A carta de sesmaria de Itacaré, Camamu e Boipeba (1544)
A escritura pública de 1544, que concede sesmaria em Camamu, destaca a importância de Mem de Sá na colonização do Brasil, com poderes políticos e jurídicos.
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Atualizado em 5 de novembro de 2024 14:25
A escritura pública denominada "contrato e carta de sesmaria e aforamento em fatiota para sempre" publicada com essa resenha foi elaborada em 19/3/44, na cidade de Lisboa e assinada pelo primeiro donatário da Capitania de Ilhéus, Jorge de Figueiredo Correa. O beneficiado foi Mem de Sá, conhecido terceiro governador da Costa do Brasil, e que ao tempo do ato era desembargador do agravo na casa da suplicação. Aparentemente, trata-se da primeira transcrição e publicação integral.
1. O imóvel (objeto). Esse documento deu origem à famosa "sesmaria de Camamu" que engloba doze léguas (79,2) de largo e doze de comprido (79,2 km) nas terras da capitania de Ilhéus, atual Estado da Bahia. O limite pela costa marítima começava ao sul, duas léguas antes do rio de Contas, no município atual de Itacaré, e terminava ao norte na metade da ilha de Boipeba, município de Cairu.
O instrumento não definiu os limites da sesmaria. Em outra escritura posterior, que trata da doação do rio de Santana, com data de 27/6/44, foi inserida cláusula avulsa declarando o limite: "...começará a correr a dita terra de duas léguas da banda do sul do dito rio das Contas para a banda do norte ao longo da costa até se acabar a terra contida no dito contrato...". Ao conceder a primeira sesmaria, imaginava o donatário Jorge de Figueiredo povoar com engenhos e gado as terras mais ao norte da sua capitania.
Alguns pontos merecem destaque.
2. Conteúdo jurídico. As outorgas concedidas na carta alcançam direitos relacionados com os poderes políticos, o que permite a definição como subcapitania. Os poderes outorgados foram os seguintes: a) criação de vilas ou fortalezas; b) nomeação do alcaide; c) nomeação de oficiais (tabeliães, meirinhos).
Houve ampliação do objeto da sesmaria para criação de gado. A lei de sesmaria tinha por finalidade principal o aproveitamento da terra para lavoura. O texto tem a seguinte previsão: "e cada um deles poderão tomar aquela terra que lhes bem parecer e lhes couber por partilha na sua repartição para pastos de gado sem serem obrigados a aproveitarem nem por isso incorrerem nas penas das sesmarias por ele assim o sentir por proveito da terra para se povoar de gados de que do presente carece e ser muito necessário haver gados na dita terra".
Mem de Sá no seu testamento (28/6/69) declarou que "tinha na capitania dos Ilhéus dez ou doze léguas de terra desde o rio de Contas até Tinharé das quais fiz doação ao colégio". Essa declaração aparentemente está explicada no contexto da escritura. Eventualmente, se a área caísse dentro dos limites de dez léguas pertencentes ao donatário, o regime seria de aforamento afastando-se a sesmaria. Esse fato aparentemente não ocorreu.
Em 17/9/45, Francisco de Betancor transferiu sua metade nas doze léguas para Mem de Sá.
Mem de Sá doou ao Colégio da Bahia, pertencente à Companhia de Jesus, através de dois atos jurídicos distintos, a integralidade das terras integrantes da sesmaria das doze léguas. Estes atos foram firmados nos anos de 1563 e 1566 e confirmados pelo rei. Alguns fatos explicam a doação.
3. Sucessão no imóvel. O primeiro ato de doação foi através de escritura datada de 27/1/63 e alcançou todas as condições pelas quais recebeu a outorga de Jorge de Figueiredo Correa. Estas condições alcançaram direitos próprios de capitania, a exemplo de criação de vilas e nomeação de alcaides, e alguma jurisdição para aplicação da Justiça.
Mem de Sá reservou para si uma água para fazer engenho e uma légua e meia em quadra de terra nas ditas dozes léguas, onde quisesse escolher.
O segundo ato jurídico foi a doação da légua e meia que havia reservado para si, o que ocorreu mediante escritura pública datada de 23/7/66.
Estas doações foram confirmadas por ordem do rei Dom Sebastião, em carta datada de Lisboa, 11/11/67.
Pouco tempo depois ocorreu a demarcação parcial da sesmaria de Camamu.
O padre visitador Cristóvão de Gouveia, em carta datada de 25/7/83, escrita, na cidade do Salvador, para os seus superiores, afirma que "alguns colonos se queixam de estarem as terras de Camamu defeituosamente demarcadas, possuindo os Jesuítas terras que lhes não pertencem". O visitador entendeu que essas queixas tinham fundamento, "precisamente por não estarem feitas demarcações rigorosas". E assim, ele completa: "como trouxe licença de El Rei, vai proceder a novas demarcações".
Pouco tempo depois, o padre Cristóvão de Gouveia partiu, na companhia de vários religiosos, inclusive, o padre Fernão Cardim, e visitou Camamu e Ilhéus, o que ocorreu no mês de agosto de 1583.
A demarcação anunciada pelo padre Cristóvão de Gouveia ocorreu neste mesmo ano de 1583, mais precisamente no período de 23/9 a 9/12/83.
A sesmaria de Camamu foi um dos muitos bens sequestrados e confiscados à Companhia de Jesus no Brasil. por ordem régia datada de 19/1/59.
O sequestro da sesmaria de Camamu estava consumado no final do ano de 1759, o que determinou o ingresso do imóvel no patrimônio da fazenda real. A venda foi rápida. Em verdade, ocorreram duas vendas, sendo a primeira anulada.
Em razão da anulação desta primeira arrematação, o bem foi levado à praça pública, e "foi novamente rematada no dia dezessete de março do presente ano (1763) pelo preço de oitenta mil cruzados a Manoel Rodrigues de Oliveira, Gaspar Vieira Duarte e Manoel da Silva Malta, naturais e moradores" na vila de Camamu.
Estas informações constam do ofício da junta da administração da fazenda e fisco real, assinado por Antônio de Azevedo Coutinho, José Carvalho de Andrade e Manuel Estevão de Almeida Vasconcellos Barberino, dirigido ao ministro do Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Esse ato de aquisição está transcrito em certidão pública dos atos e autos de arrematação, posse e a escritura de divisão amigável da sesmaria de Camamu.
Nos anos seguintes, muitos parcelamentos ocorreram, o que terminou por modelar a estrutura fundiária da região.
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Luiz Walter Coelho Filho
Sócio-fundador do escritório Menezes, Magalhães, Coelho e Zarif Sociedade de Advogados. Graduado em Direito pela UFBA, ano de 1985. Exerce a advocacia nas áreas de Direito Administrativo e Imobiliário