A democracia como direito humano: As ameaças populistas e o futuro das liberdades na América Latina
A ascensão do populismo autoritário na região ameaça a democracia e os direitos humanos, enfraquecendo instituições e limitando liberdades essenciais para uma sociedade justa.
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Atualizado às 08:31
As ameaças à democracia estão se multiplicando em nossa região. No atual cenário regional, vemos uma onda de populismo autoritário que se ergue com força, colocando em xeque os valores democráticos que, ao longo das últimas décadas, foram arduamente construídos. Estes movimentos populistas, muitas vezes embasados em promessas vazias de resolver rapidamente problemas complexos, acabam minando o próprio conceito de democracia ao centralizar o poder e enfraquecer instituições fundamentais para o funcionamento do Estado de Direito. Esse cenário nos leva a refletir sobre a importância de compreender a democracia como um direito humano inalienável, cuja defesa é essencial para preservar uma sociedade justa e plural.
A ascensão do populismo autoritário não se restringe a discursos intimidantes abrasados; ela se manifesta em atos concretos que ameaçam a liberdade de imprensa, a independência do judiciário e a existência de uma sociedade civil diversa e plural. Este movimento representa uma ameaça direta aos direitos humanos, pois restringe a possibilidade de controle social sobre os governantes e gera ambientes de medo e repressão, onde a pluralidade de opiniões e o direito ao dissenso são, gradativamente, eliminados. Para proteger a democracia contra esses ataques, é essencial reconhecermos o papel central que ela exerce na promoção e salvaguarda dos direitos humanos.
A democracia é, por sua própria natureza, um conceito fluido e tenso, sempre exigindo negociações e ajustes. Ela nunca foi, nem será, uma ideia fixa ou estável. Em vez disso, é um campo dinâmico de disputas, onde diferentes visões de sociedade se encontram e onde o equilíbrio entre liberdade e igualdade precisa ser constantemente renegociado. No entanto, apesar dessas tensões, a democracia permanece a única forma de governo que, ao respeitar a diversidade e a pluralidade, oferece o espaço necessário para a efetiva proteção dos direitos humanos. Sem essa base democrática, não há como assegurar que esses direitos sejam respeitados e promovidos.
Essa flexibilidade, no entanto, não enfraquece a democracia. Ao contrário, ela a fortalece, pois permite que diferentes perspectivas e demandas sociais encontrem um lugar legítimo no espaço público. A democracia exige vigilância constante e, muitas vezes, adaptações às novas demandas sociais, mas é essa natureza aberta e plural que a torna a única forma de governo capaz de respeitar a dignidade humana em sua totalidade. Em um mundo onde ameaças de autoritarismo tentam redefinir e até fragilizar o que entendemos por liberdade e justiça, a democracia reafirma sua posição como um bem imprescindível para qualquer sociedade que busque o bem comum.
A relação entre direitos humanos e democracia é estreita e indispensável. Em contextos democráticos, os direitos encontram espaço para florescer, protegidos por instituições que se submetem à vontade popular e que são desenhadas para garantir o respeito à dignidade humana. Os direitos humanos são um fim, e a democracia é o meio que permite alcançar esse fim. A democracia, em sua essência, pode ser vista como o fim desejado, enquanto os direitos humanos funcionam como o meio indispensável para mantê-la íntegra e funcional. Sem a garantia dos direitos humanos, a democracia perde sua profundidade e fica reduzida a um mecanismo formal, facilmente manipulável e vulnerável a práticas autoritárias. Assim, os direitos humanos sustentam a democracia e a democracia os direitos, fortalecendo-se mutuamente contra as ameaças que tentam reduzir sua pluralidade e fragilizar suas instituições.
Em um ambiente democrático, a dignidade e a igualdade são valores protegidos não apenas na teoria, mas na prática, estabelecendo um círculo virtuoso em que democracia e direitos humanos se fortalecem mutuamente. Esse entendimento é essencial para reconhecermos a importância de defender a democracia como condição para uma sociedade justa. Este sistema cria um círculo virtuoso onde democracia e direitos humanos se fortalecem mutuamente. A cidadania ativa protege a democracia de retrocessos autoritários, pois fortalece a vigilância popular e a capacidade de reação contra abusos de poder. Ao mesmo tempo, uma democracia avivada protege os direitos humanos ao fomentar um ambiente em que esses direitos podem ser defendidos e ampliados. Assim, cada conquista democrática reforça a proteção dos direitos humanos, e cada direito humano garantido contribui para a vitalidade e a longevidade da democracia.
A própria noção de democracia, como direito humano, está profundamente enraizada em tratados internacionais e documentos importantes.
A Carta Democrática Interamericana, adotada pela OEA - Organização dos Estados Americanos em 2001, enfatiza essa conexão indissociável. No art. 3º, a carta afirma que "o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito, a realização de eleições periódicas, livres e justas baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo, e o regime plural de partidos e organizações políticas são elementos essenciais da democracia representativa". No art. 7º, a carta reforça que "a democracia é indispensável para o exercício efetivo das liberdades fundamentais e dos direitos humanos universais". Estes compromissos internacionais reforçam que os ataques à democracia representam uma ameaça direta aos direitos humanos. Quando esse sistema é minado por forças autoritárias, todos os direitos que dependem dele se tornam vulneráveis.
Em diferentes partes do mundo, especialmente na América Latina, já se evidenciam os danos que o populismo autoritário causa aos direitos humanos. A censura, a repressão de movimentos sociais e a criminalização de ativistas são estratégias frequentes que têm sido observadas e documentadas por organismos internacionais, como a ONU e a própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
No Brasil, em passado recente, vimos tentativas frequentes de deslegitimar as instituições democráticas, ataques à imprensa e políticas que desrespeitaram os direitos de populações vulneráveis. Estas práticas deixaram uma marca duradoura, e o futuro ainda apresenta riscos caso essas tendências populistas continuem a ganhar espaço.
Hoje, as ameaças populistas à democracia não são exclusivas do Brasil. Diversos países latino-americanos vivem situações semelhantes, nas quais a centralização de poder e o enfraquecimento das instituições ameaçam a liberdade e a igualdade. Em países como El Salvador, onde medidas de controle social e repressão contra opositores são implementadas sob justificativas de combate ao crime, vemos sinais claros de que as liberdades estão em risco. A América Latina, portanto, vive um momento de alerta, no qual a defesa da democracia se faz urgente para evitar retrocessos em direitos fundamentais.
Em tempos de populismo autoritário, proteger a democracia é proteger o futuro da dignidade humana, da liberdade e da justiça. O desafio é grande, mas, como sociedade, temos a responsabilidade de manter a vigilância e de resistir a qualquer movimento que ameace esses valores fundamentais. É apenas com uma democracia sólida e respeitada que podemos garantir um futuro habitável para as próximas gerações.