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As regras de participação em debates eleitorais televisionados em face do princípio da isonomia eleitoral

O critério para participação de candidatos nos debates eleitorais televisionados em face do princípio da isonomia eleitoral.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Atualizado em 14 de outubro de 2024 11:58

Os debates eleitorais são instrumento de grande relevância no cenário político brasileiro. No entanto, nem todos os candidatos são convidados para participar desses encontros. 

Isso ocorre pois, de acordo com a legislação eleitoral (lei 9.504/97), as emissoras somente estão obrigadas a convidar os candidatos dos partidos que possuam pelo menos cinco deputados federais eleitos no pleito anterior. Os demais candidatos podem ser convidados pelos organizadores do debate, que geralmente adotam critérios baseados no desempenho nas pesquisas eleitorais.

A exclusão dos candidatos minoritários dos debates é frequentemente alvo de críticas, por afrontar a igualdade de oportunidades entre todos os candidatos. Por outro lado, também é possível argumentar que a participação de número exacerbado de candidatos acaba por pulverizar o debate, impactando na qualidade da informação.

Diante desse cenário, na medida em que candidatos de partidos menores são excluídos desses eventos, torna-se relevante questionar se essa regra fere com o princípio da isonomia eleitoral.

Pois bem, de início, faz-se necessário conceituar o princípio da isonomia eleitoral.

Conforme o doutrinador José Jairo Gomes, o princípio da isonomia ou igualdade, previsto no art. 5º da CF/88, estabelece que todas as pessoas que residem no Brasil devem receber o mesmo tratamento, a menos que haja justificação plausível e racional para diferenciação. Nesse caso, o tratamento diferenciado só será considerado razoável quando houver justificação objetiva para conceder algo a um grupo enquanto nega a outro.

Conforme Gomes, esse princípio é de especial importância para o desenvolvimento equilibrado do processo eleitoral, bem como para a afirmação da liberdade e do respeito a todas as expressões políticas.

Analisando sob a ótica dos partidos, Fux e Frazão afirmam que o princípio da isonomia consiste em posição neutra do Estado "em face dos players da competição eleitoral (partidos, candidatos e coligações), de forma a coibir a formulação de desenhos e arranjos que favoreçam determinados atores em detrimento de outros". Segundo os doutrinadores, esse princípio é um "pressuposto para uma concorrência livre e equilibrada entre os competidores do processo político, motivo por que a sua inobservância não afeta apenas a disputa eleitoral, mas amesquinha a essência do próprio processo democrático".

Raquel Cavalcanti Ramos Machado enfatiza que deve-se buscar ao máximo assegurar a igualdade dos candidatos em diversos aspectos, mas, sobretudo, o de oportunidade. Para a autora, ainda que seja natural que determinados candidatos tenham grau de influência maior que outros, a depender do legítimo poder político de um partido com maior representação legislativa, deve-se garantir um mínimo razoável de oportunidades a todos os candidatos.

Faz-se relevante ressaltar que o princípio da isonomia não significa tratamento estritamente igualitário a todos os candidatos, pois deve-se levar em  consideração as desigualdades naturais entre os candidatos. Não se trata, portanto, de igualar os desiguais, mas de garantir um mínimo de oportunidade a todos os candidatos, respeitando as desigualdades.

As desigualdades intrínsecas entre os candidatos e partidos políticos podem ser resultado de uma série de fatores, como sua representatividade, histórico de votos, tamanho da base eleitoral e apoio popular. Esses fatores são, evidentemente, difíceis de serem mensurados objetivamente. No entanto, visando tratamento isonômico, é necessária a adoção de critérios objetivos para todos os candidatos.

O exemplo mais notável disso é a distribuição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão. Seguindo essa ideia, o tempo de propaganda eleitoral varia de acordo com o tamanho do partido e/ou da coligação. No entanto, mesmo os partidos sem nenhuma representação no Congresso Nacional têm direito a espaço de propaganda gratuita assegurada no rádio e televisão, ainda que muito menor que o espaço destinado aos partidos maiores.

Na divisão do tempo de propaganda eleitoral de rádio e televisão, o critério adotado foi a representatividade partidária no Congresso Nacional. A lei 9.504/97 estabelece, em seu art. 47, § 2º, que os horários reservados à propaganda de cada eleição devem ser distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, sendo 90% do tempo proporcionalmente ao número de deputados federais e os demais 10% distribuídos de forma igualitária.

Desse modo, o que se verifica é que a legislação eleitoral brasileira adota o princípio da isonomia no sentido de garantir um mínimo de oportunidades a todos, mas, ao mesmo tempo, desigualando os desiguais, respeitando as desigualdades naturais.

Foi somente em 1997, com a lei da eleições (lei 9.504/97), que os debates eleitorais passaram a ter legislação, que trata especificamente do tema. A referida lei, em seu art. 46, passou a estabelecer a obrigatoriedade do convite a todos os candidatos cujo partido tivesse representatividade no Congresso Nacional, tornando facultativa a presença dos demais.

Essa redação foi mitigada pela reforma eleitoral de 2009 (lei 12.034/09), que acrescentou ao art. 46 da lei 9.504/97, os parágrafos 4º e 5º, que passaram a permitir a realização de acordos entre os partidos e os realizadores dos debates para a definição das regras. Conforme essa alteração na legislação, foi permitido que as regras para participações em debates poderiam ser alteradas, desde que aprovadas por pelo menos dois terços dos candidatos aptos, no caso das eleições majoritárias.

O critério para que um candidato tenha participação garantida nos debates foi ampliado pela lei 13.165/15, que alterou o caput do art. 46 da lei 9.504/97, para determinar a obrigatoriedade das emissoras em convidar os candidatos de partidos pelo menos nove deputados. Ademais, a lei 13.165/15 também passou a permitir que os candidatos aptos pudessem decidir a respeito do número de participantes dos debates. 

As mudanças trazidas pela lei 13.165/15 motivaram a ação direta de inconstitucionalidade 5.423, que foi julgada improcedente pelo STF.

Já em 2017, com a lei 13.488/17, foi novamente alterado o caput do art. 46 da lei 9.504/97, dessa vez para diminuir o número mínimo de parlamentares necessários, de nove para cinco.

Como mencionado anteriormente, a problemática em discussão foi debatida pelo STF em 2016, no contexto da ação direta de inconstitucionalidade 5.524. Na ocasião, o Pretório Excelso decidiu, por maioria, pela constitucionalidade do art. 46, caput, da lei 9.504/97, que assegura a participação nos debates eleitorais apenas para os candidatos de partidos com representatividade mínima no Congresso Nacional.

A maioria do STF entendeu ser razoável o critério de representatividade partidária para a participação nos debates, tendo em vista que critério semelhante é utilizado para diversos fins da legislação eleitoral, como a distribuição do direito de antena e do fundo partidário. Ademais, a própria CF/88 fez a distinção entre partidos com e sem representação no Congresso Nacional, como, por exemplo, permitindo a inauguração do controle abstrato de normas e a impetração de mandado de segurança coletivo somente aos partidos políticos representados no Congresso Nacional.

De acordo com o relator, ministro Dias Toffoli, o direito de participação em debates eleitorais, diferentemente do direito à tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão, não tem assento constitucional e pode sofrer restrição maior, em razão do formato e do objetivo desse tipo de programação. Ademais, os debates são espaços naturalmente restritos.

Importante ponto, trazido no voto do ministro Luís Roberto Barroso, consiste na ressalva de que a possibilidade de os candidatos aptos, ou seja, aqueles que possuem a representatividade partidária estipulada, possam deliberar acerca da quantidade de candidatos no debate, deve ser restrita. Haveria, nessa hipótese, evidente conflito de interesses, na medida em que os candidatos aptos poderiam negar a participação de seus adversários, mesmo que tenham sido convidados pela emissora.

A ideia de isonomia, que é princípio fundamental na democracia, não significa que todos devem ser tratados da mesma maneira em todas as circunstâncias. Pelo contrário, a isonomia implica que todos devem ser tratados igualmente perante a lei, desde que estejam em situações iguais ou similares. No entanto, a igualdade de tratamento não deve ser aplicada de forma cega, ignorando as diferenças fundamentais entre os indivíduos.

O entendimento, portanto, é que oferecer o mesmo espaço disponibilizado aos principais candidatos de determinado pleito aos candidatos "nanicos" descaracterizaria a isonomia do debate, ao alçar as candidaturas menos relevantes a patamar que não é condizente com suas condições.

Evidentemente, essa sistemática está sujeita a falhas e distorções. O fato de determinado partido possuir representatividade no Congresso Nacional não significa, necessariamente, que suas candidaturas estejam entre as mais relevantes. 

Ademais, essa regra pode fazer com que candidatos que possuam vínculo ideológico com partidos minoritários decidam não se candidatarem por esses partidos, mas buscar partidos que possuam maior representação, não por vínculo ideológico, mas para ter a chance de participar dos debates eleitorais.

No entanto, apesar da faliabilidade desse modelo, este ainda se mostra uma forma isonômica de regramento, na medida em que impõe condições objetivas igualitárias a todos os candidatos. Não seria adequado que os organizadores definissem subjetivamente quais candidaturas possuem maior relevância.

Desse modo, embora a representatividade partidária não seja meio totalmente eficaz para verificar a relevância das candidaturas, é forma objetiva e sujeita à todos.

Nesse sentido, nos termos do voto do ministro Dias Toffoli, relator da ADIn 5.577, "sendo a Câmara Federal o espelho das diversas tendências presentes na sociedade, levar em consideração a força eleitoral de cada uma dessas tendências é consoante com o sistema de representação proporcional". Desse modo, os critério de representatividade legislativa adotado pela lei 9.504/97 decorreria do "próprio regime democrático e da lógica da representatividade proporcional, sem descuidar, por outro lado, da garantia do direito de existência das minorias".

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BRASIL. LEI Nº 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997

FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

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Valter Matheus Pravato Hwan

Valter Matheus Pravato Hwan

Assistente jurídico no Gouvêa Franco Advogados. Acadêmico de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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