Tema 1.234 do STF: Responsabilidades no fornecimento de medicamentos não padronizados
O Tema 1.234 do STF definiu a responsabilidade dos entes federativos no fornecimento de medicamentos registrados pela Anvisa, mas não padronizados pelo SUS, e estabelecendo a competência jurisdicional.
terça-feira, 22 de outubro de 2024
Atualizado em 28 de outubro de 2024 08:42
1. Introdução
O fornecimento de medicamentos pelo SUS é uma questão central no debate sobre o acesso à saúde pública no Brasil. O Judiciário está abarrotado de processos que discutem de qual ente federativo é a responsabilidade para o fornecimento dos tratamentos médicos pleiteados pelos cidadãos, e a indecisão sobre a responsabilidade (e a competência) dificultava o trâmite de milhares de demandas.
No entanto, o STF recentemente decidiu colocar um ponto final nessa discussão. O tema 1.234 do STF (Leading Case RE 1366243), e recentemente julgado, lidou com um problema recorrente: a judicialização da saúde, especialmente em casos que envolvem medicamentos registrados pela Anvisa, mas não incorporados ao SUS.
A ratio decidendi do tema 1.234 do STF, ou seja, o fundamento jurídico central da decisão, residiu na necessidade da definição da competência e responsabilidade da União, dos Estados e dos municípios em ações judiciais que buscam o fornecimento de medicamentos registrados na Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mas não padronizados pelo SUS. Também se debruçou sobre qual é o papel da Justiça Federal.
2. Competência da Justiça Federal e os medicamentos não padronizados
Um dos principais aspectos do tema 1.234 é a definição de competência judicial.
A decisão estabeleceu que as ações envolvendo medicamentos não incorporados no SUS, mas registrados pela Anvisa, devem tramitar na Justiça Federal quando o valor do tratamento anual for igual ou superior a 210 salários-mínimos, de acordo com o PMVG - Preço Máximo de Venda do Governo estipulado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED)?.
Essa definição de competência é fundamental, pois cria um limite objetivo para a tramitação desses casos na Justiça Federal. Além disso, quando há mais de um medicamento com o mesmo princípio ativo e sem especificação de fármaco, considera-se aquele de menor valor na lista da CMED. Isso impede que o valor do tratamento seja artificialmente elevado e otimiza o uso de recursos públicos.
O tema 1.234 também estabeleceu que se existirem mais de um medicamento com o mesmo princípio ativo e o pedido não especificar um fármaco específico, considera-se sempre o medicamento de menor valor na lista da CMED. Se não houver valor fixado, o juiz pode solicitar ajuda da CMED para determinar o preço. Na ausência de resposta em tempo hábil, o juiz utilizará o orçamento trazido pela parte autora. Esta definição é importante para estabelecer o valor do tratamento e, por conseguinte, a competência.
Por fim, restou definido que em caso de pedidos cumulados, o valor do tratamento não incorporado será somado para fins de competência.
3. A União no polo passivo das demandas
Outro ponto central é a responsabilidade da União nas ações que visam o fornecimento de medicamentos não padronizados. O STF decidiu que, nesses casos, a União deve figurar obrigatoriamente no polo passivo da ação. Ou seja, ela pode ser demandada para fornecer o medicamento, independentemente de o fármaco estar ou não na lista de fornecimento do SUS?.
Essa decisão tem implicações amplas. Primeiro, impõe à União a obrigação de custear medicamentos que, embora registrados, não foram incluídos nas políticas públicas de saúde. Segundo, reconhece o direito dos cidadãos de exigir judicialmente o acesso a tratamentos de alto custo, mesmo fora das listas do SUS.
4. Critérios para Definição de Medicamentos Não Incorporados
O tema 1.234 também define claramente o que são medicamentos não incorporados nas políticas do SUS. Eles incluem:
- Medicamentos que não constam nas listas de fornecimento regular do SUS;
- Medicamentos previstos em PCDT - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas para outras finalidades;
- Medicamentos sem registro na Anvisa;
- Medicamentos usados fora da bula (off-label)?.
Essa classificação é importante porque oferece uma base jurídica para que os juízes possam determinar se um medicamento solicitado se enquadra ou não nas obrigações de fornecimento pela União.
5. Custeio e repasses entre União, Estados e municípios
A decisão também aborda como deve ser feito o custeio dos medicamentos.
A União será responsável pelo custeio integral dos medicamentos, inclusive os não incorporados nas políticas do SUS, quando esses estiverem na competência da Justiça Federal.
Caso os Estados ou unicípios sejam envolvidos, o ressarcimento será feito via repasse Fundo a Fundo (do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Estadual ou Municipal de Saúde). Esse repasse ocorrerá quando houver redirecionamento da ação por impossibilidade de cumprimento pela União, e o mecanismo buscará evitar a sobrecarga financeira dos entes federativos e garantir que os medicamentos sejam fornecidos de maneira eficiente.
Se necessário para o cumprimento da decisão, o juiz poderá incluir o Estado ou o município no polo passivo, sem que isso gere responsabilidade financeira adicional ou ônus de sucumbência para esses entes.
6. Implicações para a judicialização da saúde
O tema 1.234 estabeleceu que na decisão judicial que determinar o fornecimento de medicamentos, o preço de venda deverá ser limitado ao valor com desconto proposto durante o processo de incorporação pela Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, observando-se os reajustes anuais de preços da CMED.
O pagamento judicial aos fabricantes ou distribuidores não poderá exceder o teto do PMVG - Preço Máximo de Venda do Governo, e a operacionalização desses valores deve ser realizada diretamente pela serventia judicial.
O Poder Judiciário, ao analisar um pedido de medicamento não incorporado, deverá obrigatoriamente examinar o ato administrativo de indeferimento da Conitec ou a negativa do SUS em fornecer o medicamento. Isso será exigido sob pena de nulidade do ato jurisdicional, conforme os arts. 489, § 1º, V e VI, c/c 927, III, §1º, do CPC?.
Portanto, o tema 1.234 do STF estabeleceu parâmetros complexos sobre a competência e a responsabilidade da União e dos demais entes federativos no fornecimento de medicamentos não padronizados pelo SUS. Isso, por um lado, pode reduzir a incerteza jurídica e aumentar a eficiência nas decisões sobre o acesso a tratamentos de alto custo, mas por outro poderá causar dificuldades para a efetivação do direito à saúde.
7. Conclusão
O tema 1.234 representa um marco na definição das responsabilidades dos entes federativos e da competência jurisdicional para casos envolvendo medicamentos não padronizados pelo SUS. Ele estabeleceu critérios objetivos para a competência judicial e obrigações dos entes federativos, além de criar um sistema de ressarcimento para os entes federativos envolvidos. No entanto, as implicações dessa decisão precisam ser monitoradas para garantir que o direito à saúde seja garantido de maneira sustentável e equitativa.
Evilasio Tenorio
Advogado especialista em Direito da Saúde e Direito Civil. Titular do TSA - Tenorio da Silva Advocacia, escritório considerado referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e do SUS.