A discriminação na dispensa de trabalhadores portadores de doença psiquiátrica
A demissão de trabalhadores com doenças psiquiátricas é considerada discriminatória pela Justiça do Trabalho, garantindo proteção e indenização ao afetado.
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
Atualizado em 17 de outubro de 2024 14:19
A demissão de trabalhadores portadores de doenças psiquiátricas, como depressão, síndrome de burnout e transtorno bipolar, tem sido amplamente discutida na Justiça do Trabalho, especialmente sob a ótica de práticas discriminatórias. A crescente conscientização sobre o impacto dessas condições e a necessidade de proteção contra dispensas arbitrárias ou discriminatórias reforçam a relevância desse debate.
A proteção da lei 9.029/95
A lei 9.029/95 proíbe práticas discriminatórias nas relações de trabalho, abrangendo não apenas os motivos expressamente indicados, como sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar e deficiência, mas também outras situações que suscitam preconceito, como as doenças psiquiátricas. Importante destacar que o rol de doenças e condições discriminatórias dessa legislação é meramente exemplificativo. Nesse sentido, doenças psiquiátricas, apesar de não mencionadas explicitamente, podem ensejar o reconhecimento de discriminação na dispensa, de acordo com a interpretação já consolidada na jurisprudência.
A jurisprudência e o entendimento dos tribunais
A jurisprudência trabalhista tem consolidado o entendimento de que a demissão de trabalhadores portadores de doenças graves, inclusive as psiquiátricas, pode ser presumida discriminatória, conforme a súmula 443 do TST. Essa súmula estabelece que a dispensa de empregado acometido por doença que gere estigma ou preconceito, como as doenças psiquiátricas, é presumidamente discriminatória, cabendo ao empregador o ônus de provar que a demissão ocorreu por outro motivo que não a condição de saúde do trabalhador.
Um exemplo claro desse entendimento é o julgamento do agravo de instrumento em recurso de revista 0000759-54.2018.5.05.0038, em que o TST manteve a nulidade da dispensa de um trabalhador acometido de depressão, por entender que essa é uma doença grave, capaz de gerar estigma e preconceito, levando à presunção de dispensa discriminatória?. No referido caso, o TST reafirmou a necessidade de o empregador provar que a dispensa não teve caráter discriminatório, conforme a súmula 443.
Além disso, o TRT da 4ª região, no processo 0020653-21.2021.5.04.0561, reconheceu como discriminatória a demissão de um trabalhador portador de transtorno psiquiátrico, resultando na condenação da empresa a pagar indenização por danos morais?. Outro caso relevante é o acórdão do TRT-9, processo 0001145-93.2020.5.09.0041, que reforça a presunção de discriminação nas dispensas de trabalhadores acometidos por doenças graves que geram estigma, como os transtornos psiquiátricos. Nesse julgamento, o tribunal reiterou que cabe ao empregador demonstrar que a dispensa ocorreu por outro motivo que não a condição de saúde do trabalhador, nos termos da súmula 443 do TST?.
A não necessidade de doença ocupacional
Um ponto importante na análise da dispensa discriminatória é que não se exige que a doença tenha origem ocupacional para se caracterizar como discriminação. Independentemente da causa da doença, o que importa é a natureza grave da condição de saúde, que pode suscitar estigma ou preconceito. Assim, mesmo que a doença psiquiátrica não tenha sido adquirida no ambiente de trabalho, a dispensa pode ser presumida discriminatória se a enfermidade for grave e estiver associada a estigmas sociais.
O TST, em decisão recente no agravo de instrumento em recurso de revista 0000759-54.2018.5.05.0038, reforçou esse entendimento, declarando que a depressão é uma doença grave que limita as condições psicológicas e físicas do trabalhador, levando à presunção de dispensa discriminatória. Essa interpretação alinha-se com a legislação vigente e com a súmula 443, que protege o trabalhador contra dispensas arbitrárias por razões ligadas à sua condição de saúde?.
O direito à indenização e à reintegração
Nos casos em que se reconhece a dispensa discriminatória, o trabalhador tem direito à reparação moral, como previsto na lei 9.029/95. Essa reparação tem o objetivo de compensar os danos sofridos, seja por meio de indenização financeira, seja pela reintegração ao emprego, garantindo ao trabalhador a preservação de sua dignidade e seus direitos laborais.
Além disso, a jurisprudência tem avançado no sentido de proteger trabalhadores portadores de doenças psiquiátricas, assegurando que o ato de dispensa imotivada seja revertido em casos de discriminação. No caso do TST - Ag-AIRR 0000759-54.2018.5.05.0038, o tribunal manteve a sentença que declarou a nulidade da dispensa, reafirmando que o empregador deve provar a inexistência de discriminação, uma vez que a depressão é considerada uma doença estigmatizante.
Considerações finais
A dispensa de trabalhadores portadores de doenças psiquiátricas, como depressão e transtorno bipolar, é uma prática que, à luz da jurisprudência, pode ser considerada discriminatória. A Justiça do Trabalho tem adotado uma postura rigorosa no combate a tais práticas, especialmente com base na súmula 443 do TST e na lei 9.029/95, que garantem a proteção contra demissões arbitrárias e discriminatórias.
Se você é um trabalhador que foi demitido nessas condições, é fundamental procurar orientação jurídica especializada com um advogado trabalhista experiente. A advocacia trabalhista desempenha um papel crucial na defesa dos direitos dos trabalhadores, identificando práticas discriminatórias e buscando a reparação adequada.
Antonia de Maria Ximenes Oliveira
Advogada especializada em Direito do Trabalho, Diretora Jurídica do SPC/RJ; Delegada da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ; possui especializações em Direito do trabalho como MBA em Acidente de trabalho/doenças ocupacionais, e em Direito Constitucional e Direitos Humanos - pela Universidade de Coimbra/PT.