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Comercialização irregular de milhas e os desafios na advocacia

Gabriela Thais Theisen

O crescimento do mercado de milhas aéreas no Brasil e os desafios legais da comercialização irregular, destacando a validade das cláusulas que restringem a cessão.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Atualizado em 16 de outubro de 2024 14:52

O mercado de milhas aéreas no Brasil, impulsionado pelos programas de fidelidade como Smiles, Latam Pass e TudoAzul, tem mostrado grande expansão, oferecendo aos consumidores uma ampla gama de benefícios. No entanto, com esse crescimento, surgiram desafios, principalmente relacionados à comercialização irregular dessas milhas, resultando em um aumento considerável de disputas jurídicas.

Esses programas permitem o acúmulo de milhas que podem ser trocadas por passagens, produtos e serviços, e contam com parcerias que ampliam ainda mais as opções de uso. Apesar disso, os termos contratuais desses programas geralmente proíbem a venda ou transferência de milhas a terceiros fora das plataformas autorizadas. A comercialização irregular ocorre quando essas transações são feitas fora das regras contratuais, resultando em um mercado paralelo.

O comércio irregular de milhas é uma questão extremamente séria e, infelizmente, muito comum. É impressionante como um número significativo de pessoas continua participando dessas transações ilícitas, mesmo tendo plena consciência das proibições claras nos contratos dos programas de milhagem. O fato é que, ao aderirem a esses programas, os consumidores são civilmente capazes, ou seja, têm capacidade total de compreender os termos e condições estabelecidos. Eles leem os contratos, concordam com o regulamento que proíbe expressamente a venda de milhas, e ainda assim, muitos escolhem desrespeitar essas cláusulas.

Esse comportamento é preocupante, pois não se trata de falta de informação ou desconhecimento das regras. As pessoas sabem que estão infringindo os contratos e, apesar disso, continuam a comercializar suas milhas de forma irregular. Isso reforça a importância de combater essas práticas, que comprometem a integridade dos programas de fidelidade e resultam em consequências jurídicas graves para as companhias aéreas e os envolvidos.

Desse modo, as companhias aéreas têm adotado medidas para conter essa prática, como o cancelamento de bilhetes emitidos irregularmente e o bloqueio de contas envolvidas, o que gera um aumento no número de litígios. Contudo, um dos principais desafios nesse cenário é a ausência de uma legislação específica que regule a comercialização de milhas no Brasil, o que leva as disputas a serem resolvidas com base nos contratos dos programas e no CDC - Código de Defesa do Consumidor.

A jurisprudência tem se consolidado a favor das companhias aéreas, reconhecendo a validade das cláusulas que restringem a cessão de milhas, conforme demonstrado em um julgado recente do STJ, que confirmou que as cláusulas que restringem a cessão de milhas são válidas, uma vez que as milhas são uma bonificação gratuita concedida como recompensa pela fidelidade do consumidor.

Vejamos:

Os programas de milhas estabelecidos pelas companhias aéreas não possuem regulamentação legal, aplicando-se as regras gerais dos contratos e das obrigações dispostas no Código Civil, bem como a legislação consumerista, pois indubitavelmente está configurada uma relação de consumo entre a companhia aérea e seu cliente. (...) Vê-se que os pontos do programa de milhas são bonificações gratuitas concedidas pela companhia aérea ao consumidor em decorrência da sua fidelidade, de modo que não está caracterizada a abusividade da cláusula que restringe sua cessão... (STJ - REsp: 2.011.456. Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 08/03/24)

Dessa forma, a comercialização irregular de milhas impõe desafios significativos à advocacia, especialmente na defesa dos interesses das companhias aéreas. A jurisprudência recente tem validado as cláusulas contratuais que restringem a cessão de milhas, confirmando a legalidade de medidas como o cancelamento de bilhetes emitidos irregularmente e o bloqueio de contas envolvidas em tais transações. Esse entendimento jurídico reforça a importância de estratégias bem estruturadas para advogados que atuam nesse tipo de litígio, à medida que buscam proteger a integridade dos programas de fidelidade e prevenir o uso indevido dos benefícios oferecidos aos consumidores.

Com o crescimento contínuo do mercado de milhas, a discussão sobre a regulamentação da comercialização e os direitos das empresas nesse setor tende a se intensificar, podendo resultar em novas normativas que ofereçam maior clareza e segurança jurídica para todas as partes envolvidas.

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Disponível em: https://www.smiles.com.br/regulamento-do-programa-smiles . Acesso em 12 de outubro de 2024.

Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/07062024-Companhias-aereas-podem-proibir-venda-de-milhas-em-programas-de-fidelidade--define-Terceira-Turma.aspx. Acesso em 11 de outubro de 2024.

Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/06/18/empresa-aerea-pode-proibir-venda-de-milhas-diz-stj.ghtml. Acesso em 11 de outubro de 2024.

Gabriela Thais Theisen

Gabriela Thais Theisen

Advogada na Mascarenhas Barbosa Advogados.

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