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Impactos da reforma tributária no planejamento patrimonial e sucessório: Adequações e oportunidades

A reforma tributária de 2023 impacta diretamente o planejamento patrimonial e sucessório, exigindo ajustes nas estratégias de sucessão e proteção patrimonial.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Atualizado em 16 de outubro de 2024 14:40

A reforma tributária, implementada pela EC 132/23, levanta importantes reflexões sobre os impactos no planejamento patrimonial e sucessório, por se tratar de planejamento que, não como objetivo principal, mas busca-se minimizar a carga tributária e promover uma gestão mais eficiente do patrimônio familiar. Assim, as novas regras podem implicar em ajustes nas estratégias de sucessão e proteção patrimonial.

O que é um planejamento patrimonial e sucessório?

O planejamento patrimonial e sucessório é um conjunto de estratégias jurídicas voltadas à gestão e proteção do patrimônio de uma família, mantendo-o em linha vertical (ascendentes e descendentes). Por meio dele é possível antecipar a transmissão de bens e direitos do proprietário, ainda em vida, aos seus herdeiros, para fins de evitar conflitos familiares e perdas financeiras após o falecimento do titular deste patrimônio.

As possíveis economias tributárias derivadas do planejamento patrimonial e sucessório não são - e não devem ser - o objetivo principal deste tipo de operação. Todavia, a redução da carga tributária é consequência, quase que automática, do planejamento patrimonial e sucessório. Não deve ser ignorado, portanto, esta valiosa vantagem permitida por este tipo de operação.

Neste sentido, o planejamento patrimonial e sucessório trata-se de estratégias que permitem garantir a continuidade dos negócios, especialmente no contexto de empresas familiares, já que 70% delas, segundo o IBGE, encerram as suas atividades com a morte do seu fundador. Assim, visando a continuidade de seus negócios, este tipo de operação se tornou prática consolidada entre empresários brasileiros de destaque, como foi o caso do saudoso Silvio Santos, falecido neste ano de 2024.

Como o próprio nome diz, o planejamento patrimonial e sucessório é estruturado em duas fases, as quais, em resumo, são:

1ª Fase - Planejamento patrimonial: Nesta fase, todo o patrimônio da família é analisado e organizado. 

2ª Fase - Planejamento sucessório: Nesta fase ocorre a doação - ou estruturação da sucessão quando do falecimento - dos bens aos herdeiros com os gravames de cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade, reversão e usufruto.

Diante da importância do planejamento patrimonial e sucessório para a prosperidade dos negócios familiares, torna-se imprescindível se manter atualizado acerca de todas as questões que o envolvem, especialmente de cunho tributário, dadas as recentes alterações do ITCMD - Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, um dos principais impostos incidentes neste tipo de operação.

Alterações trazidas pela reforma tributária (EC 132/23):

Na 2ª fase do planejamento patrimonial e sucessório, para a manutenção dos bens da família em linha vertical (ascendentes e descendentes), comumente adota-se a estratégia de antecipar a sucessão do patrimônio, através da doação dos bens do titular aos seus herdeiros com os devidos gravames, conforme acima explicado.

Neste sentido, na esfera tributária, a transmissão de bens e direitos decorrente de falecimento ou doação configura o fato gerador do ITCMD de quaisquer bens ou direitos. Assim, ao receber bens ou direitos por herança ou doação, surge a obrigação de recolher o ITCMD ao fisco estadual competente.

Embora a previsão do imposto seja constitucional, os estados têm autonomia para legislar sobre sua base de cálculo, geralmente representada pelo valor dos bens herdados ou doados, e sobre a alíquota aplicável, desde que respeitado o limite máximo de 8%, conforme a resolução do Senado Federal 09/92.

Com a reforma tributária, implementada pela EC 132/23, foram introduzidas alterações importantes no ITCMD. A principal mudança, que terá grande impacto em estados como São Paulo, é a obrigatoriedade da progressividade da alíquota, observado o limite de 8%. A reforma tributária exige que estados que aplicavam alíquotas fixas, como São Paulo (4%), ajustem-se ao novo preceito constitucional.

Essa progressividade busca adequar a tributação à capacidade contributiva dos contribuintes, podendo resultar em aumento ou diminuição da carga tributária, conforme o valor do bem ou direito transmitido. Portanto, essas novas alíquotas precisam ser consideradas e estimadas no planejamento patrimonial e sucessório.

Outra mudança significativa é a alteração da competência para a cobrança do ITCMD sobre heranças. Antes, a competência era do Estado onde tramitava o inventário, exceto para bens imóveis, cuja competência era do estado onde se situavam. Com a reforma, a competência passa a ser do Estado onde o falecido era domiciliado, mantendo-se a regra para imóveis.

Por fim, a reforma tributária também incluiu a incidência do ITCMD sobre heranças e doações feitas no exterior, sem a necessidade de lei complementar, exigida anteriormente pelo STF. De acordo com as novas regras, se o doador for domiciliado ou residente no exterior, a competência para a cobrança do imposto será do estado onde o donatário reside. Caso o donatário também seja residente ou domiciliado no exterior, a competência será do estado onde o bem estiver localizado. 

Em relação às heranças, a competência será do estado onde o de cujus era domiciliado ou, caso o falecido residisse no exterior, do estado onde o sucessor ou legatário estiver domiciliado.

Isto posto, cabe apresentar um resumo das alterações:

  • Progressividade da alíquota: A alíquota do ITCMD passa a ser progressiva, com limite máximo de 8%, afetando estados como São Paulo que utilizavam alíquotas fixas (atualmente 4%);
  • Competência para cobrança sobre heranças: A competência para cobrar o ITCMD agora é do estado onde o falecido (de cujus) era domiciliado, mantendo a regra de bens imóveis no estado onde estão localizados.
  • Incidência sobre heranças e doações no exterior: O ITCMD passa a incidir sobre heranças e doações no exterior, sem a necessidade de lei complementar, conforme novas regras de competência para doadores e donatários domiciliados fora do Brasil.

A progressividade do ITCMD no Estado de São Paulo:

Cabe ressaltar que já tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o PL 07/24, que propõe a instituição das alíquotas progressivas do ITCMD. O projeto prevê alíquotas de 2%, 4%, 6% e 8%, aplicáveis sobre faixas de valor estabelecidas para a base de cálculo. 

A apuração será realizada por meio da decomposição do valor total dos bens e direitos em faixas específicas, com a aplicação de cada alíquota correspondente à sua respectiva faixa de valor. Veja na tabela abaixo a progressividade proposta:

Base de cálculo

Alíquota

Até R$ 353.600,00 (10.000 UFESPs)

2%

De R$ 353.600,01 (10.000 UFESPs) a R$ 3.005.600,00 (85.000 UFESPs)

4%

De R$ 3.005.600,01 (85.000 UFESPs) a R$ 9.900.800,00 (280.000 UFESPs)

6%

Acima de R$ 9.900.800,01 (280.000 UFESPs)

8%

Cumpre ressaltar, não foi prevista alteração referente às isenções disciplinadas no art. 6º da lei 10.705/00, levando a entender, portanto, que estas serão mantidas. Assim, para a aplicação do novo regime progressivo de alíquotas, que será obrigatório após a aprovação do PL 07/24, deverá ser observada a faixa de isenção, que atualmente, na doação, compreende o valor de até 2.500 UFESPs, correspondendo a R$88.400,00 para o ano de 2024. 

O PL 07/24 segue em tramitação ordinária, com o seu último andamento registrado em 19/3/24, quando foi encaminhado à Comissão de Finanças, Orçamentos e Planejamento. Logo, não há previsão para a sua aprovação, podendo ocorrer ainda este ano, caso decidam tratar como urgência.

Todavia, as alíquotas já podem ser consideradas para o planejamento patrimonial e sucessório, de modo a decidir se é mais vantajoso correr e utilizar-se da legislação ainda vigente, que prevê uma alíquota fixa de 4%, ou aguardar a vigência do regime progressivo do ITCMD.

Considerações finais:

Diante das mudanças trazidas pela EC 132/23, o planejamento patrimonial e sucessório torna-se ainda mais relevante e necessário. As alterações no regime do ITCMD, como a progressividade das alíquotas e a nova competência para a cobrança sobre heranças e doações, por certo acarretarão adaptações nas estratégias utilizadas para garantir a proteção e a eficiência fiscal do patrimônio familiar.

A progressividade do ITCMD, especialmente no Estado de São Paulo, terá um impacto significativo, exigindo atenção redobrada no planejamento, principalmente para aqueles que lidam com patrimônios de maior valor. A possibilidade de aumento na carga tributária reforça a importância de analisar os cenários e considerar as novas alíquotas no momento de realizar ou revisar planejamentos.

Por fim, com a ampliação da competência para tributar heranças e doações do exterior, é essencial que as estratégias contemplem também situações envolvendo bens e pessoas domiciliadas fora do Brasil.

Diante desse novo panorama, manter-se atualizado sobre a evolução legislativa e adotar uma abordagem proativa no planejamento patrimonial e sucessório é fundamental para garantir a segurança e a preservação dos patrimônios envolvidos.

___________

1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 29 de julho de 2009. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm. Acesso em: 06 out. 2024.

2 JORNAL DA USP. Empresas familiares representam 90% dos empreendimentos no Brasil. Jornal da USP, 03 out. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/atualidades-em-dia-com-o-direito-boletim-18-10-empresas-familiares-representam-90-dos-empreendimentos-no-brasil/. Acesso em: 06 out. 2024. 

3 SÃO PAULO (Estado). Projeto de Lei nº 54, de 2024. Altera a Lei nº 10.705, de 28 de dezembro. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/spl/2024/02/Propositura/1000541335_1000681296_Propositura.pdf. Acesso em: 06 out. 2024.

Beatriz Giansante Moquiute

Beatriz Giansante Moquiute

Advogada, graduada em direito, com ênfase em direito tributário, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2021), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2022). Pós-Graduada e especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) (2022-2023). Advogada e Líder do Departamento Tributário no TM Associados

Leonardo Theon de Moraes

Leonardo Theon de Moraes

Sócio fundador do TM Associados. Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012).

Anna Paula Piovesan Pinheiro

Anna Paula Piovesan Pinheiro

Advogada, graduada em direito, com ênfase em direito civil, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2021), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2021). Pós-Graduada e especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) (2022-2023). Autora de artigos. Membro do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Advogada e Líder do Departamento Corporativo Financeiro no TM Associados.

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