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Pescaria probatória no caso Marielle Franco

Embora nenhum direito seja absoluto, não é razoável que se admita que uma rede seja jogada sob um oceano de dados para encontrar informações que auxiliem uma investigação criminal.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Atualizado às 13:28

A Suprema Corte brasileira iniciou, recentemente, julgamento voltado a solucionar a controvérsia levantada pelo Google em torno da solicitação formulada à empresa pelo Ministério Público no âmbito do caso Marielle Franco.

O pedido direcionado ao juízo, que motivou o julgamento pelo STF do Tema 1.148 em sede de repercussão geral - o que significa que há questões relevantes para toda a sociedade em apreciação - trata de requisição para quebra de sigilo telemático "genérica".

Isto é, o requerimento consistia na obtenção de números de IP - Internet Protocol de todas as pessoas que realizaram pesquisas relacionadas ao local em que a então vereadora Marielle Franco foi assassinada, bem como daquelas que passaram próximas à localidade.

A quebra de sigilo telemático, portanto, é o acesso a dados de usuários que estejam cadastrados em determinados serviços, possibilitando que os órgãos de persecução penal coletem informações de indivíduos envolvidos em crimes.

Requisita-se a quebra de dados telemáticos, por exemplo, quando é necessário o acesso ao registro de mensagens trocadas entre sujeitos envolvidos em uma investigação criminal.

À vista disso, é inegável a importância desta medida destinada a subsidiar a atividade persecutória do Estado por meio dos órgãos investigatórios, possibilitando que informações de grande valor para a elucidação dos fatos possam ser obtidas.

Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro delimita a concessão desse meio de obtenção de provas para casos em que o magistrado (autoridade judiciária) autorize, direcionando sua execução para pessoas individualizadas e em dispositivos determinados, o que se extrai da lei 9.296/96 e da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Isto porque a quebra do sigilo dos dados telemáticos, como o próprio nome sugere, é caracterizada pelo afastamento extraordinário de garantias constitucionais protegidas nacional e internacionalmente, como a privacidade das comunicações, de modo que eventual excesso na conservação desse direito pode submeter o caso à apreciação de Cortes Internacionais.

Ademais, a exigência de indicação precisa dos sujeitos e dispositivos contra os quais será efetuada a quebra é uma decorrência lógica da própria segurança jurídica inserida no ordenamento constitucional brasileiro e fundamentada como um pilar do Estado Democrático de Direito.

Contudo, não obstante todas as decorrências legais e constitucionais acerca do tema, o pedido do Ministério Público no caso Marielle Franco foi concedido pelo juízo de primeiro grau, pelo TJRJ e pelo STJ, antes de chegar ao STF.

Nota-se, portanto, uma resistência latente em aplicar os postulados normativos que deveriam guiar a atividade judiciária sob uma disciplina constitucional que eleva o sigilo dos dados ao patamar de direito humano fundamental.

Embora nenhum direito seja absoluto, não é razoável que se admita que uma rede seja jogada sob um oceano de dados com a intenção de ali, talvez, encontrar informações que auxiliem uma investigação criminal, inserindo na persecução sujeitos estranhos ao processo.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: [email protected]

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