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IDPJ e CDC: STJ exige para atingir grupo econômico

O artigo explora a necessidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica para atingir empresas do mesmo grupo econômico, com base no julgado do STJ: REsp 1.864.620/SP.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Atualizado às 09:02

O processo civil brasileiro, notadamente após a entrada em vigor do CPC/15, experimentou relevantes avanços no tocante à proteção ao contraditório e à ampla defesa, especialmente nas hipóteses de responsabilização patrimonial. Um tema que ilustra bem essa preocupação é o da desconsideração da personalidade jurídica, cuja instauração formal é imprescindível mesmo quando se trata de atingir o patrimônio de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.

A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a responsabilidade de empresas do mesmo grupo econômico

IDPJ - Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/15, foi introduzido para garantir que o redirecionamento de obrigações para terceiros ocorra com observância aos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Nesse contexto, a discussão sobre a necessidade ou não de instauração desse incidente ganha relevo quando o objetivo é alcançar empresas que integram o mesmo grupo econômico da devedora.

A jurisprudência do STJ tem firmado posição no sentido de que, para alcançar o patrimônio de empresa do mesmo grupo econômico da devedora, o IDPJ deve ser instaurado. O entendimento é que, ainda que a legislação material - como o CDC - preveja a responsabilidade subsidiária de empresas do mesmo grupo em certas situações, tal responsabilização não pode se dar sem a prévia instauração do incidente, que assegura às partes envolvidas o direito de defesa.

Análise do caso julgado pelo STJ

No REsp 1.864.620/SP, a 4° turma do STJ, sob a relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, enfrentou essa questão. O caso foi assim ementado:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. PATRIMÔNIO. TERCEIRO. GRUPO ECONÔMICO. PESSOA JURÍDICA EXECUTADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCIDENTE PROCESSUAL. INSTAURAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Para que uma empresa, pertencente ao mesmo grupo econômico da executada, sofra constrição patrimonial, é necessária prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não sendo suficiente mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não integrou a lide na fase de conhecimento, nos termos dos arts. 28, § 2º, do CDC e 133 a 137 do CPC/2015.

2. Recurso especial provido para julgar procedentes os embargos de terceiro, a fim de decretar a nulidade da penhora sobre o patrimônio da recorrente"

O Tribunal de origem havia entendido que, por se tratar de grupo econômico, bastaria a mera responsabilização subsidiária, conforme o art. 28, § 2º, do CDC, para justificar a constrição patrimonial sem a necessidade do IDPJ. No entanto, o STJ reformou essa decisão, afirmando que, mesmo em hipóteses de responsabilidade subsidiária, é imprescindível a instauração do incidente para proteger o direito ao contraditório e à ampla defesa.

O acórdão enfatizou que o simples fato de integrar grupo econômico não afasta a necessidade de instauração do incidente processual próprio, nos termos dos arts. 133 a 137 do CPC/15. Essa posição reforça o caráter protetivo da nova sistemática processual, que não admite a penhora de bens de terceiros sem o devido procedimento de desconsideração.

Fundamentação jurídica

O IDPJ se justifica como um meio de assegurar que a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo quando fundada em dispositivos materiais específicos como o CDC, seja feita com as garantias processuais adequadas. A própria redação do art. 134 do CPC/15 é clara ao estabelecer que a instauração do incidente é obrigatória sempre que se pretenda alcançar o patrimônio de terceiros.

Como registrado pelo relator no acórdão do STJ:

"Por sua vez, essa previsão de responsabilidade civil subsidiária, inerente ao direito material, não exclui a observância das normas processuais, garantidoras do contraditório e da ampla defesa, incluindo, entre outras, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

[...]

Dessa forma, para que uma empresa, pertencente ao mesmo grupo econômico da executada, sofra constrição patrimonial, é necessária prévia observância dos procedimentos específicos da desconsideração da personalidade jurídica, que pode ser instaurada, inclusive, na fase de cumprimento de sentença ou na execução fundada em título executivo extrajudicial, nos termos do art. 134 do CPC."

A proteção ao contraditório é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Ao exigir o IDPJ, o legislador quis evitar que empresas ou pessoas físicas fossem surpreendidas por constrições patrimoniais sem a devida oportunidade de se manifestar.

Parte da doutrina questiona a obrigatoriedade do IDPJ em casos de grupos econômicos, especialmente quando a responsabilidade subsidiária já está prevista em normas materiais, como o CDC. Argumenta-se que o procedimento formal poderia representar um entrave à efetividade da execução. Contudo, prevalece o entendimento de que as garantias processuais não podem ser relativizadas, sob pena de violação a direitos constitucionais.

Considerações finais

A exigência do IDPJ para atingir o patrimônio de empresas do mesmo grupo econômico no processo civil é uma medida que equilibra os interesses dos credores e as garantias dos devedores. A decisão do STJ no REsp 1.864.620/SP serve como um marco jurisprudencial que reafirma a importância do contraditório e da ampla defesa, mesmo diante da responsabilidade subsidiária.

Portanto, qualquer tentativa de constrição patrimonial sem a prévia instauração do IDPJ deve ser vista com reservas, sob pena de nulidade dos atos processuais, como demonstrado na decisão analisada. A segurança jurídica, afinal, exige o cumprimento rigoroso das normas processuais, ainda que isso represente uma maior complexidade no curso da execução.

Otavio Ribeiro Coelho

VIP Otavio Ribeiro Coelho

Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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