Orçamento justo: O caminho para uma Defensoria Pública forte e presente em todo o Piauí
A Defensoria Pública é crucial para o acesso à justiça dos vulneráveis, mas sofre com falta de recursos, especialmente no Piauí, onde muitas comarcas carecem de defensores.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
Atualizado em 22 de outubro de 2024 13:56
A Defensoria Pública exerce o honrado papel estatal de prestar assistência jurídica aos vulneráveis, sendo definida na CF/88, no art. 134, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta CF/88.
No item 1 da resolução 2.656/11, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos resolveu também afirmar que o acesso à justiça, como direito humano fundamental, é, ao mesmo tempo, o meio que possibilita que se restabeleça o exercício dos direitos que tenham sido ignorados ou violados.
vi) o acesso à justiça, como direito humano fundamental é, também, o meio que possibilita restabelecer o exercício dos direitos que tenham sido ignorados ou violados, e salienta, ao mesmo tempo, que o acesso à justiça não se esgota com o ingresso das pessoas na instância judicial, mas que se estende ao longo de todo o processo, o qual deve ser instruído segundo os princípios que sustentam o Estado de Direito, como o julgamento justo, e se prolonga até a execução da sentença1. (destaques nossos)
Em que pese a essencialidade e a importância desse serviço público, o qual proporciona aos cidadãos mais carentes o acesso à justiça, aos direitos e à dignidade, os Estados como regra destinam apenas 0,24% de seu orçamento com as Defensorias Públicas (dados do ano em curso). Comparando o orçamento com o do Ministério Público e do Judiciário se percebe a discrepância e o descaso estatal. Para o orçamento de 2024, os valores destinados ao Ministério Público são 272,6% maiores que os valores destinados à Defensoria Pública; quando a comparação é realizada em relação ao Poder Judiciário a discrepância é ainda maior, sendo o orçamento do PJ 1.437,7% maior que o orçamento da Defensoria Pública2.
Se o foco for o desequilíbrio orçamentário no âmbito do Estado do Piauí, análise comparativa entre o orçamento aprovado para a DP-PI, MP-PI e TJ-PI, também se percebe grande desequilíbrio no cenário financeiro das instituições que compõem o sistema de justiça. Para o orçamento de 2023, os valores destinados ao Poder Judiciário e ao Ministério Público serão, respectivamente, 639,72% e 142,02% maiores que o orçamento da Defensoria Pública. O orçamento do TJ/PI foi de R$ 844.350.202, do Ministério Público R$ 276.250.836 e o da Defensoria Pública apenas R$ 114.144.4323.
Vale frisar que o orçamento da assistência jurídica gratuita, das Defensorias Públicas, portanto, não deve ser inferior ao previsto para a persecução penal, sob pena de ferir os direitos humanos e caracterizar um país inquisitivo/policialesco.
Em síntese, pode-se afirmar que o indicador do grau de realização do Estado de Direito em nossa região está relacionado diretamente à autonomia e ao poder da Defensoria Pública em comparação com as outras agências do sistema penal. Pouco importa códigos processuais acusatórios e juízes tecnicamente preparados, se aqueles que mais necessitam carecem de defesa idônea. Aonde quer que a Defensoria Pública seja pouco menos que uma oficina virtual, em que advogados sobrecarregados com uma missão de cumprimento impossível se esforçam por tratar de fazer o que podem, esquecidos por aqueles que preferem disputar o poder e devotar sua predisposição a outras agências sempre mais poderosas e melhor conceituadas por um modelo de comunicação que explora e fomenta a vingança, o estado de direito será desgraçadamente muito débil, se já não estiver inteiramente enquadrado pelo poder arbitrário do estado policial4.
Não se pode perder de vistas que o formato Defensoria Pública é o recomendado pela Organização dos Estados Americanos em todas as resoluções que tratam do tema assistência jurídica prestadas pelos Estados, podendo-se exemplificar com a resolução 2801/OEA/2013 dispõe:
5. Sem prejuízo da diversidade dos sistemas jurídicos de cada país, destacar a importância da independência, autonomia funcional, financeira e/ou orçamentária, das defensorias públicas oficiais, no âmbito dos esforços dos Estados-Membros para garantir um serviço público eficiente, livre de interferências e controles indevidos de outros poderes do Estado que afeta sua autonomia funcional e cujo mandato é do interesse de seu cliente ou defendeu5. (destaques nossos).
O mandamento constitucional trazido pela EC 80/14, vencido faz dois anos, afirma que os Estados devem prover todas as comarcas com defensores públicos. No entanto, esta não tem sido a realidade principalmente por falta de destinação de orçamento adequado para promover a expansão da Defensoria Pública, por meio de concursos públicos e consequente nomeação de defensoras e defensores públicos.
No Estado do Piauí, por exemplo, de um total de 63 comarcas, 29 ainda não contam com Defensoria Pública instalada. Mas, mesmo assim, a efetividade da presença da Defensoria Pública do Piauí é evidenciada pelos números expressivos de atuação: a) 181.232 atendimentos; b) 16.173 processos gerados; c) 6.832 ofícios expedidos; d) 82.594 manifestações processuais protocoladas; e) 978 acordos extrajudiciais; f) 30 ações coletivas6.
Porém, muito mais poderia ser feito com o aumento efetivo do orçamento destinado à DPE-PI, não com recomposição linear da inflação como de costume, de modo a viabilizar nomeações e crescimento estrutural da instituição criada pelo Constituinte para prestar assistência jurídica integral e gratuita nos moldes do art. 5º, LXXIV c/c 134.
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1 OEA. Resolución 2656/OEA, de 07.07.2011. Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/AG-RES_2656_XLI-O-11_esp.pdf. Acesso em: 11 jan. 2016.
2 CONDEGE/ANADEP. Orçamento e despesas. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/. Acesso em: 16 out. 2024.
3 CONDEGE/ANADEP. Orçamento e despesas. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-por-unidade-federativa/defensoria-publica-do-estado-do-piaui/. Acesso em: 16 out. 2024.
4 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. A Valorização institucional da Defensoria Pública com o advento da Lei Complementar nº 132/2009 em SOUSA, José Augusto Garcia (Coordenador). Uma nova Defensoria Pública pede passagem - reflexões sobre a Lei Complementar 132/09. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p.194.
5 OEA. Resolução 2801/OEA/2013. 2013. Disponível em https://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/17637/OEA_-_Resoluci_n_2801_-. Acesso em: 05 jun. 2021.
6 Dados do ano de 2022 divulgados na pesquisa nacional da Defensoria Publica (CONDEGE/ANADEP. Orçamento e despesas. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-por-unidade-federativa/defensoria-publica-do-estado-do-piaui/. Acesso em: 16 out. 2024).
Marcos Martins de Oliveira
Titular da 2ª Defensoria Pública de Floriano-PI. Diretor Secretário da APIDEP. Mestre em Direito Internacional pela UNISANTOS. Autor do Livro: Elementos internacionais para um modelo global de assistência jurídica. Nova York: Lawinters Editions.