MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Sanções por atos de improbidade administrativa: Aplicação indistinta entre agentes públicos e particulares à luz da lei 8.429/92 e a recente decisão do STJ sobre o assunto

Sanções por atos de improbidade administrativa: Aplicação indistinta entre agentes públicos e particulares à luz da lei 8.429/92 e a recente decisão do STJ sobre o assunto

O STJ decidiu que sanções por improbidade administrativa devem ser aplicadas igualmente a particulares e agentes públicos, sem distinção.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Atualizado em 17 de outubro de 2024 13:35

A 1ª turma do STJ decidiu, de forma unânime, que as sanções de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público devem ser aplicadas, indistintamente, tanto a particulares quanto a agentes públicos envolvidos em atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário.

Anteriormente, o Tribunal Regional Federal da 5ª região havia limitado essas sanções, aplicando a suspensão dos direitos políticos exclusivamente aos agentes públicos e restringindo a proibição de contratar com a Administração Pública a um único particular que exercia atividade empresarial.

Para o TRF-5, no caso, a aplicação das sanções de suspensão de direitos políticos aos particulares e de proibição de contratar com a Administração Pública para os agentes públicos era inócua.

Isso porque, segundo o Tribunal, os particulares não exerciam cargos eletivos e, portanto, não teriam mandatos a perder em decorrência da imposição da sanção. Em relação aos agentes públicos, a proibição de contratar com a Administração seria, igualmente, inútil, pois os servidores públicos não exerciam atividade empresarial.

MPF - Ministério Público Federal recorreu dessa decisão ao STJ, alegando violação ao art. 12, inciso II, da lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92 - LIA), dispositivo que prevê as sanções aplicáveis aos casos de atos ímprobos que causem prejuízo ao erário.

No julgamento do REsp 1.735.603, o STJ acatou as alegações feitas pelo MPF ao concluir que a LIA não diferencia particulares e agentes públicos na fixação das sanções previstas em seu art. 12, inciso II.

A redação do referido dispositivo, à época dos fatos, era a seguinte:

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. (Grifamos)

Como se vê, de fato, para fins de aplicação das sanções pela prática de atos ímprobos que causem lesão ao erário, não há diferenciação de tratamento entre particulares e agentes públicos. Não há, tampouco, qualquer definição de critérios que justifiquem a determinação de sanções diferentes para um, ou para outro.

Assim, de acordo com o relator do REsp 1.735.603, ministro Gurgel de Faria, ambas as sanções (suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios) podem ser aplicadas a todos os réus que cometeram o ato ímprobo, agentes públicos ou particulares, sem distinção.

Em relação à impertinência da aplicação da sanção de suspensão de direitos políticos aos particulares que não exerciam mandatos políticos, conforme apontada pelo TRF5, o ministro relator esclareceu que a suspensão política não se limita à chamada "capacidade eleitoral passiva", ou seja, ao direito de ser votado. Ela abrange, igualmente, a "capacidade eleitoral ativa", isto é, a capacidade de votar.

A propósito, nesse mesmo sentido, no julgamento do RE - Recurso Extraordinário 744.034, o STF firmou o entendimento de que a sanção de suspensão dos direitos políticos àqueles que cometem ato de improbidade administrativa abarca tanto a capacidade eleitoral ativa (ius suffragii) como a passiva (ius honorum).

Em outras palavras, no caso julgado recentemente pelo STJ, perder o cargo eletivo não seria o único efeito possível da sanção aplicada aos particulares, pois estes perderiam, igualmente, o direito de votar, isto é, o exercício de sua capacidade eleitoral ativa. Ademais, poderiam os particulares virem a concorrer a cargo eletivo no futuro, sendo, neste caso e também por essa razão, impactados pela decisão.

Da mesma forma, não se pode afirmar a inutilidade da aplicação da sanção de proibição de contratar com o Poder Público aos agentes públicos que não exerciam atividade empresarial, eis que estes poderiam optar por exercê-la no futuro e, assim, estarem impedidos de contratar com a Administração em virtude da prática do ato ímprobo.

Em resumo, de acordo com o STJ, no julgamento do REsp 1.735.603, a distinção na aplicação das sanções aos agentes públicos e particulares não se justifica:

  1. Pois a LIA não distingue agentes públicos e particulares para os fins de aplicação das sanções previstas em seu artigo 12, inciso II e
  2. Com base na inutilidade e impertinência da sua aplicação, eis que tanto o fato de os particulares não exercerem cargo eletivo, como os agentes públicos não praticarem atividade empresarial, podem ser meras causas transitórias.

Sob esses fundamentos, o STJ estendeu a suspensão dos direitos políticos a todos os particulares envolvidos na prática do ato de improbidade e determinou a proibição de contratar com a Administração Pública aos agentes públicos que praticaram o ato de lesão ao erário.

A decisão do STJ demonstra a seriedade com que se deve tratar os atos de improbidade administrativa, reforçando a aplicação imparcial das sanções previstas na LIA.

Ao rechaçar a distinção de tratamento entre agentes públicos e particulares, a Corte reafirma que todos aqueles que, de alguma forma, participam desses atos devem ser responsabilizados com o rigor da lei, independentemente de sua posição ou função.

Diante desse entendimento, é fundamental que tanto agentes públicos quanto particulares estejam atentos às implicações de suas condutas, buscando sempre atuar dentro dos limites da legalidade e da ética.

É importante ressaltar que a aplicação de sanções como a suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público pode ter impactos profundos e duradouros, afetando não apenas a atuação atual, mas também futuras oportunidades profissionais e políticas.

Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo

Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo

Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Salamanca, Espanha e em Direito Público pela PUC-SP.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca