Exclusão extrajudicial de sócio na sociedade limitada
Os requisitos legais e o posicionamento do STJ e TJ/SP quanto à configuração de falta grave, prevista no art. 1.085 do CC.
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
Atualizado em 27 de setembro de 2024 11:16
Os desentendimentos entre sócios podem vir a resultar na modificação do quadro societário da empresa, a fim de cessar as intercorrências decorrentes do conflito societário e preservar a empresa, viabilizando seu regular funcionamento, e em última análise, sua continuidade.
Dentre as formas de dissolução parcial da sociedade em relação a um dos sócios, tem-se a exclusão, que por sua vez, poderá ser realizada de forma extrajudicial, quando prevista no contrato social da sociedade; e na sua ausência, de forma judicial. O presente artigo visa analisar a exclusão extrajudicial do sócio.
No nosso atual ordenamento jurídico, o art. que trata da temática é o 1.085 do CC, in verbis:
"Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. (Redação dada pela lei 3.792/19)"
Assim, tem-se que os requisitos cumulativos para a exclusão extrajudicial do sócio são: previsão contratual, reunião específica, deliberação pela maioria dos sócios, ciência prévia ao sócio a ser excluído, existência de ato de inegável gravidade praticado pelo sócio excluído, e por fim, risco à continuidade da sociedade.
A esse respeito, em acórdão do TJ/SP, o desembargador relator Teixeira Leite, dividiu de forma elucidativa os requisitos acima em duas categorias, os formais e materiais, senão vejamos:
"A exclusão extrajudicial de sócio requer a presença de quatro requisitos legais formais, que são previsão contratual, reunião específica, prévia ciência do sócio a ser excluído e voto da maioria dos sócios, e dois materiais: atos do excluído que sejam de inegável gravidade, e que coloquem em risco a continuidade da empresa (justa causa)."
Os requisitos formais são facilmente cumpridos. Em contrapartida, os requisitos materiais, especificamente, os atos de inegáveis gravidades, são de difícil conceituação, ante a subjetividade, atribuída pelo próprio dispositivo legal, acerca do que configuraria a falta grave para exclusão do sócio.
Nesse sentido, o desembargador Fortes Barbosa, coautor do CC comentado coordenado pelo ministro Cezar Peluso, já elucidou que:
"o conceito de falta grave é aberto, merecendo ser feito, caso a caso, um juízo de valor concreto, medindo-se a incompatibilidade da conduta noticiada e comprovada com a condição de sócio".
O doutrinador Gladson Mamede equipara os atos de inegáveis gravidades aos atos ilícitos, indicando alguns atos que, embora conflitante com o posicionamento dos demais sócios, não viriam a configurar a falta grave:
"Somente atos ilícitos se amoldam à definição legal; atos legais, ainda que contrários ao interesse da maioria dos sócios (tomada por ambos os critérios: maioria por cabeça e maioria do capital social), não se amoldam à licença legal. Entre essas, listam-se o direito de discordar da maioria, de votar em sentido contrário, de pedir prestação de contas, de exigir o cumprimento da lei e dos princípios jurídicos etc."
De forma a pacificar o entendimento a respeito da temática, o STJ, no julgamento do REsp 1.129.222/PR, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, decidiu que a quebra de affectio societatis não configura a falta grave prevista no art. 1.085 do CC, sendo suficiente apenas para fundamentar pedidos de retirada, formulados pelo sócio.
Recentemente, ratificando o posicionamento acima, a 3° turma do STJ entendeu que a violação da integridade patrimonial da sociedade, pelo sócio, configura falta grave, conforme trecho da ementa abaixo transcrita:
"Recurso especial. Direito empresarial. Direito processual civil. Sociedade limitada. Dissolução parcial de sociedade. Polo ativo. Sociedade. Legitimidade ativa. Affectio societatis. Quebra. Insuficiência. Exclusão. Sócio. Distribuição de lucros. Previsão. Contrato social. Lei. Violação. Falta grave. Configuração. Exclusão de sócio. Cabimento. Intervenção mínima. Poder Judiciário. Princípio da supletividade. (...)
2. A quebra da "affectio societatis" não constitui causa eficiente ao rompimento do vínculo societário, sendo necessária a demonstração da prática de falta grave para a exclusão de sócio. Precedentes.
3. A noção de falta grave, embora consista em conceito jurídico indeterminado, está configurada na conduta de sócio que viola a integridade patrimonial da sociedade, concretizando descumprimento dos deveres de sócio, em evidente violação do contrato social e da lei.
4. A retirada de valores do caixa da sociedade, em contrariedade ao deliberado em reunião de sócios, configura falta grave, apta a justificar a exclusão de sócio.
5. A intervenção mínima do poder Judiciário em disputas societárias significa o reconhecimento de que a regulação da matéria societária se dá a partir do princípio da supletividade, tal como disposto no art. 3º, VIII, da lei 13.874/19 - lei da liberdade econômica.
(...)
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido."
A propósito, a Corte superior também determina que, para a exclusão do sócio, tanto a extrajudicial quanto a judicial, deve ser demonstrada a prática de ato de inegável gravidade, que efetivamente ponha em risco a continuidade da empresa.
Consoante ao entendimento do STJ, a atual jurisprudência do TJ/SP tem adotado posicionamento conservador quanto a configuração da falta grave a incidir a hipótese do art. 1.085 do CC, considerando a seriedade e excepcionalidade da medida.
A título exemplificativo, a obstaculização da operação do dia-a-dia da sociedade, a prática de conduta que inviabilize o negócio ou que seja incompatível com a condição de sócio; o desvio de cheque da conta da empresa para depósito em conta particular conjunta; bem como a prática de atos contrários aos interesses sociais foram considerados, pelas Câmaras reservadas de Direito empresarial do TJ/SP, como faltas graves a ensejar a exclusão.
Dessa forma, em que pese a subjetividade do conceito de falta grave, somada aos princípios da intervenção mínima do poder Judiciário e da preservação da empresa, é recorrente a anulação, pelos tribunais, do ato societário que delibera pela exclusão extrajudicial de sócio.
A medida é realizada através da judicialização da questão pelo excluído, em razão do entendimento conservador adotado, pelo STJ e TJ/SP, no que tange ao preenchimento dos requisitos materiais, considerando ser a medida excepcional.
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1 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
2 TJSP; Apelação Cível 1042777-23.2013.8.26.0100; Relator (a): Teixeira Leite; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 44ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/05/2015; Data de Registro: 21/05/2015.
3 VENOSA, Sílvio de S.; RODRIGUES, Cláudia. Direito Empresarial. Rio de Janeiro. 12ª edição. 2024.
4 PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002. Coord. Min. César Peluso, Ed. Manole. 2023. pp. 962/963
5 MAMEDE, Gladston. Direito Societário (Direito Empresarial Brasileiro). Rio de Janeiro. 2022.
6 STJ, REsp n. 2.142.834/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 18/6/2024.
7 STJ. AgInt no REsp n. 1.913.037/PE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/12/2022, DJe de 14/12/2022.
8 TJSP; Apelação Cível 1002866-34.2015.8.26.0229; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Hortolândia - 1ª Vara Criminal da Comarca de Hortolândia; Data do Julgamento: 30/07/2018; Data de Registro: 30/07/2018.
9 TJSP; Apelação Cível 1001326-23.2015.8.26.0302; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Jaú - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/02/2019; Data de Registro: 11/02/2019.
10 TJSP; Apelação Cível 1005218-77.2019.8.26.0114; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/2021; Data de Registro: 29/09/2021
Isabella Vitória Dias Santos
Assistente jurídica no Gouvêa Franco Advogados. Acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.