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Modulação de efeitos no Sistema S: Insegurança e concorrência

Entenda como a modulação de efeitos do STJ gerou desigualdade entre contribuintes e impacto na concorrência.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Atualizado às 14:48

A modulação dos efeitos das decisões judiciais é um mecanismo essencial do sistema jurídico brasileiro, cujo principal objetivo é preservar a segurança jurídica e evitar impactos desproporcionais sobre os direitos dos indivíduos e empresas em razão de mudanças jurisprudenciais.

No entanto, a aplicação deste instituto no caso da limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S pelo STJ gerou diversas críticas, especialmente por sua falta de uniformidade e pela criação de desigualdade entre contribuintes em situações idênticas.

Assim, este texto busca analisar, de forma crítica, os impactos da modulação dos efeitos no caso do Sistema S, abordando a violação dos princípios da isonomia e da segurança jurídica, além dos efeitos sobre a concorrência e o aumento da judicialização, destacando a importância da aplicação adequada da modulação para garantir previsibilidade e equidade no sistema tributário.

A modulação de efeitos: Conceito, objetivo e fundamentação constitucional

Em breve síntese, a modulação dos efeitos de uma decisão judicial permite restringir ou limitar a eficácia temporal dos julgados, visando proteger valores como a segurança jurídica e o interesse social, especialmente quando ocorre uma mudança significativa de jurisprudência.

Esse instituto está previsto no art. 927, §§ 3º e 4º, do CPC, e no art. 27 da lei 9.868/99, que regula o controle concentrado de constitucionalidade e determina que a modulação deve ser utilizada em situações excepcionais para mitigar os efeitos negativos de uma decisão retroativa, particularmente em casos de mudança de entendimento (overruling).

Segundo o CPC, a modulação dos efeitos está intrinsecamente ligada à proteção de princípios constitucionais, como a segurança jurídica, a confiança legítima e o interesse social, assegurando a estabilidade das relações jurídicas e permitindo que indivíduos e empresas baseiem suas decisões em previsibilidade e confiança nas normas vigentes e decisões prévias.

Assim, o uso desse instituto deve ser cauteloso e justificado, de modo a garantir que alterações jurisprudenciais não gerem rupturas abruptas, prejudicando direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito ou situações já consolidadas.

Crítica à modulação dos efeitos no caso do Sistema S: Violação da isonomia e da segurança jurídica

A modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no caso da limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S gerou diversas críticas pela falta de uniformidade no tratamento dos contribuintes.

A decisão permitiu que apenas aqueles que ingressaram com ação judicial ou protocolaram pedidos administrativos até 25/10/23 e obtiveram decisão favorável pudessem manter o limite de 20 salários mínimos até 2/5/24, gerando desigualdade entre os contribuintes, mesmo aqueles em situações jurídicas semelhantes - como os que aguardavam a análise de seus pedidos devido à morosidade ou à suspensão judicial -, promovendo uma clara violação ao princípio da isonomia tributária.

Isto, pois, o princípio da isonomia, previsto no art. 150, II, da CF/88, estabelece que contribuintes em situações equivalentes devem ser tratados de forma igualitária. No entanto, a modulação dos efeitos imposta pelo STJ resultou em tratamento desigual, diferenciando os contribuintes com base na obtenção ou não de uma decisão favorável, criando assim obrigações tributárias distintas para aqueles que estavam em condições idênticas.

Neste aspecto, em seus embargos de declaração, a Cigel Industrial argumentou que a modulação "lisonjeia" decisões desfavoráveis aos contribuintes, incluindo aquelas que contrariaram diretamente a jurisprudência consolidada do STJ à época dos fatos, penalizando os contribuintes que agiram de boa-fé e em conformidade com a interpretação vigente. Como se não bastasse, a situação foi agravada pela decisão do STJ de suspender, em dezembro de 2020, o trâmite de todas as ações sobre o tema ao afetá-lo ao rito dos repetitivos, impedindo muitos contribuintes de obterem decisões favoráveis nesse período.

Assim, a modulação acabou beneficiando apenas aqueles que, por fatores alheios ao seu controle, já haviam conseguido decisões favoráveis, enquanto outros, que estavam na mesma posição jurídica, foram prejudicados pela falta de análise de seus pedidos. Dessa forma, além de comprometer o princípio da isonomia, a modulação violou o princípio da proteção da confiança legítima, que garante aos cidadãos o direito de confiar na estabilidade das decisões judiciais e das interpretações normativas, fundamentais para a previsibilidade das relações jurídicas.

Impactos sobre a concorrência e o aumento da judicialização

A modulação dos efeitos aplicada pelo STJ também teve impactos significativos sobre a concorrência entre empresas do mesmo setor econômico, criando uma distorção competitiva que afeta diretamente o princípio da livre concorrência.

Empresas que operam no mesmo segmento, e que deveriam estar em igualdade de condições para competir no mercado, passaram a ter tratamentos tributários distintos, unicamente em função da obtenção - ou não - de uma decisão judicial prévia favorável. Isso gerou um ambiente de concorrência desleal, favorecendo algumas empresas em detrimento de outras, especialmente em setores onde a folha de pagamento é elevada e, portanto, o valor das contribuições ao Sistema S é mais significativo.

As empresas que conseguiram decisões favoráveis para manter o limite até a modulação final estão em clara vantagem em comparação com aquelas que, por motivos alheios ao seu controle, incluindo a morosidade da Justiça, não obtiveram o mesmo benefício. Essa discrepância compromete o princípio da isonomia tributária e coloca em xeque a justiça do sistema tributário.

Além dos impactos concorrenciais, a decisão do STJ fomentou um ambiente propenso ao aumento da judicialização, contrariando a intenção expressa pela ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, que sustentou que o modelo adotado poderia evitar uma corrida ao Judiciário.

Ocorre que, a exigência de uma decisão favorável para ser contemplado pela modulação dos efeitos, gerou um ambiente de incerteza e pressão sobre os contribuintes, forçando-os a buscar soluções imediatas e, consequentemente, promovendo um aumento da litigiosidade.

Esse cenário, além de sobrecarregar as cortes, compromete a estabilidade e a previsibilidade das relações jurídico-tributárias, que são fundamentais para um ambiente de negócios saudável e seguro. A incerteza jurídica cria um incentivo para que empresas recorram preventivamente ao Judiciário, buscando garantir seus direitos, o que eleva os custos processuais e prejudica a eficiência do sistema de justiça.

Conclusão

Diante do exposto, mostra-se claro que a modulação dos efeitos no caso do Sistema S, aplicada pelo STJ, trouxe uma série de consequências negativas para o sistema jurídico-tributário brasileiro.

Ao criar tratamentos diferenciados entre contribuintes em situações idênticas, a decisão violou os princípios da isonomia e da proteção da confiança legítima, gerando insegurança jurídica e desigualdade tributária. Além disso, o critério adotado pelo STJ incentivou um aumento na judicialização, sobrecarregando o sistema judiciário e criando um ambiente de concorrência desleal entre empresas do mesmo setor econômico.

Para que o instituto da modulação dos efeitos cumpra seu papel de promover a justiça e a estabilidade das relações jurídicas, é essencial que seja aplicado de maneira uniforme e equitativa, evitando discriminações e assegurando a proteção dos direitos dos contribuintes. A confiança na previsibilidade das decisões judiciais é um pilar fundamental do Estado de Direito e deve ser preservada para garantir um ambiente econômico justo e estável para todos os atores envolvidos.

Igor Montalvão Souza Lima

VIP Igor Montalvão Souza Lima

Advogado, formado pela PUC-MG. Possui especialização em Direito Empresarial pela PUC-RS, em Direito Tributário pela PUC-MG e em Direito Societário pelo EBRADI. Palestrante e autor.

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