horas por dia de segunda a sexta e 4 horas aos sábados, já que a princípio o dia de descanso é de preferência o domingo, ou seja, de 6X1.
Tendência do capitalismo
Desde da primeira revolução industrial que a carga horária diminuiu paulatinamente e nós já estamos na quarta. Antes homens, mulheres e até crianças trabalhavam em escalas exaustivas de 12 horas ou mais e comprometiam sua saúde física e mental. O pouco tempo dedicado à família e às atividades políticas, técnicas e artísticas também sobrecarregam esse trabalhador.
Hannah Arendt já abordou o tema há mais de 70 anos no livro "A condição humana", de 1958 Para ela, nós deveríamos usar nosso tempo com equilíbrio entre as três esferas: o labor, o trabalho e a ação. Labor para ela é o cuidado de si e da família, é o conjunto de atividades domésticas necessárias à saúde, qualidade de vida e descanso. O trabalho ou atividade fabril é o tempo dedicado à produção de bens e riquezas coletivas. Já a ação, a nossa participação no espaço público.
Exaustão com dias contados?
A vida do trabalhador da lógica capitalista é a dedicação exaustiva e extenuante ao trabalho, colocando em segundo plano o cuidado de si e da família e a participação na vida pública.
No início do século XX, o italiano Domenico de Masi lutou a vida inteira para difundir a ideia do ócio criativo. Nós seres humanos não devemos viver para o trabalho e o auxílio das máquinas podem livrar a sociedade do peso excessivo e brutal dos desgastes das atividades pesadas, rotineiras e repetitivas.
Mesmo, assim, os italianos ainda trabalhavam mais que os vizinhos alemães e outros europeus. Na última entrevista que assisti de De Masi ao ICL, ele falou sobre isso. Porém, a Alemanha tinha uma produtividade maior que a maioria dos países da União Europeia com carga horária bem menor, sendo a mais baixa do mundo.
Não é novidade no Brasil
O debate não é novo. O depurado Wolney Queiroz (Projeto 1091/19) já apresentou há muito tempo um projeto de lei para diminuir os impactos da automação. O Senador Paulo Paim (PL 4035/19) também sugeriu a sua regulação, já que uma das medidas para reduzir o desemprego é a redução da jornada.
O PL - Projeto de Lei 1.105/23 de Weverton (PDT) propõe a redução da jornada.
Antes disso, a PEC 231/95 também se debruçou sobre o tema, mas não teve sucesso. Mesmo na constitunte havia a proposta de redução para 40 horas semanais, mas foi vencida.
É bom comparar
A menor carga horária de trabalho no mundo é a Alemã com média de 25,94. A maior média de horas trabalhadas fica com o México com 43,4 e o Brasil está em quarto lugar entre as maiores médias com 39 horas.
Não acredito que ninguém teria a coragem de dizer que os alemães trabalham pouco ou que são preguiçosos, nem que o México é o país mais rico do mundo por ter a maior carga horária.
A gestão do trabalho deve priorizar por qualidade e não quantidade. O governo deve resguarda a saúde física e mental dos brasileiros trabalhadores.
O fato de reduzir a jornada para 2/5 ou 3/4 não acredito que vá prejudicar os empresários brasileiros, já se provou em.outros lugares que não se afeta a produtividade, como na Inglaterra que iniciou o teste por adesão, as empresas que experimentaram não viram redução de produtividade. No entanto, foram reduzidas as faltas e atrasos.
No mais, ao ter mais tempo livre poderá o trabalhador se dedicar a economia do cuidado, havendo menos gastos com babás, escolas e cuidadores em geral, mais tempo para aprimoramento pessoal, cuidados domésticos e atividade física.
A Proposta de Erika Hilton não é novidade nos corredores do Congresso, mas 'parece' que será aquela mais próxima de ser bem sucedida, já tendo o quantitativo de 191 adesões de deputados federais de várias orientações de direita e de esquerda.
Nova ideologia do trabalho
No mais a ideologia do trabalho mudou radicalmente nos últimos anos. Um dos hits de sucesso de Beyoncé é o Break My Soul, onde parte da melodia fala dos danos existenciais do trabalho: "Eles fazem eu me esforçar tanto, das nove da manhã até depois das cinco da tarde, forçando meus nervos, e é por isso que eu não consigo dormir à noite".
Há vida além do trabalho - VAT., porem devemos ter cuidado para que não exista a redução dos salários.
Os jovens já não se interessam por esse trabalho tradicional, são uma nova juventude ligada às tecnologias informação e comunicação e sem grandes projetos pessoais ligados aos trabalhos tradicionais numa empresa ou ramo de atividade.
A tendência mundial de redução da jornada é decorrência da própria dinâmica da tecnologia e automação. E não temos como ignorar esse fato. O problema não é o trabalho, mas a absurda exploração e péssima qualidade de vida do trabalhador, em especial, os dos países com maior desigualdade social, como é nosso caso. Precisamos trabalhar menos e viver melhor.
Assim, antes da diva americana, Seu Jorge cantou:
"E sem dinheiro, vai dar um jeito, vai pro serviço
É compromisso, vai ter problema se ele faltar
Salário é pouco, não dá pra nada
Desempregado também não dá
E desse jeito a vida segue sem melhorar".
Ao trabalhador brasileiro!