Apostas esportivas e jogos de azar: Uma análise do atual cenário legislativo
A lei 14.790/23 regulamenta apostas esportivas no Brasil, exigindo autorização do Ministério da Fazenda. Jogos de azar como bingos e cassinos continuam proibidos, exceto por monopólios estatais.
sábado, 5 de outubro de 2024
Atualizado em 4 de outubro de 2024 12:02
Nos últimos anos o Brasil tem se deparado com um aumento expressivo de pessoas que utilizam plataformas de jogos de apostas, sobretudo esportivas. No ano de 2022, o país ficou em 10º lugar no ranking mundial de faturamento com apostas e jogos on-line, com US$ 1,5 bilhão em receita bruta em jogos on-line, segundo dados da Entain, empresa de apostas esportivas on-line do Reino Unido1.
A grande problemática dessas plataformas é que geralmente elas não possuem qualquer regulamentação, tornando o ambiente passível de fraudes, conteúdos ilícitos, sendo facilmente utilizadas para lavagem de dinheiro - por meio de depósitos e retiradas de quantias sem que qualquer aposta seja feita e sem qualquer rastreabilidade, por exemplo.
Além disso, tratando-se de apostas sobre eventos esportivos, muitos atletas se viram envolvidos em investigações, por supostamente influenciarem o resultado de partidas e seu próprio desempenho, em razão de grandes apostas realizadas em plataformas de jogos on-line.
Nesse esforço de regulamentar, fiscalizar e, obviamente, gerar receita, em 29 de dezembro de 2023, o Governo Federal promulgou a lei 14.790/23, que dispõe sobre a lotérica denominada "apostas de quota fixa" que regulou as apostas sobre eventos esportivos, determinando que nenhuma casa de aposta poderá funcionar sem autorização prévia do Ministério da Fazenda2.
Com isso, a nova lei estruturou regulamentação completa sobre as apostas esportivas, desde a abertura, inscrição, tributação e funcionamento das casas de apostas, até a modalidade de aposta (on-line ou presencial), supervisão de transferências bancárias, quantidade de horas na plataforma e orientação sobre os danos à saúde mental dos apostadores.
No mais, a Norma também vedou expressamente, a participação, na qualidade de apostador, de qualquer pessoa que possa "influenciar no resultado do evento real de temática esportiva objeto de loteria de apostas de quota fixa, incluídos: a) pessoa que exerça cargo de dirigente desportivo, técnico desportivo, treinador e integrante de comissão técnica; b) árbitro de modalidade desportiva, assistente de árbitro de modalidade desportiva, ou equivalente, empresário desportivo, agente ou procurador de atletas e de técnicos, técnico ou membro de comissão técnica; c) membro de órgão de administração ou de fiscalização de entidade de administração de organizadora de competição ou de prova desportiva; d) atleta participante de competições organizadas pelas entidades integrantes do Sistema Nacional do Esporte."
Outras modalidades de jogos lotéricos, embora na prática também sejam considerados jogos de azar, continuam sendo monopólio do Estado e somente podem ser explorados pela Caixa Econômica Federal e pelas Loterias Estaduais, possuindo regulamentação específica, conforme Decreto-lei 204/67.
Cabe mencionar, ainda, que a lei 14.790/23 regulamentou apenas as apostas sobre eventos esportivos, ou seja, os jogos de azar, bingos, cassinos ou caça-níqueis explorados por particulares ainda são considerados ilícitos no território nacional, incluindo o famoso "Jogo do Tigrinho" (Fortune Tiger), explorado ilegalmente por diversas plataformas com sede fora do país.
Isso porque, conforme Decreto-lei 3.688/41 - lei de contravenções penais, considera-se infração penal estabelecer ou explorar "o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte", assim, nenhuma habilidade, conhecimento ou técnica do apostador poderá interferir no resultado.
A lei de contravenções penais, além de prever pena (prisão simples de 3 meses a 1 ano e multa) para quem estabelecer ou explorar jogo de azar, também prevê pena de multa para quem é encontrado participando do jogo, ainda que pela internet, ou qualquer meio de comunicação, como ponteiro ou apostador, conforme determina §2º do art. 50.
Por fim, destaca-se que há um projeto de lei (PL 2234/22) ainda pendente de votação pelo Congresso, mas que já foi aprovado na Comissão de Constituição e justiça no dia 19/06/24, que trata justamente da liberação do funcionamento de bingos, cassinos e regulariza jogos de azar, jogo do bicho e outras apostas em território nacional3. No entanto, até a elaboração do texto final do referido projeto e aprovação pelo Congresso Nacional, os jogos de azar continuam sendo contravenção penal no país.
Diante disso, concluímos que a legislação vigente permite a exploração de lotéricas denominadas apostas de quota fixas por particulares apenas no que diz respeito a eventos esportivos, mediante prévia autorização do Ministério da Fazenda, bem como jogos lotéricos pelo Estado por meio da Caixa Econômica Federal e lotéricas estaduais. Todos os demais jogos de azar, bingos, cassinos ou caça-níqueis continuam tendo sua exploração proibida em território nacional por particulares.
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1 https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/08/6918229-roleta-virtual-o-crescimento-explosivo-das-apostas-on-line-no-brasil.html
2 Art. 4º As apostas de quota fixa serão exploradas em ambiente concorrencial, mediante prévia autorização a ser expedida pelo Ministério da Fazenda, nos termos desta lei e da regulamentação de que trata o § 3º do art. 29 da lei 13.756, de 12 de dezembro de 2018.
3 https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/06/19/bingo-cassino-e-jogo-do-bicho-ccj-aprova-liberacao-de-jogos-de-azar-no-brasil
Lavínia Costa dos Santos
Advogada Criminalista | Pós Graduada em Direito e Processo Penal pela PUC SP.