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Combate à violência de gênero: Um estudo comparativo acerca das alterações legislativas introduzidas pela lei 14.994/24

A lei 14.994/24 alterou diversas legislações, introduzindo medidas mais rigorosas contra a violência de gênero, como penas mais severas e prioridade na tramitação de processos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Atualizado às 09:44

Introdução

A lei 14.994, sancionada em 9 de outubro de 2024, promoveu profundas mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, com foco na proteção da mulher e no combate à violência de gênero. As alterações abrangem diversos dispositivos do Código Penal, da lei de execução penal, da lei dos crimes hediondos, da lei Maria da Penha e do Código de Processo Penal. A seguir, faremos um estudo comparativo sobre cada uma das principais modificações.

1. Feminicídio como crime autônomo: Art. 121-A do Código Penal

Antes: O feminicídio era tratado como uma qualificadora do crime de homicídio, conforme previsto no art. 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal e sua pena seguia a mesma estrutura básica do homicídio qualificado (reclusão de 12 a 30 anos).

Agora: A nova lei transforma o feminicídio em crime autônomo, com a criação do art. 121-A no Código Penal, que estabelece uma pena mais rígida de 20 a 40 anos de reclusão. Além disso, as circunstâncias que caracterizam o feminicídio (como violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher) foram detalhadas para assegurar uma maior proteção às mulheres.

2. Agravamento das penas para lesão corporal no âmbito da violência doméstica: Art. 129 do Código Penal

Antes: Lesão corporal contra a mulher, quando praticada em ambiente de violência doméstica, tinha pena de detenção de 3 meses a 3 anos, conforme o art. 129, § 9º, do Código Penal.

Agora: A nova legislação aumenta significativamente essa pena para 2 a 5 anos de reclusão quando a lesão corporal for cometida contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

Além disso, foi incluído o § 13 no art. 129, que agrava ainda mais a pena de lesão corporal quando o crime é praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Nesses casos, a pena também será de 2 a 5 anos de reclusão, reforçando a proteção específica da mulher, não apenas no ambiente doméstico, mas sempre que o crime estiver relacionado à condição de gênero. Essa inclusão destaca o objetivo de punir com maior severidade atos de violência motivados por discriminação ou menosprezo à condição feminina.

3. Agravamento de penas nos crimes contra a honra cometidos contra a mulher: Art. 141 do Código Penal

Antes: O art. 141 do Código Penal estabelecia hipóteses de aumento de pena para crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação) quando cometidos, por exemplo, contra autoridades públicas, na presença de várias pessoas, divulgado nas redes sociais ou mediante pagamento de recompensa. No entanto, não havia uma previsão específica de agravamento da pena para crimes de honra cometidos contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.

Agora: Com a inclusão do § 3º no art. 141 pela lei 14.994/24, os crimes contra a honra cometidos contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, têm sua pena aplicada em dobro. Esta mudança reconhece que ofensas à honra da mulher motivadas por discriminação de gênero possuem um impacto social significativo, exigindo um maior rigor na punição desses delitos.

4. Agravamento da pena por ameaça contra mulheres: Art. 147 do Código Penal

Antes: O art. 147 do Código Penal previa o crime de ameaça com pena de detenção de 1 a 6 meses ou multa, sem distinção quanto ao gênero da vítima. A ação penal era pública condicionada à representação, ou seja, o processo só se iniciava mediante a vontade da vítima de prosseguir com a denúncia. Essa regra aplicava-se igualmente a todos os casos de ameaça, sem levar em conta as motivações ou circunstâncias relacionadas à condição de gênero da vítima.

Agora: A lei 14.994/24 trouxe significativas mudanças com a inclusão do § 1º ao art. 147, estabelecendo que, quando o crime de ameaça for cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, a pena será aplicada em dobro. Assim, a pena pode chegar até 1 ano de detenção, além da possibilidade de aplicação de multa.

Além do aumento da pena, houve uma importante modificação no que diz respeito ao tipo de ação penal. O § 2º do art. 147 mantém a regra de que a ação penal para o crime de ameaça continua sendo pública condicionada à representação, ou seja, depende da manifestação de vontade da vítima. No entanto, quando a ameaça é cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, conforme o § 1º, o processo não depende de representação da vítima. Nesse caso, a ação penal será pública incondicionada, permitindo que o Ministério Público dê prosseguimento à ação mesmo que a vítima não deseje representar.

5. Suspensão de Direitos Políticos e Públicos: Art. 92 do Código Penal

Antes: Não havia previsão automática para a suspensão de direitos políticos e a vedação de ocupação de cargos públicos em caso de condenação por crimes de violência contra a mulher. As restrições a esses direitos dependiam de decisões judiciais ou normativas específicas.

Agora: Com a nova redação do art. 92 do Código Penal, condenados por crimes cometidos contra a mulher por razões da condição de sexo feminino terão automaticamente suspensos seus direitos de nomeação, designação ou diplomação em cargos públicos e mandatos eletivos. A suspensão ocorre desde o trânsito em julgado da sentença até o cumprimento total da pena.

6. Triplicação da pena para contravenções cometidas contra mulheres: Art. 21 da lei das contravenções penais

Antes: O art. 21 do Decreto-lei 3.688/41, conhecido como a lei das contravenções penais, tratava da contravenção de vias de fato (agressão física leve ou atos violentos sem lesão corporal), estabelecendo uma pena de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa. Contudo, o texto não fazia qualquer distinção ou agravamento específico para casos em que a contravenção fosse cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.

Agora: A lei 14.994/2024 alterou o art. 21, inserindo o § 2º, que prevê uma agravante específica para casos em que a contravenção é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, conforme o conceito de feminicídio previsto no § 1º do art. 121-A do Código Penal. Nesses casos, a pena será triplicada.

7. Restrições e suspensão de direitos para condenados por crimes contra mulheres: Art. 41 da lei de execução penal

Antes: O art. 41 da lei de execução penal (lei 7.210/84) estabelece os direitos dos presos, como a assistência à saúde, educação, e visita íntima. Antes das alterações promovidas pela lei 14.994/2024, esses direitos eram garantidos a todos os presos, e suas suspensões ou restrições eram limitadas a casos específicos, de acordo com o comportamento do condenado ou a gravidade do crime, sem qualquer especificidade em relação a crimes cometidos contra mulheres.

Agora: A lei 14.994/24 alterou o art. 41, introduzindo novas restrições para condenados por crimes contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, conforme definido no art. 121-A do Código Penal. As principais mudanças são:

  • O § 2º acrescentado ao art. 41 estabelece que o preso condenado por crime praticado contra a mulher por razões de gênero não terá direito à visita íntima ou conjugal. Esta restrição se aplica durante o cumprimento da pena e visa aumentar a segurança das vítimas, evitando que o condenado tenha possibilidade de restabelecer vínculos que possam ser usados para novas formas de violência ou manipulação emocional.

Além disso, o § 1º do art. 41 permite que os direitos previstos nos incisos V, X e XV (direitos como a visita, correspondência, e proteção à integridade física) sejam suspensos ou restringidos mediante ato motivado do juiz da execução penal, o que dá ao magistrado mais flexibilidade para adotar medidas específicas em casos de violência de gênero.

8. Transferência de presos em casos de violência doméstica: Art. 86 da lei de execução penal

Antes: O art. 86 da lei de execução penal (lei 7.210/84) trata da progressão de regime no cumprimento de penas. No entanto, antes da alteração promovida pela lei 14.994/24, não havia previsão expressa de medidas de segurança voltadas especificamente para proteger vítimas de crimes de violência doméstica ou familiar durante o cumprimento da pena pelo agressor. Não havia previsão de transferência obrigatória do condenado ou preso provisório para uma localidade distante do domicílio da vítima, mesmo que houvesse novos atos de violência ou ameaça durante o cumprimento da pena.

Agora: Com a inclusão do § 4º no art. 86, a nova lei estabelece que o condenado ou preso provisório que tenha praticado crime de violência doméstica e familiar contra a mulher e que, durante o cumprimento da pena, ameace ou pratique violência contra a vítima ou seus familiares, será transferido para um estabelecimento penal distante do local de residência da vítima, mesmo que essa unidade prisional esteja localizada em outro estado ou até em uma unidade federativa diferente.

9. Condições especiais para a progressão de pena em casos de feminicídio: Art. 112 da lei de execução penal

Antes: O art. 112 da lei de execução penal (lei 7.210/84) define as regras para a progressão de regime, permitindo que um condenado possa progredir para um regime mais brando após o cumprimento de uma parte da pena, desde que preencha certos requisitos, como bom comportamento e cumprimento de uma fração mínima da pena. No entanto, não havia distinções específicas para crimes de feminicídio ou violência contra a mulher, aplicando-se as mesmas regras a todos os tipos de crimes.

Agora: A lei 14.994/24 trouxe uma importante alteração ao art. 112, introduzindo um novo inciso, o VI-A, que estabelece condições específicas para a progressão de pena para condenados por feminicídio. A nova redação determina que, no caso de condenados por feminicídio, mesmo que sejam primários, a progressão de regime estará vedada até o cumprimento de 55% da pena.

Além disso, há vedação do livramento condicional para esses condenados, ressaltando a preocupação com a reincidência e a proteção das vítimas, garantindo que aqueles que cometem crimes tão graves contra a mulher não possam ser liberados antes de cumprirem uma parte substancial de sua pena.

10. Monitoramento eletrônico para condenados por crimes contra mulheres: Art. 146-E da lei de execução penal

Antes: Antes da alteração promovida pela lei 14.994/24, a lei de execução penal (lei 7.210/84) não previa medidas específicas de monitoramento para condenados por crimes cometidos contra a mulher. Embora o sistema penal contemplasse a possibilidade de progressão de pena e outros benefícios, não havia uma estrutura de supervisão que garantisse a segurança das vítimas após a condenação.

Agora: Com a inclusão do art. 146-E, a nova legislação estabelece que o condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, conforme definido no § 1º do art. 121-A do Código Penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica ao usufruir de qualquer benefício que envolva sua saída de um estabelecimento penal.

A aplicação de monitoração eletrônica possibilita um acompanhamento em tempo real do condenado, permitindo que as autoridades estejam cientes de sua localização e comportamento, o que é particularmente crucial em casos de violência doméstica e familiar. Além disso, a monitoração eletrônica serve como uma forma de prevenir a aproximação do condenado à vítima, especialmente em situações em que a segurança da mulher pode estar em risco.

11. Inclusão do feminicídio na lei dos crimes hediondos: art. 1º da lei 8.072/90

Antes: A lei dos crimes hediondos (lei 8.072/90) estabelece uma lista de crimes que, pela sua gravidade, são tratados com maior rigor pelo sistema penal brasileiro. Essa lista inclui homicídio qualificado, latrocínio, estupro, entre outros. Embora o feminicídio já fosse tratado como uma forma qualificada de homicídio no Código Penal, ele ainda não possuía um status autônomo dentro do rol de crimes hediondos.

Agora: Com a alteração promovida pela lei 14.994/24, o feminicídio foi formalmente incluído no rol de crimes hediondos de forma autônoma, por meio da inserção do inciso I-B no art. 1º da lei 8.072/90. O feminicídio, previsto no art. 121-A do Código Penal, é agora reconhecido explicitamente como um crime hediondo, o que implica em um tratamento jurídico ainda mais rigoroso para esse tipo de crime.

A qualificação do feminicídio como crime hediondo traz implicações práticas importantes para o cumprimento de pena dos condenados. Entre as principais consequências estão:

  1. Progressão de regime mais rigorosa: Os condenados por feminicídio devem cumprir um período maior da pena antes de progredirem para um regime mais brando.
  2. Vedação de benefícios penais: Criminosos condenados por feminicídio não podem ser beneficiados por anistia, indulto ou fiança, e há restrições no acesso ao livramento condicional.
  3. Maior severidade nas condições de cumprimento da pena: Por ser um crime hediondo, o feminicídio impõe ao condenado a obrigatoriedade de iniciar o cumprimento da pena em regime fechado e enfrentar regras mais rígidas para obter benefícios penitenciários.

12. Atualização das penas para violação de medidas protetivas: art. 24-A da lei Maria da Penha

Antes: Anteriormente, o art. 24-A da lei Maria da Penha (lei 11.340/06) que versa sobre o descumprimento de decisões judiciais que deferiam medidas protetivas de urgência, previa penas de detenção de 3 meses a 2 anos, para essa infração.

Agora: Com a alteração introduzida pela lei 14.994/24, o art. 24-A foi modificado para prever que a pena para o descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência agora é de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa. Essa atualização representa um endurecimento das penas e uma maior proteção para as vítimas de violência doméstica.

13. Prioridade de tramitação e isenção de custas para crimes de violência contra a mulher: art. 394-A do Código de Processo Penal

Antes: O Código de Processo Penal não previa prioridade específica para os processos relacionados a crimes de violência contra a mulher. Esses casos eram tratados da mesma forma que qualquer outro crime, o que frequentemente resultava em longos períodos de espera para que as vítimas obtivessem justiça. A morosidade do sistema penal muitas vezes impactava negativamente a eficácia das medidas protetivas.

Ademais, não havia previsão de isenção de custas, taxas ou despesas processuais para as vítimas de violência contra a mulher. Isso poderia desencorajar as mulheres a buscar justiça, especialmente em casos em que a situação financeira era precária.

Agora: A nova redação do art. 394-A estabelece que os processos que apuram a prática de crimes hediondos ou violência contra a mulher devem ter prioridade de tramitação em todas as instâncias. ssa mudança garante que esses casos sejam tratados com a urgência necessária, refletindo a gravidade das situações enfrentadas pelas vítimas.

Ademais, o § 1º do artigo agora prevê que os processos que apuram violência contra a mulher independerão do pagamento de custas, taxas ou despesas processuais, salvo em caso de má-fé. Essa alteração assegura que as vítimas possam buscar justiça sem barreiras financeiras, promovendo um acesso mais amplo à justiça.

Por fim, o § 2º do artigo estabelece que as isenções de custas e taxas se aplicam também ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão da vítima em caso de morte, quando estes tiverem direito de representação ou de oferecer queixa. Essa medida oferece apoio aos familiares que buscam justiça após a perda de um ente querido, garantindo que a busca por responsabilidade legal não seja obstruída.

Conclusão

As alterações trazidas pela lei 14.994/24 representam um avanço significativo na proteção da mulher contra a violência de gênero. Ao estabelecer penas mais rígidas, prever monitoramento eletrônico, suspender direitos políticos e vedar benefícios penais para os condenados, a nova legislação fortalece a luta contra o feminicídio e a violência doméstica, promovendo maior segurança para as vítimas e suas famílias. Essas mudanças refletem um compromisso com a justiça e a equidade, adequando o sistema jurídico brasileiro às demandas sociais por proteção efetiva às mulheres.

Luiz Eduardo Costa

Luiz Eduardo Costa

Advogado Pós-Graduando em Prática em Advocacia Trabalhista e Previdenciária pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Assistente de Coordenação do MBA em Criptoativos da Trevisan Escola de Negócios.

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