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A governança judicial colaborativa e o acordo de Paris: Diálogo institucional na jurisdição constitucional sobre o meio ambiente

Diálogo institucional na jurisdição constitucional para efetivar direitos ambientais, destacando a governança colaborativa e o Acordo de Paris.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Atualizado em 21 de outubro de 2024 11:17

Introdução

Este artigo busca analisar como o diálogo institucional pode ser um caminho eficaz para a superação de desafios no contexto da jurisdição constitucional, especificamente diante da necessidade de efetivação dos direitos fundamentais ligados ao meio ambiente1.

Está ocorrendo uma transformação progressiva na forma como a jurisdição constitucional tem sido exercida. O conceito de governança judicial colaborativa surge como um modelo que privilegia o diálogo institucional e transparência entre os diversos atores jurídicos e políticos, na busca por soluções para questões complexas2

A judicialização de temas ligados à política pública ambiental3 também é uma realidade, como se comprova pela ADO - Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 59, na qual o Plenário do STF determinou à União que adotasse as providências administrativas necessárias para a reativação do fundo Amazônia, sem novas paralisações4.

A judicialização da temática ligada ao programa RenovaBio5, por meio da ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade 7596 e ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade 7617, tratam de temáticas ligadas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, programa, este, que está diretamente vinculado a compromissos internacionais do Brasil, como o Acordo de Paris6. Por ocasião da ratificação e internalização do Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu igualmente a reduzir a emissão de GEEs em 37%, com relação ao nível de 2005, até o ano de 2025, e em 43% até o ano de 20307.

O papel do Poder Judiciário, na jurisdição constitucional, nessa configuração, transcende a solução binária de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um programa ambiental, tornando-se crucial a mediação de interesses e a construção de soluções dialogadas, para efetivação da norma constitucional prevista no art. 225 da CF, que prevê que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado8.

1. Um novo paradigma na jurisdição constitucional: Governança judicial, Acordo de Paris e a efetividade da norma constitucional

A governança judicial colaborativa é uma evolução no modo como o Judiciário participa da formulação e implementação de políticas públicas. Em vez de se limitar à função tradicional de controle de constitucionalidade, o Judiciário assume um papel proativo, incentivando o diálogo entre as partes interessadas e os outros poderes, especialmente quando questões envolvendo direitos fundamentais estão em jogo, como é o direito ambiental.

Dentro deste contexto é importante ressaltar que o Acordo de Paris visa combater as alterações climáticas e prevê manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C até o final do século 21, reduzir as emissões de GEEs - Gases do Efeito Estufa, transferir tecnologia e financiamento de países desenvolvidos para países subdesenvolvidos. Este Tratado Internacional foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do decreto Legislativo 140/16 e promulgado pelo presidente da república, por meio do decreto 9073/17. 

Conforme reconhecido pelo STF, o art. 225 da CF/88, que fundamenta o Estado de Direito e a governança ambiental, apresenta uma estrutura jurídica com duas direções principais a serem efetivadas. A primeira garante o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado, tanto para a nossa geração quanto para as futuras. A segunda estabelece os deveres de proteção, que são responsabilidade dos poderes públicos, das autoridades e da sociedade civil9.

Diante da interseção entre governança judicial, o Acordo de Paris e a efetividade da norma constitucional que assegura o meio ambiente equilibrado, a jurisdição constitucional deve ocupar o centro do diálogo institucional entre os poderes e a sociedade. Esse protagonismo decorre do dever comum e inescusável de todos os atores envolvidos, públicos e privados, em promover a preservação ambiental. A elaboração e implementação de normas devem estar alinhadas com a efetividade do comando constitucional previsto no art. 225 da CF, garantindo que o direito ao meio ambiente equilibrado seja uma realidade para as atuais e futuras gerações, em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

2. O RenovaBio e a questão da constitucionalidade

Na jurisdição constitucional o incentivo ao diálogo entre o Poder Judiciário e outros atores institucionais, como o Executivo, o Legislativo e as agências reguladoras tem sido um caminho efetivo para solução de questões complexas. Pelo menos 45 acordos já foram homologados no STF10, dos mais variados temas e nos vários tipos de ações de controle concentrado de constitucionalidade. 

O caso do RenovaBio pode ser uma matéria a ser submetida a mediação no STF, uma vez que o programa envolve diretrizes constitucionais fixadas no art. 225 da CF, parâmetros estabelecidos pela ANP - Agência Nacional de Petróleo e questões relacionadas ao cumprimento de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris. A governança judicial colaborativa, nesse contexto, exige que o Judiciário, ao abrir o diálogo sobre a constitucionalidade do programa, instituído pela lei 13.576/17, leve em consideração não apenas os parâmetros legais, mas também os aspectos políticos, econômicos e sociais subjacentes, promovendo uma aproximação colaborativa entre as instituições, para fins de preservação do meio ambiente equilibrado, compatibilizando o RenovaBio, com a CF/88 e com o Acordo de Paris. 

O questionamento sobre a constitucionalidade do programa gira em torno de aspectos como a equidade na distribuição de responsabilidades entre os agentes econômicos e a ausência de mecanismos eficazes para garantir o financiamento de tecnologias sustentáveis.

O princípio do poluidor-pagador, inserido no contexto da proteção ambiental, estabelece que todo agente econômico que causar impactos negativos ao meio ambiente é responsável por arcar com os custos de sua reparação. Logo, quem polui deve arcar com os custos da reparação ambiental, na proporção da poluição que gera11. Ao atribuir ao poluidor a obrigação de reparar os danos causados, esse princípio não apenas promove a responsabilidade ambiental, mas também incentiva práticas mais sustentáveis, desestimulando comportamentos que possam prejudicar o meio ambiente.

O RenovaBio, ao impor obrigações pecuniárias apenas aos distribuidores de combustíveis, enquanto isenta outros agentes responsáveis pela emissão de GEE, pode ferir princípios constitucionais como a isonomia e a livre concorrência, além de desconfigurar o princípio do poluidor-pagar. Nesse sentido, o papel do Poder Judiciário é fundamental para corrigir distorções e garantir que a política pública atenda de forma equitativa aos princípios constitucionais.

3. Diálogo institucional: A busca por soluções consensuais

Dentro do contexto da jurisdição constitucional, o diálogo institucional tem o potencial de resolver conflitos de maneira consensual, evitando a necessidade de decisões adjudicadas. Essa abordagem cria um distensionamento entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, ao passo que também previne o efeito backlash decorrente do descontentamento em relação às decisões judiciais12.

Em vez de incentivar uma postura adversarial, o STF pode promover o diálogo entre as partes envolvidas, criando um espaço para a mediação e a construção conjunta de soluções, inclusive utilizando-se de audiência de contextualização e audiência para ouvida de especialistas como ocorreu na mediação da ADC 87 que participamos, na qual o STF ouviu especialistas em audiência sobre lei do marco temporal, cujos nomes foram apresentados por integrantes da comissão especial e discutiram entraves e possíveis soluções para processos de demarcação e indenização.

O Judiciário, ao adotar uma postura colaborativa, pode contribuir para o aprimoramento das políticas públicas, incentivando a adoção de medidas que atendam aos princípios constitucionais e, ao mesmo tempo, promovam o desenvolvimento sustentável.

Conclusão

A mediação representa um novo paradigma na jurisdição constitucional, especialmente no que tange à efetivação de direitos fundamentais como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O diálogo institucional fortalece a capacidade do Poder Judiciário de atuar de forma proativa, mediando interesses e construindo soluções autocompositivas.

Ao promover um ambiente de cooperação entre os diversos atores institucionais, como Executivo, Legislativo, agências reguladoras e as pessoas e empresas diretamente relacionadas com a temática constitucional em conflito, o Judiciário passa a ter um papel fundamental na implementação de políticas públicas ambientais. Casos como o RenovaBio e o fundo Amazônia ilustram a necessidade de articulação entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e os direitos assegurados pela CF/88. O princípio do poluidor-pagador e a equidade entre os agentes econômicos são alguns dos desafios que precisam ser analisados por meio desse diálogo colaborativo dentro do programa RenovaBio.

Portanto, a jurisdição constitucional não deve se limitar a decisões binárias, mas sim facilitar um espaço para consensos e soluções que garantam a efetividade da norma constitucional e dos compromissos internacionais ambientais. A governança judicial colaborativa é essencial para assegurar que o direito ao meio ambiente equilibrado seja uma realidade concreta, preservando-o para as gerações atuais e futuras, em conformidade com as diretrizes do Acordo de Paris e a CF/88.

__________

1 DA SILVA, Solange Teles. Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Avanços e Desafios. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito-PPGDir./UFRGS, n. 6, 2006.

2 NEGRI, Sandra; RODRIGUES, Leonel Cezar. Reforma Constitucional: Sistema Judiciário Brasileiro e a Inserção da Governança Colaborativa. Revista Internacional Consinter de Direito, p. 277-291, 2018.

3 DE QUEIROZ GOMES, Marianna. CONSIDERAÇÕES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO, EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 4, n. 7, p. 350-375, 2012.

4 Acórdão na íntegra disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=769826527 (ADO 59, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 03-11-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 15-08-2023  PUBLIC 16-08-2023)

5 Maiores informações sobre o RenovaBio disponíveis em https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/renovabio e também em https://www.migalhas.com.br/depeso/416519/renovabio-e-cbios-propostas-para-fortalecimento-e-sustentabilidade 

6 Informações sobre o Acordo de Paris disponível em https://antigo.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris.html 

7 Conforme reconhecido pelo STF em voto proferido pelo Min. Luís Roberto Barros na (ADPF 708, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 04-07-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194  DIVULG 27-09-2022  PUBLIC 28-09-2022), pág. 08 do voto.

8 CF. Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

9 (ADO 59, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 03-11-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 15-08-2023  PUBLIC 16-08-2023)

10 Dados obtidos do painel do STF, atualizados até 18/10/2024. Disponível em https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=cmc&pagina=apresentacao 

11 MENEGAZ, Luciane Cristina; DE ALMEIDA, Analice Kohler. A inserção do princípio do poluidor pagador na problemática dos resíduos sólidos no Brasil. Planeta Amazônia: Revista Internacional de Direito Ambiental e Políticas Públicas, n. 3, p. 135-144, 2011. P.140

12 Sobre o tema: (MARMELSTEIN, George. Efeito Backlash da Jurisdição Constitucional: reações políticas ao ativismo judicial. Terceiro Seminário Ítalo-Brasileiro, p. 3, 2016.); (DA SILVA BELO, Eliseu Antônio. A emenda da vaquejada e o efeito backlash. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº, v. 74, p. 51, 2019.); (ANDRÉA, Gianfranco Faggin Mastro. Supremo Tribunal Federal, comportamento estratégico e efeito backlash: o caso da descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 46, n. 147, p. 163-196, 2019).

13 STF ouve especialistas em audiência sobre lei do Marco Temporal. Nomes foram apresentados por integrantes da comissão especial e discutiram entraves e possíveis soluções para processos de demarcação e indenização. Disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-ouve-especialistas-em-audiencia-sobre-lei-do-marco-temporal/#:~:text=O%20Supremo%20Tribunal%20Federal%20realizou,processos%20de%20demarca%C3%A7%C3%A3o%20e%20indeniza%C3%A7%C3%A3o. 

Guilherme Veiga Chaves

Guilherme Veiga Chaves

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália. Advogado sócio do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

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