Black Friday e Natal: Cautelas no uso da inteligência artificial no e-commerce
Inteligência artificial aplicada às ofertas e ao atendimento no mercado de consumo digital.
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Atualizado às 14:10
Com as festividades de final de ano se aproximando, há uma perspectiva de aumento nas vendas do varejo. Esse aumento de vendas não passa despercebido pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor, que tendem a intensificar as medidas de fiscalização das práticas dos fornecedores durante eventos importantes, como a Black Friday e Natal.
Os consumidores brasileiros têm demonstrado uma preferência pelas compras realizadas no e-commerce nos últimos anos. Dados divulgados durante o Fórum E-Commerce Brasil 2024, realizado em julho de 2024, mostram que a taxa de penetração de e-commerce no Brasil é superior à de diversos países europeus, correspondendo a 12,1%.
O e-commerce, assim como outros setores, é transformado pelas inovações tecnológicas. Entre as inovações tecnológicas mais recentes, tem-se o uso das ferramentas de IA - Inteligência Artificial.
A IA é uma solução tecnológica que, por meio do aprendizado reiterado dos algoritmos, auxilia as empresas do mercado de consumo digital a analisar e prever as decisões e influências de compra dos consumidores. Para isso, a IA se vale, por exemplo, dos dados de histórico de compras e preferências individuais dos consumidores, direciona produtos, oferece descontos exclusivos com base em compras anteriores e recomenda produtos complementares para aquele perfil de consumo.
A IA também contribui para o atendimento das demandas recebidas pelos clientes. No atendimento ao cliente, é comum o uso da IA em chatbots e assistentes virtuais, que objetivam apresentar respostas a perguntas frequentes, realizar direcionamento a produtos e processar pedidos. A vantagem dessas ferramentas é a possibilidade de atender um volume massivo de demandas de consumidores de forma simultânea, sobretudo em eventos que geram maior quantidade de acionamento do fornecedor.
O uso da IA com essas finalidades deve respeitar os direitos constitucionais à proteção dos dados pessoais, regulamentado pela LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados, e do direito das relações do consumo, regulamentado pelo CDC.
No direito à proteção dos dados pessoais, porque, para a análise preditiva e adoção de práticas como verificação de histórico de compras e preferências individuais dos consumidores, com direcionamento de produtos, ofertas exclusivas com base em compras anteriores e recomendação de produtos complementares, a IA será treinada e utilizará dados pessoais do consumidor. Os dados pessoais do consumidor igualmente serão tratados pela IA quando houver o atendimento via chatbots e assistentes virtuais.
Conforme determina a LGPD, para que o tratamento dos dados pessoais seja lícito, é necessário que o tratamento seja limitado aos dados necessários a suas finalidades, que devem ser específicas, determinadas e previamente informadas de forma clara e transparente ao usuário (princípios da finalidade, adequação, necessidade e transparência). Por fim, o consumidor deve estar autorizado a se opor ao tratamento, retificar ou excluir seus dados pessoais.
Sob a ótica dos direitos das relações de consumo, o atendimento das demandas de consumidores deve observar os princípios da segurança, privacidade, resolutividade da demanda, cordialidade, eficácia, entre outros. Além disso, a influência das ferramentas de IA na tomada de decisões de compra dos consumidores não pode ser utilizada de forma que limite seu direto à liberdade nas contratações, tampouco pode ser feita de forma que as informações acerca dos produtos ofertados não sejam claras ou ostensivas.
O CDC assegura ao consumidor o direito à liberdade de escolha nas contratações e à informação clara e adequada, assim como a proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais e práticas abusivas no fornecimento de produtos e serviços. É assegurado, ainda, o direito do consumidor a informações claras e ostensivas na oferta de produtos e serviços.
Durante períodos como o de Black Friday e Natal, há uma tendência de aumento no uso de IA nas vendas, sobretudo de e-commerce. O uso da IA para otimizar as estratégias de marketing, precificação e atendimento ao cliente em períodos promocionais pode trazer vantagens competitivas e impulsionar as vendas das empresas. No entanto, esse uso também implica responsabilidades e riscos jurídicos, especialmente considerando que, nesse período, a fiscalização é mais rigorosa pelos órgãos de defesa e proteção do consumidor.
O momento que antecede o aumento de vendas é ideal para as empresas revisarem seus fluxos internos e verificarem se eles estão em conformidade com a legislação vigente. Algumas práticas e cuidados a serem tomados pelas empresas são, por exemplo: garantir que os dados pessoais de seus consumidores apenas sejam tratados de forma lícita e legítima pelas soluções tecnológicas de IA empregadas; informar, de forma clara e ostensiva, os consumidores sobre quais de seus dados estão sendo tratados pela IA no e-commerce, assim como a forma e modo desse tratamento de dados; utilizar as funcionalidades da IA de forma que não limite a liberdade do consumidor na tomada de decisões de compra; garantir que o uso da IA não fruste expectativas dos consumidores, por meio de imagens enganosas ou falsas criadas por IA generativa, e que seja claro ao consumidor que tais imagens foram criadas com IA generativa - do contrário, pode estar caracterizada prática de publicidade enganosa; e não utilizar a IA como ferramenta para a prática de condutas abusivas, como pode ser o caso, em regra, de geopricing (distinção de preços de produtos e serviços de acordo com a localização geográfica dos consumidores) e geoblocking (indisponibilização de produtos ou serviços de acordo com a localização geográfica dos consumidores).
Em relação ao consumidor, durante períodos típicos de promoções, lhe é recomendável confirmar se: a plataforma digital do fornecedor em que navega se trata do site oficial do fornecedor; o site do fornecedor contém política de privacidade e termos de uso sobre o tratamento transparente e lícito de seus dados pessoais; o site em que está navegando é confiável e seguro, ou seja, se ele conta com o protocolo HTTPS na barra de endereços; a política de trocas e devoluções do fornecedor lhe garante o prazo mínimo de 7 dias de arrependimento independentemente de defeito ou vício no produto comprado; e o preço total de sua compra, na página de finalização, corresponde à somatória do valor do produto e do frete calculado anteriormente.
Naturalmente, o uso correto da IA - que está em constante evolução - envolve desafios éticos, jurídicos e sociais, como garantir a transparência, a segurança, a privacidade e a responsabilidade das decisões e ações baseadas em algoritmos. Por isso, é importante que as empresas estejam atentas às normas, regulamentações e boas práticas que orientam a aplicação da IA em seus negócios, bem como às tendências e inovações que podem impactar o seu setor.
A Black Friday e o Natal são oportunidades de promoções e descontos que atraem milhões de consumidores todos os anos, mas também implicam riscos e desafios para os fornecedores e para os próprios clientes. Diante do aumento da demanda, é preciso que os fornecedores respeitem os direitos do consumidor, cumpram as ofertas anunciadas, garantam a qualidade e a segurança dos produtos e serviços, e ofereçam canais eficientes de atendimento e pós-venda. Por outro lado, os consumidores devem estar atentos a boas práticas e diligências mínimas, como pesquisar preços e reputação dos fornecedores, verificar as condições de pagamento e entrega, exigir nota fiscal e comprovante de compra, e conhecer seus direitos em caso de arrependimento, defeito ou vício. Assim, as promoções do varejo de fim de ano podem ser uma experiência positiva e vantajosa para ambas as partes, sem prejuízos ou frustrações.
Ligia Lima Godoy
Advogada - Mattos Filho Bacharelado em Direito - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Pós-graduação em Proteção e Defesa do Consumidor - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Master: Escola de Negócios - Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Thiago Sombra
Advogado - Mattos Filho Bacharelado em Direito - Centro Universitário de Brasília; Mestrado em Direito Privado - Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP); Doutorado em Direito, Tecnologia e Regulação - Universidade de Brasília (UnB); Pós-Doutorando em Anticorrupção - Universidade de São Paulo (USP); Especialzação em Cyberlaw, com enfoque na proteção da privacidade e proteção de dados - London School of Economics, Reino Unido; Pós-graduação em Direito Privado - Università degli Studi di Camerino, Itália; Leadership Executive Program - Singularity University.
Ivo Bedini Wernecke
Advogado - Mattos Filho Bacharelado em Direito - Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduação em Direito das Relações de Consumo - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Maria Carolina Vitorino Lopes
Advogada - Mattos Filho Contencioso e Arbitragem