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A boa publicidade (e propaganda) médica

O texto aborda a Resolução CFM 2.321/23 sobre publicidade e propaganda médica, destacando a necessidade de adaptação dos profissionais à realidade digital, especialmente nas redes sociais. Embora a norma permita práticas antes proibidas, como o uso de imagens de "antes e depois", impõe rigorosas condições para evitar promessas de resultados.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Atualizado às 14:16

O CFM publicou uma nova resolução sobre publicidade e propaganda médica em setembro de 20231, buscando atender às reinvindicações dos profissionais e atualizar a norma à realidade em que eles estão inseridos, considerando especialmente a interação nas redes sociais. Seis meses depois, em março de 2024, o conselho disponibilizou um "Manual de Publicidade Médica", visando explicar as mudanças trazidas pela resolução que, por si só, apresenta 17 'considerandos' que precedem os 17 artigos, seguidos por uma extensa exposição de motivos. O Manual, por sua vez, em formato disponibilizado no site da autarquia, ultrapassa as 130 páginas2.

As normas deontológicas visam manter a ética, a qualidade, o prestígio e a credibilidade de uma categoria profissional historicamente valorizada e respeitada socialmente e por isso devem ser seguidas. Apesar de ser imprescindível a observância e o cumprimento das resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina3, diante do volume e da complexidade de todo o material, podemos arriscar inferir que a grande maioria dos profissionais não teve chance de analisá-lo. Porém, se fizermos uma busca ativa nas redes sociais dos médicos, fica inequívoca a ignorância - ou indiferença - em relação aos preceitos impostos pela autarquia.

O exemplo mais evidente de violação à referida resolução é facilmente percebido no uso de imagens de "antes e depois". A prática de apresentar casos de procedimentos ou tratamentos era vedada e constituía uma das maiores demandas dos profissionais perante o conselho. Apesar de autorizado pela nova resolução, seu uso está condicionado a algumas exigências, tais como a inclusão de texto educativo que aborde as indicações terapêuticas, os fatores que podem influenciar o resultado e a explicação de complicações esperadas, conforme descrito na literatura científica. Deve-se, ainda, apresentar um conjunto de imagens que inclua evoluções satisfatórias e insatisfatórias decorrentes da intervenção, evitando que a publicação se constitua em promessa de resultado.

São bastante comuns também descumprimentos à resolução relacionados à autopromoção, sensacionalismo, publicidade exagerada e propaganda enganosa. Nesses casos, além de responder ao conselho, o profissional pode, eventualmente, ser demandado judicialmente, por infringir o CDC, ao qual está submetido.

Contribui para esse cenário o fato de os profissionais mais ativos delegarem o uso de sua imagem e a criação de conteúdos a agências de marketing digital, que, buscando 'likes', ou 'aumento do engajamento', dentre outras métricas, se utilizam de estratégias que nem sempre observam as normas éticas. A ilusão do atingimento de metas, como crescimento de seguidores ou 'cliques no link da bio' podem vir por meio da exposição indevida do médico e dos seus pacientes, assim como da prática temerosa da promessa de resultado. Muitos apenas ignoram as regras, mas, infelizmente, uma parcela de profissionais é conivente com tais métodos e considera que o marketing agressivo e antiético compensa o risco de punição, diante da reduzida fiscalização.

Atentos a essa situação, o Conselho Federal e os conselhos regionais têm procurado educar os profissionais por meio de campanhas de conscientização, vídeos explicativos, "perguntas e respostas" e outros materiais disponibilizados na internet e nas redes sociais. Essa estratégia pode efetivamente contribuir para levar ao conhecimento dos profissionais as recentes alterações nas regras, bem como os limites existentes para a publicidade e propaganda médica. Porém, apenas a efetiva fiscalização e punição - quando aplicável - poderão mudar a conduta daqueles que se mantiverem indiferentes, ou que optarem por infringir os princípios éticos, com os quais se comprometeram ao decidir pela profissão.

Dentro desse ambiente transformado, que seguramente já interfere na interação dos profissionais de saúde com a sociedade, é importante trazer à tona uma outra realidade, a de uma grande parcela de médicos que, alheios a toda essa 'revolução dos costumes' e eventualmente assustados com exposição exagerada de alguns de seus pares, prefere permanecer ausente do mundo digital.

Para esses profissionais, ainda que a manutenção dos antigos hábitos e comportamentos possa parecer mais segura e confortável, é crucial refletir sobre como a invisibilidade digital pode, em médio e longo prazo resultar em estagnação ou redução de pacientes, especialmente da parcela mais jovem, para a qual a pesquisa de profissionais nas redes é algo natural.

O antigo ditado "quem não é visto não é lembrado" enfatiza a importância da visibilidade como fator relevante na manutenção de relações comerciais. Embora haja resistência em admitir o médico como um mero prestador de serviços, a realidade é que, juridicamente, ele é tratado como tal.4 Daí a importância de utilizar ferramentas de marketing também em favor desse profissional, inserindo-o no ambiente digital de forma adequada e em conformidade com os preceitos éticos, tornando-o diferenciado em relação àqueles que agem de forma repreensível. 

A criteriosa elaboração do conteúdo a ser divulgado no ambiente digital permite destacar a formação, as certificações e a experiência do médico e demonstrar de maneira acessível sua qualificação e competência, o que nem sempre é evidente para o paciente leigo. A linguagem coloquial, que permeia as redes sociais, pode favorecer a compreensão pela maioria das pessoas, que não entende a dimensão das credenciais acadêmicas ou não é habituada com a forma de apresentação de um Currículo Lattes.

A Medicina contemporânea, centrada no paciente, requer do profissional a capacidade de se comunicar claramente, permitindo àquele uma tomada de decisão mais consciente em relação à sua saúde. A habilidade de comunicação, portanto, pode ser evidenciada por meio de pequenos vídeos com conteúdo educativo que, além de informar, ajudem o médico a convencer o paciente de sua expertise.

Da mesma forma, é possível apresentar a atualização profissional do médico e sua constante busca por aprimoramento5, inserindo, por exemplo, registros de sua presença em congressos ou capacitações. Por fim, o local de trabalho, o acesso a recursos tecnológicos e a associação do profissional a hospitais e instituições de ensino também são fatores relevantes e que influenciam diretamente na escolha do paciente e podem ser objeto dos 'posts' informativos.

Em termos práticos, portanto, a migração de profissionais do 'mundo físico' para o usualmente denominado 'mundo virtual' propicia a manutenção da viabilidade econômica de seus consultórios, enquanto mantém um fluxo ativo de pacientes. Para os pacientes, a inclusão de médicos qualificados, atentos às disposições éticas e legais e que se apresentam de forma respeitosa melhora as chances de lograrem êxito na busca por uma assistência de qualidade.

Contudo, ainda é possível transcender as questões objetivas e vislumbrar novas oportunidades oferecidas pelas redes sociais, como a criação de um ambiente de formação do paciente. O conceito não é novo e advém da retomada da ideia do médico como alguém comprometido com a educação. Uma vez que a palavra 'doutor' deriva da palavra latina docere, que significa 'ensinar', doctor é 'aquele que ensina'. Sua função social, dessa forma, seria ampliada, na medida em que passa a contribuir para a manutenção e prevenção da saúde de sua rede de contatos, ou 'seguidores'.

Um estudo publicado no Western Journal of Medicine, na década de 90, intitulado "O médico como educador do paciente, da teoria à prática" 6, já demonstrava uma maior adesão dos pacientes aos regimes terapêuticos quando os médicos se utilizavam de estratégias educacionais. Portanto, a informação de qualidade e a capacidade de ensinar podem impactar diretamente a saúde do paciente e agregar valor ao serviço médico. Como resultado, além da fidelização de clientes, todo o sistema de saúde é beneficiado.

São muitos os desafios que o ambiente da saúde atualmente impõe aos seus integrantes, e a adequação às normas para a publicidade e propaganda médica no ambiente digital é apenas um deles. Apesar de a adoção e implementação das novas regras exigirem tempo e dedicação, o profissional deve fazê-lo sem hesitar. Oportunamente, pode valer-se dessa oportunidade para elevar o nível de sua assistência, promovendo uma comunicação mais alinhada com os tempos atuais e que realmente impacte a vida de seus pacientes

Ao final, participar do mundo digital permitirá a visibilidade e a valorização dos bons profissionais que estão ausentes, mesmo que eles ainda prefiram preservar sua intimidade, não expondo nas redes o carro importado nem demonstrando habilidades artísticas para realizar as 'coreografias da moda' - o que é perfeitamente aceitável!

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1 Nos termos da Resolução CFM 2.336/2023, publicidade ou propaganda médica é considerada a comunicação ao público, por qualquer meio de divulgação da atividade profissional, com iniciativa, participação e/ou anuência do médico, nos segmentos público, privado e filantrópico.  Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2023/2336. Acesso em: 26 de maio de 2024.

2 Disponível em: https://publicidademedica.cfm.org.br/. Acesso em: 25 de maio de 2024.

3 Conforme artigo 18, do Código de Ética Médica. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 25 de maio de 2024.

4 No Brasil, a relação médico-paciente é considerada relação de consumo e o Código de Defesa do Consumidor aplicado às prestações de serviço dessa natureza.

5 Conforme previsto no Cap. I, V, do Código de Ética Médica, o profissional deve se manter sempre atualizado em sua área de atuação.

6 McCann DP, Blossom HJ. The physician as a patient educator. From theory to practice. West J Med. 1990 Jul;153(1):44-9. PMID: 2202158; PMCID: PMC1002465.

Gisele Machado Figueiredo Boselli

VIP Gisele Machado Figueiredo Boselli

Advogada. Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. Especialista em Direto Médico e da Saúde pela PUC-PR. Associada ao Instituto Miguel Kfouri Neto.

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