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A necessária comprovação de prejuízo efetivo, pela nova redação da lei de improbidade administrativa

A lei 14.230/21 exige comprovação de prejuízo efetivo em casos de improbidade administrativa, fortalecendo a justiça e a defesa de direitos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Atualizado em 15 de outubro de 2024 13:41

A alteração promovida pela lei 14.230/21 trouxe significativas inovações ao regime jurídico da improbidade administrativa no Brasil, modificando diversos aspectos da lei 8.429/92, conhecida como LIA - Lei de Improbidade Administrativa.

Um dos pontos centrais dessa reforma foi a introdução da exigência da comprovação de prejuízo efetivo ao erário para a caracterização de atos de improbidade previstos no art. 10 da LIA. Essa mudança contrasta com a redação anterior da lei, que, embora não previsse expressamente a necessidade de comprovação do dano, permitia a condenação com base no chamado "dano presumido". Essa presunção permitia, em determinados casos, a aplicação de sanções mesmo sem a demonstração concreta de que os cofres públicos haviam sido efetivamente lesados.

Antes da reforma legislativa, o STJ adotava um entendimento consolidado de que o prejuízo ao erário poderia ser presumido, permitindo a condenação de agentes públicos e privados sem a necessidade de uma prova direta de dano. Esse entendimento era bastante comum em casos de licitações, contratos administrativos e, principalmente, nas ações fundadas no art. 10 da lei de improbidade administrativa, que trata de atos que causam lesão ao erário. Assim, mesmo que o serviço ou bem contratado tivesse sido devidamente entregue ou executado, o simples fato de o processo de contratação ter violado os ditames legais já poderia configurar a prática de ato de improbidade, levando à condenação dos responsáveis.

No entanto, com a edição da lei 14.230/21, adotou-se nova interpretação dessa hipótese. A nova redação do art. 10 da LIA passou a exigir expressamente que a lesão ao erário seja efetiva e comprovada, isto é, a mera violação formal da legalidade sem a demonstração concreta de que houve prejuízo aos cofres públicos não é mais suficiente para caracterizar o ato de improbidade administrativa. Esse novo requisito, introduzido pela reforma, trouxe uma abordagem importante e mais rigorosa em relação à necessidade de prova do dano, elevando o padrão probatório para condenações nesse tipo de ação.

Essa mudança foi recentemente consolidada pela 1ª turma do STJ no julgamento do RE 1.929.685 - TO. Nesse julgamento, o STJ reforçou que, mesmo em processos que tratem de fatos ocorridos antes da vigência da lei 14.230/21, mas que ainda estejam em trâmite, a exigência de comprovação do prejuízo efetivo deve ser observada. O ministro Gurgel de Faria, relator do caso, destacou que, com a nova redação do artigo 10, o legislador expressamente afastou a possibilidade de condenações baseadas na presunção de dano, exigindo a prova cabal da lesão ao erário para a caracterização do ato ímprobo.

No caso específico julgado pelo STJ, o ministério Público do Tocantins havia ajuizado uma ação de improbidade administrativa contra dois agentes públicos e uma empresa, em razão de contratações diretas sem licitação para o projeto "Agenda Tocantins", no valor de R$ 2,2 milhões. Em primeira instância, os acusados foram condenados com base no entendimento anterior de que o dano ao erário era presumido em casos de contratações irregulares. Contudo, o Tribunal de Justiça do Tocantins reformou a decisão, afastando a condenação por falta de prova de prejuízo efetivo. O STJ, ao analisar o recurso, manteve a decisão do TJTO, afirmando que, com a nova redação da LIA, não é mais possível condenar por improbidade sem a demonstração concreta do dano.

Essa nova interpretação do STJ está em perfeita consonância com o espírito da lei 14.230/21, que busca aprimorar a segurança jurídica nas ações de improbidade administrativa, evitando condenações baseadas em presunções e garantindo que as sanções sejam aplicadas apenas em situações em que o dano ao erário seja comprovado.

Tal mudança representa um avanço no tratamento das ações de improbidade, uma vez que afasta a possibilidade de decisões baseadas em conjecturas ou em interpretações amplas e genéricas da lei, exigindo uma análise mais aprofundada dos fatos e provas.

A exigência de prova do prejuízo efetivo não apenas reforça a necessidade de uma atuação mais cautelosa por parte dos órgãos acusadores, mas também protege os agentes públicos e privados de condenações injustas, baseadas em presunções que nem sempre refletem a realidade dos fatos. A mudança legislativa e a adequação da jurisprudência do STJ impõem aos operadores do Direito a obrigação de atuar com ainda mais rigor na investigação, coleta de provas e na análise dos casos, buscando a verdade real.

A nova orientação legislativa, fortalecida pelo posicionamento do STJ, é digna de elogios, visto que a ação de improbidade administrativa é um instrumento de grande importância para a proteção do patrimônio público e para a moralidade administrativa e, devido à sua gravidade e às severas sanções que podem ser impostas, é fundamental que seu uso seja pautado pela responsabilidade e pelo compromisso com a justiça.

A exigência de comprovação do dano efetivo evita que agentes públicos ou privados sejam injustamente penalizados em razão de meras presunções, protegendo sua honra, imagem e direitos fundamentais.

Além disso, ao estabelecer um critério mais rigoroso para a condenação por improbidade, a lei 14.230/21 contribui para o fortalecimento do devido processo legal e da ampla defesa, princípios essenciais em qualquer Estado Democrático de Direito. A justiça não pode se basear em conjecturas, mas sim em provas concretas e robustas. A reforma legislativa, ao exigir a demonstração de prejuízo efetivo, coloca as ações de improbidade em um patamar de maior seriedade e responsabilidade, assegurando que as condenações sejam justas e proporcionais aos danos efetivamente causados ao erário.

É certo, portanto, que a mudança legislativa trazida pela lei 14.230/21 e a recente adequação do entendimento do STJ são passos importantes no aprimoramento do sistema jurídico brasileiro. A improbidade administrativa é um tema que afeta diretamente a confiança da sociedade nas instituições públicas e no combate à corrupção e má utilização do patrimônio público, e, por isso, é essencial que as ações que tratam do tema sejam conduzidas de forma séria e responsável.

Camillo Giamundo

Camillo Giamundo

Sócio fundador do escritório Giamundo Neto Advogados.

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