TCU aprova solução consensual que devolverá R$ 1,55 bilhão ao BNDES
O TCU aprovou um acordo para devolver R$1,55 bi do BNDES à FAPES, encerrando litígios e favorecendo a sustentabilidade do plano de previdência dos funcionários.
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
Atualizado em 30 de outubro de 2024 14:17
No último mês, o TCU - Tribunal de Contas da União aprovou acordo de solução consensual que firmou a devolução de valores desembolsados pelo BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social à FAPES - Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES, fundo de previdência complementar dos empregados do Banco, pondo fim a uma série de litígios travados entre eles.
A CSC - Comissão de Solução Consensual foi formada pela SecexConsenso - Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos do TCU, pela Audbancos - Auditoria Especializada em Bancos Públicos e Reguladores Financeiros e por representantes do BNDES e da FAPES.
De acordo com o Tribunal, os recursos discutidos no âmbito da CSC foram repassados pelo BNDES à FAPES por meio de contratos de confissão de dívida1, assinados nos anos de 2002 e 2004, e, também, mediante aportes realizados em 2002, 2009 e 2010. Estes últimos aportes seriam irregulares por ausência de paridade contributiva do BNDES em favor do PBB - Plano Básico de Benefícios da FAPES, o que foi analisado no bojo do acórdão 2.766/15-TCU- plenário2. Dessa forma, o Tribunal ordenou, à época, que o banco suspendesse os pagamentos e apresentasse medidas para obtenção do ressarcimento do montante já quitado.
Entretanto, discordando da decisão, a FAPES ingressou com ações judiciais solicitando a retomada dos pagamentos suspensos pelo banco. Os valores somariam, aproximadamente, R$ 10 bilhões, considerando a atualização pelo IPCA3.
Os litígios judiciais e administrativos resultaram em contingências e incertezas que ameaçavam a sustentabilidade e dificultavam o planejamento financeiro do plano de previdência administrado pela FAPES a longo prazo. Para os beneficiários da previdência, existia o risco de transferência patrimonial entre as gerações em desfavor das mais novas, uma vez que, com a continuidade dos litígios, lhes seria atribuído grande parte do ônus resultante das irregularidades indicadas pelo TCU, ainda que fossem exigidas novas contribuições para mitigar o déficit.
Ao aprovar a solução consensual, o Plenário do Tribunal de Contas encerrou todas as ações judiciais e processos administrativos que envolviam o BNDES e a FAPES em discussões em torno dos valores aportados. Segundo o Tribunal, a comissão buscou um acordo que atendesse a três principais pilares estabelecidos pelo acórdão 1703/23-TCU4 - que originou a solução consensual - quais sejam: a obtenção da devolução dos recursos no maior montante possível, a possibilidade de contribuição adicional dos beneficiários e assistidos em limites suportáveis e a sustentabilidade financeira do plano de benefícios.
Como consequência do ressarcimento dos recursos avaliados nos processos TC 029.058/14-7 e TC 011.488/20-4, que julgaram e monitoraram a inconstitucionalidade e ilegalidade dos aportes, será devolvido R$ 1,55 bilhão ao BNDES5. O valor irá ampliar a capacidade do BNDES de pagar dividendos para o Tesouro Nacional e de executar a política de investimentos do governo Federal, uma vez que é registrado como passivo que onera o balanço contábil do banco.
A solução consensual aprovada também tratou do processo de migração voluntária incentivada dos atuais participantes e beneficiários do plano na modalidade BD - Benefício Definido para a modalidade CD - Contribuição Definida6. De acordo com o relatório produzido, a migração foi a solução encontrada pela Comissão para promover a sustentabilidade financeira do plano, uma vez que traria mais benefícios com a redução à exposição do BNDES aos riscos atuariais do PBB administrado pela FAPES7.
Outro ponto a ser destacado é o de que, com a previsão de cobertura de benefícios de risco no plano CD, o risco atuarial que recairá sobre os patrocinadores será inferior ao atual no plano BD.
Com isso, a solução consensual encerra quase uma década de controvérsias entre as partes acerca dos aportes não paritários, assegurando sustentabilidade ao PBB.
Além da importância da solução, outro ponto, que versa sobre a atuação da SecexConsenso, merece ser destacado. Trata-se do primeiro acordo realizado por este órgão fora do âmbito de discussões em contratos de concessão, o que explicita que a atuação do TCU na busca por soluções consensuais não se limita a temas de reequilíbrio naqueles contratos. Abrange uma gama mais ampla de situações que envolvem o interesse público, em consonância com a instrução normativa 91/228 que instituiu o procedimento de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos relacionados a órgãos e entidades da Administração Pública.
Apesar do significativo avanço da atuação consensual do TCU para outros campos, é importante revisitar as críticas recentes à atuação da Corte nestes procedimentos. Como já pontuado anteriormente9, uma das principais críticas se refere à ausência de parâmetros objetivos, materiais e procedimentais, que limitem a discricionariedade da Administração na realização da solução consensual, tendo em vista a possibilidade de excessiva subjetividade na escolha da melhor solução.
Rememora-se, também, os embates recentes que questionam a legitimidade da SecexConsenso para realização de soluções consensuais e, consequentemente, a necessidade de amparo normativo para sua atuação. Em julho deste ano, o Partido Novo ajuizou a ADPF 1.18310, que imputa à secretaria do TCU práticas que infringiriam princípios constitucionais e ultrapassariam as competências da Corte estabelecidas na CF/88.
Inicialmente, a AGU, em manifestação de discordância à atuação da Corte e com a instituição da Rede Federal de Mediação e Negociação ("Resolve")11, considerou a SecexConsenso como uma interferência em suas atribuições de garantir a legitimidade de contratos entre a União e empresas concessionárias.
Em setembro, entretanto, se manifestou a favor da constitucionalidade da secretaria, por entender tratar-se da realização de um controle concomitante e preventivo, sem interferência na autonomia dos órgãos administrativos.
Há que se falar, também, na problemática que se traduz na falta da legitimidade democrática constatada no mecanismo da SecexConsenso para a realização dos acordos, uma vez que eles não contam com a participação da sociedade civil. Esse ponto, no entanto, está sendo contornado pelo TCU, tendo em vista que no último dia 18 de outubro foi realizado um debate que contou com a presença de representantes do corpo social. Entre os temas, foi abordado o sigilo das informações, a participação de terceiros e critérios de admissibilidade para a solução consensual.
A ampliação da atuação da SecexConsenso suscita preocupações em relação ao potencial esvaziamento de mecanismos de mediação, dispute boards e arbitragens. Esses instrumentos, que percorreram uma longa jornada antes de serem admitidos em contratos administrativos, podem se tornar ineficazes se a SecexConsenso absorver todas as demandas de resolução de conflitos. Relegar esses métodos a meras previsões contratuais pode ser deletério. De um ponto de vista sistêmico, caso a Secretaria siga uma trajetória expansionista, vislumbra-se o risco de esvaziamento dos referidos métodos de soluções, tornando-os inócuos.
Nesse sentido, a própria instrução normativa 91/22 estabelece que a admissibilidade dos processos na SecexConsenso depende de sua capacidade de processamento12 o que, com o êxito deste órgão, em especial quando os temas são expandidos, cria um problema de congestionamento. Esse cenário poderá se agravar à medida que a tendência de esvaziamento dos métodos adequados de solução de conflitos se torne mais intensa. Nesse contexto, muitas questões poderão ficar à deriva, não sendo processadas pela secretaria devido à sobrecarga.
A fim de ilustrar o ponto, não seria descabido que as partes - Administração Pública e particular (uma concessionária, por exemplo) - no início da execução do contrato, pudessem optar por não construir um dispute board permanente, evitando um gasto inicial que pode redundar em uma eficiência econômica futura por acreditar que poderão encaminhar eventuais problemas diretamente à SecexConsenso.
De todo modo, apesar dos embates e polêmicas que envolvem a atuação da secretaria, o TCU mostra o seu esforço ao lidar com os principais questionamentos suscitados desde a criação do órgão por meio de um debate aberto. Nesse prisma, é possível concluir que o mecanismo da solução consensual reforça o comprometimento do Tribunal de Contas da União no fomento de uma cultura de mediação, que tende a ser cada vez mais justificada pela Corte.
__________
1 O Contrato de Confissão de Dívida é um documento firmado entre credor e devedor que formaliza as condições de pagamento de uma dívida existente entre eles. Se trata de reconhecimento formal, por uma das partes, do compromisso de quitar a dívida.
2 No Acórdão 2.766/2015 foi constatado irregularidades em aportes unilaterais, sem a correspondente contrapartida dos participantes, realizados pelo BNDES ao plano de benefícios previdenciários administrados pela FAPES.
3 Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. Usado para observar tendências de inflação.
4 Acórdão 1703/2023-TCU, rel. Min. Augusto Sherman, Plenário, julgado em 16/08/2023.
5 Este representa o valor integral dos aportes realizados (R$ 3,22 bilhões) subtraídos dos aportes relacionados à redução do teto do salário-contribuição para o INSS (R$ 823 milhões), dos aportes decorrentes de alteração no regulamento do PBB (R$ 746 milhões) e daqueles realizados pelos participantes por meio de aumento de contribuição com o impacto atuarial (R$ 100 milhões).
6 A criação plano de previdência de Contribuição Definida (CD) teve sua aprovação em 2018 pelo Conselho Deliberativo da Fapes. O plano foi oferecido aos funcionários depois da aprovação da Previc, em 2019.
7 A diminuição de exposição reduz o impacto financeiro de frustações na rentabilidade do plano, de alterações nas premissas atuariais e de oscilações no cenário econômico. Isso porque não existirá um patamar definido no benefício de complementação de aposentadoria, que passará a ser consequência das contribuições e da rentabilidade dos investimentos no plano CD.
8 Institui, no âmbito do Tribunal de Contas da União, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
9 "A consensualidade multiportas na administração pública e os primeiros passos da ANTT". Disponível em
10 A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.183 pode ser acessado em
11 A Rede Federal de Mediação e Negociação ("Resolve") foi instaurada pelo Decreto nº 12.091/24.
12 "Art. 5º Compete ao Presidente do TCU, após a análise prévia da SecexConsenso, decidir sobre a conveniência e a oportunidade da admissibilidade da solicitação de solução consensual nos termos desta IN, levando em consideração:
[...]
II - a quantidade de processos de SSC em andamento;
III - a capacidade operacional disponível no Tribunal para atuar nos processos de SSC."
Thiago Cardoso Araújo
Professor da EPGE/FGV, procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Bocater Advogados. Mestre e doutor em Direito pela UERJ.
Ana Luiza Moerbeck
Mestra em Direito da Regulação na Fundação Getúlio Vargas. Professora. Advogada no Bocater Advogados.
Jaqueline Corrêia
Estagiária no Bocater Advogados