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O desafio do creditamento de insumos no varejo: Uma luz para além da súmula 7

A complexidade das contribuições ao PIS e Cofins no contencioso tributário, destacando a Reforma Tributária e a definição de insumos pelo STJ. A busca por maior clareza sobre o creditamento no setor varejista é enfatizada.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Atualizado às 14:21

Desde a criação das contribuições sociais ao PIS e Cofins, esses tributos se tornaram protagonistas incontestáveis no contencioso tributário brasileiro, verdadeiras inimigas do fim.

As discussões jurídicas em torno dessas contribuições sociais são intermináveis, uma vez que a complexidade de sua legislação contribui diretamente para o crescimento exponencial dos litígios no país, resultando em um ambiente de constante insegurança jurídica.

Foi justamente essa falta de uniformidade, somada às inúmeras distorções presentes no sistema tributário, que impulsionou a aprovação da emenda constitucional 132/23 (Reforma Tributária), marcando o início do fim desses tributos em nosso sistema tributário.

Enquanto aguardamos a concretização dessas mudanças, o PIS e a Cofins continuam como os protagonistas teimosos do contencioso tributário. E, mais uma vez, a velha questão do que pode ser considerado insumo para fins de creditamento das referidas contribuições rouba a cena.

Relembramos que o art. 3º das leis 10.637/02 e 10.833/03 permite o aproveitamento de créditos das contribuições sobre custos e despesas vinculados à atividade econômica. O inciso II inclui bens e serviços usados como insumos na prestação de serviços e na produção de bens para venda. No entanto, as leis não definem o conceito de insumo, gerando controvérsias entre contribuintes e o Fisco Federal.

Foi justamente em razão disso que, ao longo dos anos, a Receita Federal, por meio de diversas soluções de consulta, sustentou que o conceito de insumos para fins de creditamento de PIS e Cofins, no regime de não cumulatividade, deveria ser rigorosamente alinhado com o conceito utilizado na legislação do IPI, sendo que essa interpretação restritiva culminou na edição das instruções normativas 247/02 e 404/04, já revogadas, que adotaram uma visão extremamente limitada sobre o que poderia ser considerado insumo. 

Por outro lado, os contribuintes passaram a adotar uma interpretação mais ampla do conceito de insumos, entendendo que insumos deveriam abranger todos os custos e despesas relacionados à atividade empresarial, alinhando-se ao conceito de despesa utilizado para fins de apuração do IRPJ.

Essa briga entre o fisco e os contribuintes percorreu um longo caminho no âmbito do judiciário.

Os tribunais começaram a se deparar com uma enxurrada de litígios sobre o que deveria ser considerado insumo. Buscando resolver essa controvérsia, o STJ, ao julgar o REsp 1.221.170/PR sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmou a tese de que o conceito de insumo para fins de apuração de créditos de PIS e Cofins deve ser definido com base nos critérios de essencialidade e relevância, ou seja, levando em conta a importância do bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte.

Embora esse entendimento tenha representado um avanço significativo na uniformização da jurisprudência, os critérios de essencialidade e relevância das despesas para fins de creditamento do PIS e da Cofins ainda continuam a ser objeto de intensos debates. A falta de parâmetros claros para a aplicação desses conceitos faz com que a interpretação continue a gerar controvérsias entre os contribuintes e o Fisco.

Um exemplo evidente dessa controvérsia pode ser observado no setor varejista. A jurisprudência majoritária dos Tribunais Regionais Federais tem adotado o entendimento de que as empresas desse segmento não têm direito ao creditamento de PIS e Cofins, com base no argumento de que suas atividades não envolvem um processo de fabricação ou produção. 

O fato é que essa questão não foi devidamente esclarecida no julgamento do recurso repetitivo pelo STJ. O entendimento predominante nos tribunais regionais é uma interpretação que surgiu a partir das lacunas deixadas na decisão do STJ. Para agravar ainda mais a situação, esses casos raramente chegam à Corte Superior, uma vez que a Súmula 7 do STJ, que impede o reexame de fatos e provas, é frequentemente aplicada para barrar os recursos que discutem essa matéria.

Identificando essa discrepância, o vice-presidente do TRF da 2ª Região selecionou e submeteu alguns recursos ao STJ para que seja definido, sob a sistemática de recursos repetitivos, qual deve ser a interpretação jurídica a ser atribuída aos conceitos de "essencialidade" ou "relevância" dos insumos para autorizar o creditamento de despesas no cômputo das contribuições sociais.

Tal medida tem amparo no artigo 1.036, §1º1, do CPC, que autoriza o presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionar dois ou mais recursos representativos de controvérsia e enviá-los aos tribunais superiores quando identificar a multiplicidade de recursos especiais e extraordinários com fundamento em idêntica questão de direito.

Ao receber essa sugestão, o presidente da comissão gestora de precedentes e de ações coletivas do STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, reconheceu que, embora a Corte Superior tenha definido o conceito de insumos quando do julgamento do REsp 1.221.170/PR, há inúmeras decisões da Primeira e da Segunda Turma no sentido de pontuar que a definição do conceito de insumos dentro dos critérios de essencialidade e relevância demandaria o reexame de fatos e provas, o que é inviável em sede de recurso especial por conta da súmula 7 dessa Corte.

Por isso, o ministro concluiu pela admissão da proposta de afetação de alguns recursos especiais como representativos da controvérsia que envolvem empresas de variados setores empresariais2. Os referidos recursos foram distribuídos para a 2ª turma do STJ, sob relatoria do ministro Mauro Campbell, que possivelmente irá se manifestar em breve sobre a proposta de afetação em razão de os recursos terem sido remetidos à conclusão no início de agosto de 2024.

Dentre esses recursos especiais, identificamos que pelo menos três se referem a empresas que atuam no ramo de comércio varejista: REsp 2.121.094/ES (comércio varejista de produtos alimentícios), REsp 2.122.155 (comércio atacadista de máquinas e equipamentos) e REsp 2.122.146/RJ (comércio varejista de brinquedos e artigos recreativos).

A leitura da proposta de afetação permite perceber que o ponto central é de natureza processual. Como mencionado pela decisão do vice-presidente do TRF da 2ª região, "a conceituação jurídica  de  essencialidade  e  relevância  de  determinada  despesa  não acarreta, em si, revolvimento de matéria exclusivamente fática, fazendo-se necessário que essa divergência jurídica seja  assentada  pela  Jurisprudência  do  STJ,  sem  prejuízo  e  em  estrita  consonância  com  os  critérios  genéricos estabelecidos pela mencionada tese firmada no tema 779/STJ."

Concordando com esse posicionamento o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que a afetação ao rito dos repetitivos pode ser cabível, mesmo em situações que discutem a própria admissibilidade do recurso especial, fundamentando-se no parágrafo único do art. 928 do CPC3.

Embora o cerne da questão seja de natureza processual e não trate diretamente do creditamento de PIS e Cofins para o setor varejista, entendemos que essa movimentação pode representar uma luz no fim do túnel para o setor comercial.  

Caso a proposta seja acolhida, o STJ terá que decidir se a súmula 7 deve ser aplicada a todos os casos que envolvem essa matéria ou se ainda há pontos pendentes a serem resolvidos, especialmente em razão das lacunas deixadas pelo julgamento do REsp 1.221.170/PR (recurso repetitivo).

Tal definição poderá, finalmente, abrir caminho para que a controvérsia envolvendo o varejo seja enfrentada. O que o mercado varejista aguarda é uma resposta objetiva a seguinte questão:  Afinal, STJ, o inciso II do art. 3º da lei 10.637/02 veda a tomada de crédito a título de insumo para varejistas? Porque, convenhamos, essa é uma questão estritamente de direito que não exige qualquer análise de fatos ou provas que justificaria a aplicação da súmula 7.

Agora, cabe apenas acompanhar o desenrolar dos próximos capítulos, na esperança de que a barreira da súmula 7, tantas vezes considerada intransponível, seja finalmente superada. Caso contrário, a palavra final sobre o tema continuará nas mãos dos TRF, contrariando a lógica do nosso sistema.

_____

1 Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

§ 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

2 REsp 2.121.094/ES, REsp 2.121.123/ES, REsp 2.122.146/RJ, REsp 2.122.155/ES, REsp 2.122.208/RJ, REsp 2.126.483/RJ, REsp 2.141.336/RJ, REsp 2.142.053/ES e REsp 2.162.241/RJ

3 Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

[...]

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

Daniel Bartkevicius

Daniel Bartkevicius

Advogado tributarista do escritório Bergamini Advogados. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Danilo Bertagnoli

Danilo Bertagnoli

Advogado tributarista do escritório Bergamini Advogados. Pesquisador do NET FGV-SP e do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Tributação, Cidadania e Desenvolvimento - UNESP. Especialista em Direito Tributário (FGV-SP). MBA em Gestão Tributária (FIPECAFI).

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