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A expansão da litigância predatória: O que diz o Judiciário brasileiro?

A litigância predatória, em foco no STJ, sobrecarrega o Judiciário e impõe custos às empresas. CNJ e tribunais reforçam medidas para combater esse abuso processual.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Atualizado em 12 de novembro de 2024 10:21

Em outubro de 2023, o STJ, por oportunidade do julgamento de recursos repetitivos sob o Tema 1.198, realizou audiência pública para discutir a viabilidade da adoção de medidas de combate e prevenção à litigância predatória pelo Judiciário. A questão submetida a julgamento diz respeito à possibilidade de o juiz exigir que a parte autora de uma ação judicial emende a petição inicial para apresentar novos documentos que corroborem minimamente as pretensões deduzidas em juízo, quando vislumbrada a ocorrência de litigância predatória, isto é, a utilização abusiva do direito de ação, por meio do ajuizamento de ações em massa, nas quais o litígio é utilizado de maneira estratégica para obter vantagens indevidas.

Muito embora a preocupação com o crescimento desse fenômeno aparente ser um consenso entre os operadores do Direito, a referida audiência demonstrou que o debate acerca da melhor forma de combatê-lo está longe de ser encerrado. Durante a discussão do tema, o representante da OAB-SP alegou que "não podemos permitir que toda uma categoria seja prejudicada por uma pequena parcela de maus profissionais", enquanto a representante da Apamagis - Associação Paulista de Magistrados, ressaltou que a litigância predatória "drena recursos do Poder Judiciário que poderiam ser utilizados efetivamente para melhor distribuição da justiça". No STJ, o tema ainda está pendente de julgamento pela Corte Especial. 

Os problemas causados pelo uso abusivo do Poder Judiciário são frequentemente veiculados pela mídia nacional e objeto de ações em todos os Tribunais brasileiros. No Estado de São Paulo, - estima-se que as demandas predatórias custem mais de R$ 1 bilhão ao orçamento do Judiciário, conforme dados disponibilizados pelo Numopede - Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas. Some-se a isso o fato de a prática não atingir apenas os cofres públicos, mas também o setor privado, especialmente instituições financeiras, que são bombardeadas por ações judiciais postuladas de modo indevido e desenfreado. 

Em razão disso, os juízes brasileiros têm exaustivamente identificado causas com indícios de advocacia predatória e reportado às CGJ - Corregedorias Gerais de Justiça. Tanto é assim que o CNJ, em 2023, criou a diretriz estratégica 7, direcionada às Corregedorias do Estados, visando a criação de sistemas de monitoramento e fiscalização de feitos judiciais que apresentem suspeitas de litigância predatória.  

Na mesma esteira, o CNJ criou um grupo operacional do CIPJ - Centro de Inteligência do Poder Judiciário para enfrentar a sobrecarga de ações do Judiciário. As notas técnicas produzidas pelos Centros de Inteligência de diferentes Estados apontam que os reportes recebidos pelos Tribunais apresentam características como o uso de um mesmo comprovante de residência para diferentes ações e a ausência de documentos comprobatórios que subsidiem as alegações e pedidos das partes autoras.

No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, em junho de 2024, a CGJ promoveu o curso "Poderes do juiz em face da litigância predatória", no qual os magistrados participantes aprovaram 18 enunciados interpretativos voltados ao enfrentamento de demandas abusivas e repetitivas. Dentre esses, destaca-se a imposição ao juiz de condenação do autor às penas de litigância de má-fé (arts. 80 e 81 do CPC) em caso de identificação de uso abusivo do judiciário, bem como aos seus advogados nos casos em que "a procuração e o desejo de litigar não forem ratificados pela parte autora, notadamente em cenário de litigância predatória" (Enunciado 16).

Também foi discutido que o abuso pode ocorrer por meio da fabricação de lides, com a propositura de ações sem a autorização da parte autora e uso de documentos falsos, além de outros mecanismos ilícitos, como violação de dados pessoais. Nestes casos, o CIPJ deverá comunicar ao Ministério Público competente, a fim de que sejam apurados os eventuais crimes cometidos pelos advogados.

A título de exemplo, o CIJE da Bahia recentemente encaminhou ao GAECO - Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais as demandas repetitivas, predatórias e fraudulentas identificadas pelo Judiciário Bahiano, culminando na deflagração da "Operação Data Venia", instaurada para a investigação dos crimes de falsificação e uso de documentos falsos (arts. 297 e 298 do CP) e apropriação indébita (art. 168 do CP). A operação levou ao cumprimento de seis mandados de busca e apreensão em face de advogados e seus escritórios.

Com o intuito de combater a prática desses crimes, o CIJEBA passou a divulgar a análise das demandas predatórias detectadas por meio de notas técnicas, específicas sobre a distribuição de ações em massa contra determinadas pessoas jurídicas, como é o caso do Banco BMG S.A. A nota técnica 009/23 apontou que ao menos 34.447 ações foram propostas contra o referido banco entre 2020 e 2022, em razão de contratos de cartão de crédito.

De acordo o CIJEBA, estas ações apresentaram "narrativa genérica de ausência de contratação; desconhecimento do cartão de crédito ou das cobranças imputadas, desacompanhadas de provas do quanto alegado; documentos desatualizados, ilegíveis; comprovantes de residência em nome de terceiro sem comprovação de vínculo; distribuição irregular dos processos; fracionamento de ações; hipóteses de litispendência e conexão, inclusive entre estados diversos da federação; desconhecimento do ajuizamento de ações pela parte autora"

Como se vê, além de sobrecarregar o sistema judiciário, desviando recursos que poderiam ser destinados a casos legítimos e comprometendo o princípio da eficiência processual, a litigância predatória resulta em prejuízos financeiros e operacionais expressivos a particulares, motivo pelo qual o seu enfrentamento não pode ser relegado a uma única esfera de atuação. Trata-se de um problema que exige uma atuação coordenada entre o CNJ, as Corregedorias e os Ministérios Públicos, para que se assegure a integridade do sistema judiciário e a proteção dos direitos de todos os envolvidos.

Isadora Fingermann

Isadora Fingermann

Fashion Law, Gaming & E-sports, Gerenciamento de Crise, Indústria Farmacêutica, Penal Empresarial, Vendas para o Governo Sócia - TozziniFreire Advogados

Maria Júlia Novaes Del Picchia

Maria Júlia Novaes Del Picchia

Advogada da área de Penal Empresarial do escritório Tozzini Freire Advogados, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Andre Corsino dos Santos Junior

Andre Corsino dos Santos Junior

Advogado sênior do Banco BMG, formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pós-graduado em Processo Civil.

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