Tributação da venda de imóveis: Receita operacional ou ganho de capital?
No contexto da exploração da atividade imobiliária, a venda de imóveis promovida por empresas sujeitas ao lucro presumido pode ensejar a apuração de receita operacional ou ganho de capital.
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
Atualizado às 09:21
No contexto da exploração da atividade imobiliária, a venda de imóveis próprios promovida por empresas sujeitas ao lucro presumido se submete a dois tratamentos tributários, a depender da classificação contábil do bem objeto da operação.
Tendo o bem sido classificado no ativo circulante, o produto da venda será considerado como receita operacional a ser tributada pelos percentuais de presunção de 8% e 12%, para fins de apuração, respectivamente, do IRPJ e da CSLL, com a posterior aplicação da alíquota total de 34% (15% + 10% de adicional + 9%). Incidirão também o PIS e a Cofins pela alíquota total de 3,65%, de sorte que, ao final, esses tributos, somados, representarão 6,73% do valor da venda.
Por outro lado, estando o bem classificado no ativo não circulante, haverá a apuração de ganho de capital [valor de venda (-) valor contábil] tributável pelo IRPJ e CSLL. Não haverá incidência de PIS e COFINS sobre a operação, por expressa disposição legal.
Geralmente, a venda considerada como receita operacional, submetida aos percentuais de presunção do IRPJ e da CSLL, enseja carga tributária mais vantajosa ao contribuinte.
Nesse contexto, a reclassificação contábil artificial dos imóveis (do ativo não circulante para o ativo circulante), feita pelos contribuintes para gerar fictícia receita operacional e afastar a apuração de ganho de capital, é coibida pela Receita Federal mediante a lavratura de autos de infração.
Por outro lado, uma prévia reclassificação contábil do imóvel objeto da venda, do ativo não circulante para o ativo circulante, feita para acompanhar a dinamicidade da atividade empresarial, não pode ser questionada pelo fisco.
Pela perspectiva da Receita Federal (SC Cosit 7, de 2021), nos casos em que o contribuinte apura com habitualidade receitas imobiliárias [venda e locação] refletindo o que consta expressamente de seu objeto social, a venda de imóvel previamente reclassificado para o ativo não circulante será tributada como receita operacional, e não como ganho de capital.
Com base nessa lógica, mesmo que imóveis anteriormente destinados à locação (e, portanto, escriturados no ativo não circulante) tenham sido reclassificados para o ativo circulante, a respectiva venda deverá ser considerada como receita operacional. Afinal, nessa hipótese, "as receitas originárias, diretamente decorrentes das operações em si e o lucro, ambos originados dessas atividades [imobiliárias], devem ser considerados [...] como receita bruta e lucro operacional".1
Porém, de acordo com as ressalvas estabelecidas pela SC Cosit 7, de 2021, nem toda reclassificação contábil para o ativo não circulante autorizará a apuração de receita operacional.
De acordo com essas ressalvas, haverá ganho de capital (e não receita operacional) caso o imóvel vendido, no passado, tenha sido escriturado na conta do ativo imobilizado (não circulante), e, portanto, utilizado para a manutenção das atividades da empresa; ou (b) gerado rendimentos "de forma estranha às suas operações, inclusive no que se refere à manutenção do imóvel exclusivamente para valorização".
Em nossa visão, porém, as ressalvas contidas na SC Cosit 7, de 2021, têm o potencial de impedir que genuínas receitas operacionais sejam tratadas como tal, o que promove ilegal oneração do contribuinte, já que, pela perspectiva da Receita Federal, deverá apurar ganho de capital na operação.
O fato de um imóvel já ter sido registrado na conta contábil do ativo imobilizado (não circulante) da empresa, para, por exemplo, ser utilizado no desenvolvimento de atividades administrativas, não impede sua reclassificação para a conta do ativo circulante, diante de intenção de venda expressada pela entidade em razão da alteração dos rumos empresariais.
Desde que a atividade de exploração imobiliária conste do objeto social, e, para aumentar ainda mais o prognóstico de êxito numa eventual demanda, haja efetivo desenvolvimento da atividade imobiliária, será legítima a reclassificação do ativo não circulante para o ativo circulante2, o que atenderá o princípio contábil da essência sobre a forma.
Nada mais razoável, pois, nessa hipótese, a reclassificação contábil do ativo retratará fidedignamente o novo contexto empresarial da entidade, e a sua venda gerará receita operacional.
Portanto, acreditamos que efetivas mudanças no rumo da atividade empresarial são capazes de justificar as reclassificações contábeis dos ativos imobiliários, que, em caso de venda, deverão ser tributados como receita operacional e não como ganho de capital.
___________
1 Esse entendimento também foi adotado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF no AC nº 9101-005.772: "Novamente retornando ao caso concreto, e à luz do tratamento contábil e tributário a ser dado aos imóveis classificados em Propriedade para Investimento - gerando receitas operacionais de aluguéis - sequer deveriam ser classificados inicialmente como Ativo Imobilizado, e, ainda que o fosse e posteriormente reclassificados para Estoques, tal fato não teria o condão de determinar a apuração de ganho de capital em sua alienação, uma vez que tanto a locação, quanto a atividade de compra e venda de imóveis, eram atividades contidas no objeto social da Autuada, não podendo, portanto, subsistir a exigência fiscal em debate".
2 Ao apresentar a declaração de voto no Acórdão nº 9101-005.772 (1ª Turma da CSRF do CARF), o então Conselheiro Caio Nader Quintella assim se manifestou: "Nesse sentido, não se pode aceitar ficar uma empresa condenada à imutabilidade da exploração de determinadas atividades operacionais, sendo livre e garantida a alteração de seu objeto e da classificação contábil de seu acerco, para se enveredar por outras iniciativas, a qualquer tempo, valendo-se do patrimônio que já possui".
Aurélio Longo Guerzoni
Sócio do Guerzoni Advogados, com atuação em direito tributário desde 2008. É especialista (2013) e mestre (2020) em direito tributário pela FGV/SP.