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O STF e a boa gestão pública

O Supremo desempenha papel essencial na gestão pública, promovendo eficiência, transparência e combatendo a corrupção, conforme os princípios constitucionais.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Atualizado às 07:49

Ao aproximar-se o Dia do Servidor Público (comemorado em 28 de outubro), lembro, com muito orgulho, que pertenço à categoria há 35 anos. Iniciei minha vida profissional em 1989, ao fazer concurso para auxiliar judiciário da Justiça do Trabalho. Em 1994, ingressei no quadro de professores permanentes da Universidade Federal do Maranhão, minha alma mater. Esses foram meus dois primeiros vínculos públicos, somando-se posteriormente a variadas funções nos Três Poderes, sempre com muita responsabilidade e honra.

Assim como eu, outros milhares de servidores públicos trabalham diariamente espalhados pelo país, a fi m de transformar a abstração do Direito em algo concreto, com efetiva entrega de bens e serviços à sociedade brasileira. Atuamos sob o pálio do artigo 37 da Constituição, que nos exige legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios consentâneos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Realço especialmente o ODS nº 16: reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas; desenvolver instituições efi cazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis; garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis; e assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais.

Neste artigo, destaco o mais finalístico de todos esses princípios, que considero ser o da eficiência, uma vez que ele impulsiona uma refl exão direta sobre o resultado das ações administrativas, com a adequada utilização dos recursos orçamentários. O citado princípio exige o cumprimento das regras do devido processo orçamentário, visando à boa aplicação dos recursos, de forma a "reduzir desigualdades inter-regionais" (§ 7º do art. 165 da CF), "adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade" (§ 10 do Art. 165 da CF)

Em conexão com o princípio da eficiência, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que é um diploma normativo de grande qualidade, traz princípios basilares que devem ser aplicados à gestão pública. No artigo 20 da LINDB consta um enfático convite ao consequencialismo, faceta fundamental do referido princípio: "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". No mesmo sentido, o artigo 22 da LINDB estabelece que "na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados". Já no artigo 26, a LINDB orienta que, em situações conflitivas, seja buscado o máximo diálogo: "para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial".

Aplicando esses princípios constitucionais e regras legais, dentre outros, o STF tem decidido temas de enorme impacto positivo para os brasileiros. Tornou-se um marco na Administração Pública a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 12, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, na qual o plenário do STF decidiu pela vedação à prática de nepotismo no Judiciário, com efeitos também sobre o Legislativo e Executivo. O julgamento histórico deu origem à Súmula Vinculante 13, que estabeleceu que "a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefi a ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendendo o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal". Lembro, a propósito, que tais condutas confi guram improbidade administrativa, conforme Artigo 11, XI, da Lei nº 8.429/92.

Mais recentemente, durante o exame da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1089, apresentei voto rememorando a decisão da ADC 12 e acrescentando que "a adoção de regras institucionais capazes de coibir ou de desestimular a prática de atos que redundem em abuso de poder, ou mesmo em improbidade administrativa, se traduz em mecanismo de comprovada eficácia no combate à corrupção. [...] Ou seja, a interpretação que deve ser extraída da Constituição é a de que o estabelecimento de poder político familiar é inconstitucional".

A busca pela efi ciência do Estado Brasileiro também traz ao STF um número cada vez maior de processos estruturais. São discussões e decisões que buscam consequências práticas apropriadas, dada a velocidade com que os problemas surgem em uma sociedade de massas cada vez mais complexa, lesando direitos constitucionais, sem que, por vezes, as soluções políticas encontrem ritmo e conteúdo adequados. O que se busca obter, ao final do processo, são respostas mediadas, negociadas e efetivas para os problemas iniciais, submetidos à jurisdição constitucional, por meio dos instrumentos aprovados pelo Poder Legislativo.

No Supremo, à luz do artigo 21 do nosso Regimento Interno, que fixa caber ao relator assegurar o pleno cumprimento das decisões do Tribunal, e do artigo 139 do Código de Processo Civil, que determina que o juiz deve utilizar as "medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial", tenho conduzido dois processos de feição estrutural: a ADPF 743, julgada pelo Plenário, e que questiona a carência de ações administrativas para controlar e eliminar focos de incêndios na Amazônia e no Pantanal; e a ADPF 854, também transitada em julgado, que declarou inconstitucional o uso das rubricas orçamentárias conhecidas nacionalmente como "Orçamento Secreto". Em ambos os casos, tenho adotado audiências de contextualização e conciliação para avançar paulatinamente no total cumprimento dos Acórdãos. Vale dizer: o STF vem agindo, em favor da melhor gestão pública, com total aderência aos dispositivos constitucionais e legais emanados do Congresso Nacional, instância máxima de elaboração da Constituição Federal e das leis que aplicamos.

Mas sabemos que nossas atribuições não são ilimitadas, exatamente em virtude de elas serem subalternas à ordem constitucional. Ilustrando essa compreensão, cito o Tema 698 de Repercussão Geral, no qual o STF reconheceu que há restrições para atuação do Poder Judiciário ao fi xar obrigações ao Poder Executivo. A tese aprovada pelo Plenário ordena que a decisão judicial "deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado", e não determinar medidas pontuais. Este caminho adotado pela Corte demonstra que há forte jurisprudência para o controle da Administração Pública, mas há também o adequado reconhecimento de limites ao Judiciário, sendo uma eloquente prova da busca de equilíbrio e harmonia por parte do Supremo.

Como guardião da Constituição Cidadã, o STF desempenha papel imprescindível no Controle da Constitucionalidade e da Legalidade da Administração Pública, e só assim há plena proteção aos direitos fundamentais e o impulso positivo à eficácia nas políticas públicas, apoiando o trabalho dos bons servidores públicos da nossa Nação.

Flávio Dino

Flávio Dino

Ministro do STF. Foi Ministro da Justiça, Governador do Maranhão, Senador da República, Deputado Federal e Juiz Federal.

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