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PEC contra reeleição e a tentação autoritária

Avalia a PEC de vedação reeleição e discute a tentação autoritária nacional. As PECs não tratam do limite máximo dos mandatos, inclusive para o Legislativo.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Atualizado às 15:05

Introdução

Em recente encontro no exterior o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco deixou claro que ao retornar ao Brasil, e agora que encerradas as eleições, será retomada a discussão do fim da reeleição. Vale lembrar que no ano de 2022 o Senador Jorge Kajuru protocolou a proposta de EC 12/22 (PEC 12),1 sendo ela a que se encontra à espera de tramitação. A proposta parece tentadora e moralizadora. Como tudo que é aparentemente moralizador - e pode não passar de moralismo de baixa escala - e tudo que é tentador, temos uma arapuca embalada em papel dourado. A proposta pretende alterar a CF/88 para determinar:

  1. A inelegibilidade para o mesmo cargo dos chefes do Poder Executivo no período subsequente;
  2. E definir o mandato do presidente da república, governadores e prefeitos em cinco anos.

Já vimos essas propostas de emenda constitucional (Pecs) antes. Especialmente as de afogadilho. As tentativas de edição de PECS a respeito do sistema de reeleição não são recentes, e não são sequer novidades. Ainda em 2005 já havia pelo menos cinco propostas de emenda constitucional tratando do tema.2 Eram elas as PECs 19/15, do senador Telmário Mota (PDT-RR); 30/25, de Romero Jucá (PMDB-RR); 37/15, de Donizeti Nogueira (PT-TO); 47/15, de Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE); e 49/15, do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Ao momento da redação deste texto há pelo menos vinte e cinco propostas de emenda constitucional que tangenciem o tema da reeleição. Apenas a PEC 376/09, que visa unificar as datas de eleição de todos os mandatos eletivos e acaba com a reeleição no Executivo, tem mais dez outras PECs apensadas.3

Nada obstante a profusão de matérias em tramitação faremos uma análise a respeito da noção de "reeleição", e o conteúdo específico da Pec 12/22 (PEC 12).

1. A PEC 12: Equívocos e incompletudes

A PEC 12 desconsidera algumas realidades que são bem óbvias. Primeiro que o exercício do cargo de presidente da república não se equipara ao de governador, e estes dois cargos não se equiparam ao de prefeito, em termos de impacto de longo prazo. Para sermos mais objetivos: um prefeito não indica desembargadores do Tribunal Estadual (como no Quinto Constitucional, por exemplo) nem influencia na nomeação de membros do Tribunal de Contas. Já o governador faz tais nomeações. Por seu turno um governador, ainda que faça as nomeações anteriormente citadas, elas não se equiparam ao poder de nomear um ministro do Supremo Tribunal, ou do STJ, TST e TCU, além das dezenas de desembargadores dos Tribunais Regionais Federais Brasil afora, atribuições do presidente da república.

O nível de impacto na perpetuação de poder pessoal de um ocupante de cada cargo é que deve ditar, inicialmente, se aquele cargo deve ou não ter eventuais reconduções ou reeleições limitadas. Bem como o nível de limitação a ser aplicado. Não existe uma necessidade de impor uma mesma regra de rotatividade para todos os chefes do poder executivo. Essa identidade de regras o nível nacional ou para os entes subnacionais deve ser repensada.

A PEC, ainda, intencionalmente esquece marotamente duas formas de combater os males da reeleição que são mais tenebrosos que a "reeleição imediatamente sequencial". Deixou-se de fora o próprio limite de número de reeleições para o mesmo cargo Executivo, e, mais estranho ainda, é a não previsão de limitação às reeleições no Poder Legislativo.

1.1. Imposição de "rotatividade" x "limitação de número de mandatos"

O debate brasileiro sobre o limite de reeleição é traçado por interesse dos próprios limitadores. Por isso o debate sempre esqueceu - maliciosamente - de diferenciar dois tipos distintos de limitação de poder:

  1. Imposição de rotatividade: Quando uma pessoa é proibida de ser reeleita para o mesmo cargo - ou mesmo para qualquer outro cargo - na eleição imediatamente seguinte. Por exemplo, o presidente da república, os governadores de Estado ou os prefeitos municipais, no Brasil, na redação original da nossa CF/88, eram proibidos de serem reeleitos para o mesmo cargo na eleição seguinte;
  2. Imposição de limite de quantidade máxima de mandatos: Quando uma pessoa é proibida de ser eleita, de forma consecutiva ou não, particularmente para o mesmo cargo, quando atingir um determinado número de mandatos já cumpridos. A Constituição dos Estados Unidos proíbe desde 1947 (22ª Emenda) a qualquer pessoa, de forma seguida ou alternada, exercer a presidência da república por mais de dois mandatos. Portanto, permite-se a reeleição, mas, veda-se o terceiro mandato, ainda que não seguido.

Vamos então esquematizar a distinção das duas situações acima referidas:

Imposição de rotatividade Imposição de limite de mandatos
Vedar a reeleição para o mesmo cargo (mas pode ser até para qualquer cargo) na eleição imediatamente posterior; Limitar o número de mandatos para determinado cargo, consecutivamente ou não. (p.ex. a limitação de dois mandatos para Presidente nos EUA)

Ficaremos no caso de reeleição ou limite de mandatos para o mesmo cargo. Veremos, ainda que de forma muito rápida, a possibilidade de uma regra de limitação de reeleição (rotatividade) ou de limitação de número de mandatos não apenas para o Poder Executivo, mas, também para o Legislativo.

1.2. O risco da perpetuação de poder

Da justificativa da PEC 12 vemos que sua preocupação não é a limitação ao exercício de poder. A preocupação é quanto aos candidatos.4

Os sistemas constitucionais têm se preocupado com a perpetuação de poder em uma única pessoa, no cargo de presidente da república, diante da afetação direta do principal elemento da república que é a alternância do poder. A noção de alternância não pode ser vista apenas de um mandato para o outro. Estudos Constitucionais5 apontam a razão para a limitação da quantidade de mandatos particularmente para presidentes da república. Uma justificativa importante para a inclusão de limites de mandato, provavelmente na mente dos constituintes dos anos 1990, quando a democratização genuína parecia ao alcance, é que eles (limites contra vários mandatos) podem salvaguardar o sistema constitucional democrático. Quando uma constituição permite que um presidente permaneça no poder por muito tempo, ele será capaz de acumular poder e prestígio de forma a minar a ordem constitucional.

Líderes que permanecem no poder por muito tempo passarão a ter influência indevida sobre outros componentes fiscalizadores do governo. Um presidente de longo prazo, por exemplo, terá a oportunidade de nomear subordinados leais para os chefes dos principais órgãos e tribunais.

Tomado o exemplo da Constituição Americana, o limite de ocupação da presidência da república é por dois mandatos. Com ou sem reeleição sucessiva. Trata-se da 22a Emenda: "Nenhuma pessoa será eleita para o cargo de presidente mais de duas vezes, e nenhuma pessoa que ocupou o cargo de presidente, ou atuou como presidente, por mais de dois anos de um mandato para o qual outra pessoa foi eleita presidente será eleita ao cargo de presidente mais de uma vez. [...]" A regra se aplica desde 1947 quando, ao final da II Guerra, os americanos se depararam com as 4 vitórias do presidente Roosevelt. Voltaram os olhos para a experiência de George Washington: após o segundo mandato como presidente, voluntariamente saiu da vida pública dizendo que o amor ao poder atrai a tentação ao abuso.

Um presidente que possa ficar mais de 08 anos no mandato poderá impactar nomeações de autoridades vitalícias e estender sua influência ad eternum. Como ministros dos Tribunais Superiores, Judiciário Federal de 2° grau, Tribunais de Contas e assim sucessivamente. Isso não é salutar para o princípio da alternância de poderes, que não se satisfaz apenas com a vedação a reeleições consecutivas. Imagine, por exemplo, se ocupar a presidência 12 anos ou 16 anos ainda que dependendo de reeleições não consecutivas?

No mesmo sentido o Report On Term-Limits (Part I - Presidents), editado pela European Commission for Democracy Through Law (Venice Commission) já advertiu que os os limites de mandato podem promover a responsabilização (accountability) da autoridade públicas eleitas, ajudando a prevenir concentrações inadequadas de poder.6

A mesma European Commission for Democracy Through Law (Venice Commission), na Parte II do Report On Term-Limits7 observou que - mesmo em menor escala que as limitações para mandatos do Poder Executivo, os limites de eleição ou reeleição para o Poder Legislativo não são desconhecidos no Direito Comparado. Limitações de mandatos parlamentares ou existem ou já existiram, como os exemplos que o Relatório da Comissão de Veneza traz: (a) Bolívia (dois mandatos consecutivos); (b) Costa Rica (sem mandato consecutivo); (c) Equador (dois mandatos consecutivos); (d) Venezuela (dois mandatos consecutivos); (e) em 2014, o parlamento do México ementou a constitucionais excluindo o limite de reeleição legislativa para deputados Federais e senadores. O que indica que até então, naquele país, havia limitação legislativa; (f) No Peru em 2018, uma emenda constitucional recriou o bicameralismo e outra, em seguida, estabeleceu a vedação de reeleição legislativa para mandatos consecutivos. Submetidas a um referendo popular a primeira emenda foi rejeitada e a segunda foi aprovada; (g) Nas Filipinas existe o limite de dois mandatos consecutivos para membros do parlamento; (h) No nível subnacional há limitação de mandatos na Coreia do Sul e nas Filipinas; (i) Nos Estados Unidos a limitação de mandatos existe no nível estadual, com aproximadamente 15 estado vedando a reeleição legislativa (de alguma forma) para o Legislativo estadual.

Um relatório publicado pela Federalist Society8 revela que de acordo com pesquisas cerca de 75% dos eleitores apoiam limites de mandato no Congresso. A mesma publicação traz informação relevante: a vedação à reeleição parlamentar também balancearia a disputa entre os candidatos. Os titulares que buscam a reeleição no parlamento americano têm na Câmara Federal recondução de 91% em 2018 e 97% em 2016; para o Senado, 84% em 2018 e 93% em 2016. O texto da Fed.Soc. traz algumas oposições ao limite de mandatos para parlamentares. Mas não traz nenhum comentário, por exemplo, à vedação de reeleição consecutiva a partir de um determinado número de reeleições: p.ex. vedar um terceiro mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, ou a reeleição consecutiva para o Senado.

No Brasil a Câmara dos Deputados já viu deputados com mais de 10 mandatos. Foram quase 50 anos de mantado. O Senado já teve senadores com 5 mandatos, representando 40 anos de permanência da Câmara Alta.

Assim, o tema da reeleição e do número máximo de mandatos deveria estar focado e trabalhado cargo por cargo, de acordo com o poder que cada um destes cargos acumulam.

1.3. O risco da perpetuação de poder no legislativo

A PEC 12 não trata do tema espinhoso tema da limitação de número de mandatos para o mesmo cargo no legislativo, ou a vedação de reeleição simultânea para o mesmo cargo. Vejamos como exemplo a proposta do senador americano Ted Cruz:9

''Seção 1. Nenhuma pessoa que tenha servido 3 mandatos como representante (deputado Federal) será elegível para eleição para a Câmara dos representantes (deputados). Para os fins desta seção, a eleição de uma pessoa para preencher uma vaga na Câmara dos representantes (deputados) será incluída como 1 mandato na determinação do número de mandatos que tal pessoa serviu como representante se a pessoa preencher a vaga por mais de 1 ano.

''Seção 2. Nenhuma pessoa que tenha cumprido 2 mandatos como senador será elegível para eleição ou nomeação para o Senado. Para os fins desta seção, a eleição ou nomeação de uma pessoa para preencher uma vaga no Senado será incluída como 1 mandato na determinação do número de mandatos que tal pessoa serviu como senador se a pessoa preencher a vaga por mais de 3 anos.

''Seção 3. Nenhum mandato iniciado antes da data da ratificação deste artigo será levado em consideração na determinação da elegibilidade para eleição ou nomeação nos termos deste artigo.''

2. Conclusão

Postas as razões acima, mais apropriado que toda a engenharia proposta na PEC 12 seria algo muito mais simples, a saber:

  1. Limitar não só a reeleição imediatamente subsequente, mas, limitar o número de mandatos para o presidente da república. Assim como nos Estados Unidos ninguém deveria ser presidente mais de duas vezes, consecutivamente ou não.
  2. A limitação acima não necessariamente deveria afetar governadores, e com menor razão ainda deveria afetar prefeitos. Para os governadores e prefeitos, por exemplo, poder-se-ia apenas vedar a reeleição para mandato imediatamente subsequente, sem necessariamente limitar o número de reeleições possíveis.

Por derradeiro, caso o interesse seja efetivamente a rotatividade o controle da retenção de poder, deveria a PEC ter pensado nas limitações de mandatos no Poder Legislativo, limitando a reeleição para vagas parlamentares, e o número máximo de mandatos para o mesmo cargo. Sempre, proporcionalmente ao cargo em disputa. A limitação para o Senado não precisa ser a mesma para a Câmara dos Deputados, ou para as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores. Por exemplo, máximo de três mandatos, consecutivos ou não, para vereador, deputados Federal e Estadual, e máximo de dois mandatos, consecutivos ou não para o cargo de senador.

___________

1 Acessível em: https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/109853?sequencia=341

2 VASCO, Paulo Sérgio. Fim da reeleição é tema de cinco propostas de emenda à Constituição. Senado Notícias. 17/04/2005. Brasília. Acessível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/04/17/fim-da-reeleicao-e-tema-de-cinco-propostas-de-emenda-a-constituicao

3 CASTRO, Augusto. Mandatos no STF e fim da reeleição no Executivo serão votados em 2024. Senado Notícias. 01/12/2023. Brasília. Acessível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/01/mandatos-no-stf-e-fim-da-reeleicao-no-executivo-serao-votados-em-2024

4 https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/109853?sequencia=342."

5 Versteeg, Mila and Horley, Timothy and Meng, Anne and Guim, Mauricio and Guirguis, Marilyn, The Law and Politics of Presidential Term Limit Evasion (March 25, 2019). Columbia Law Review, 2020, Virginia Public Law and Legal Theory Research Paper No. 2019-14, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3359960

6 "[...] term limits can promote accountability of elected officials by helping to prevent inappropriate concentrations of power." Veja: https://www.venice.coe.int/webforms/documents/default.aspx?pdffile=CDL-AD(2018)010-e

7 https://www.venice.coe.int/webforms/documents/default.aspx?pdffile=CDL-AD(2019)007-e

8 https://fedsoc.org/commentary/fedsoc-blog/do-term-limits-make-a-difference

9 https://www.congress.gov/118/bills/sjres2/BILLS-118sjres2is.pdf. [tradução livre nossa]

Luiz Henrique Antunes Alochio

VIP Luiz Henrique Antunes Alochio

Doutor em Direito (Uerj). Mestre em Direito Tributário (UCAM). Visiting Scholar - Florida State University (2022/23). Advogado (ES). Conselheiro Federal OAB (2019/2022). Redes sociais: @luiz_alochio

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