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Lei 14.973/2024: Um novo capítulo na regularização patrimonial e fiscal no Brasil

A lei 14.973/24 cria o RERCT-Geral, permitindo a regularização de ativos não declarados, com tributação reduzida e foco na transparência fiscal.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Atualizado às 10:51

A recém-publicada lei 14.973/24 inaugura um novo capítulo na legislação tributária brasileira, oferecendo uma nova oportunidade para pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Brasil, atualizarem o valor de seus bens imóveis e regularizarem ativos não declarados, tanto no Brasil quanto no exterior. Esta medida, que à primeira vista pode parecer apenas uma questão técnica, tem implicações profundas para o cenário fiscal e econômico do país.

Isto porque o cerne da lei está na criação do RERCT-Geral - Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e tributária, detalhado nos arts. 9º a 17 da lei 14.973/24. Este regime, regulamentado pela instrução normativa RFB 2221/241, estabelece um framework abrangente para a declaração voluntária e regularização de recursos, bens ou direitos de origem lícita que, por diversas razões, não foram devidamente declarados ou foram declarados com omissões ou incorreções.

Começando pela atualização de bens imóveis, o art. 6º da lei 14.973/24 permite que pessoas físicas atualizem nas suas DAA o valor de seus imóveis para o valor de mercado, com uma tributação de apenas 4% sobre a diferença entre o novo valor e o custo de aquisição. Para as empresas, o art. 7º estabelece alíquotas de 6% para o IRPJ - Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e 4% para a CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Em ambos os casos, o prazo para o pagamento do imposto é de 90 dias após a publicação da lei, conforme estipulado nos parágrafos 1º dos respectivos artigos.

Vale destacar que a oportunidade de atualização patrimonial se estende para além das fronteiras nacionais. Isso visto que o RERCT-Geral, detalhado no art. 9º da lei 14.973/24, aplica-se a recursos, bens ou direitos de origem lícita mantidos no exterior, não declarados ou declarados incorretamente até 31 de dezembro de 2023.

Neste caso, por força do disposto no art. 15 da referida lei, sobre o valor total dos ativos regularizados, e que serão considerados como acréscimo patrimonial, incidira a alíquota de 15% de Imposto de Renda, incidindo, ainda, conforme o art. 21 instrução normativa RFB 2221/24 uma multa de 100% sobre o imposto devido deve ser pago.

A adesão ao RERCT-Geral pode ser feita até 15 de dezembro de 2024, conforme disposto no art. 29 da IN RFB 2221/24 e os ativos que podem ser regularizados estão dispostos no art. 11 da lei 14.973/2024, em consonância com o art. 3º da IN RFB 2221/24.

Um ponto que merece destaque, é que o art. 12 da lei 14.973/24 e o art. 7º da IN RFB 2221/24, exigem que o contribuinte apresente à Receita Federal do Brasil por meio do sistema e-CAC, informações detalhadas sobre os ativos a serem regularizados, incluindo sua identificação, valor e origem.

No caso de empresas, o art. 7º, §2º da IN RFB 2221/24 também estabelece regras específicas para cada tipo de ativo, em especial os critérios de atualização de valores a constarem da declaração. Por exemplo, para depósitos bancários e investimentos financeiros, deve-se considerar o saldo existente em 31 de dezembro de 2023. Para participações societárias, o valor do patrimônio líquido nesta mesma data é o referencial. Bens móveis e imóveis devem ser avaliados a valor de mercado por entidade especializada.

Para ativos financeiros no exterior que excedam US$ 100 mil, o art. 16 da IN RFB 2221/24 impõe uma obrigação adicional: o declarante deve solicitar que a instituição financeira estrangeira envie informações detalhadas para uma instituição financeira brasileira via SWIFT2, com o fito de garantir a veracidade das informações declaradas.

Outro ponto importante é que nos termos do art. 13 da lei 14.973/24 e reiterado no art. 14 da IN RFB 2221/24, é que os bens regularizados devem ser incluídos na declaração de ajuste anual do imposto de renda de 2024 (ano-calendário 2023) ou na escrituração contábil, dependendo do caso.

A lei e a IN também abordam questões de sigilo e proteção de dados. O art. 27 da IN RFB 2221/24 reforça o sigilo fiscal das informações prestadas no RERCT-Geral, equiparando sua divulgação não autorizada à quebra de sigilo fiscal, com as penalidades correspondentes.

Portanto, as oportunidades oferecidas pela lei em análise são significativas para pessoas físicas e jurídicas, representa uma chance de atualizar o patrimônio com uma carga tributária reduzida. Para empresas, há ainda a possibilidade de ajustar o balanço patrimonial, refletindo valores mais próximos à realidade do mercado.

No caso de ativos no exterior, a regularização evidencia, ainda, a possibilidade de se extinguir a punibilidade de crimes específicos, como evasão de divisas e sonegação fiscal, conforme previsto no art. 5º da lei 13.254/16, referenciada no art. 10 da lei 14.973/24.

No entanto, os riscos e considerações não podem ser ignorados, considerando que o art. 8º da lei 14.973/24, em especial no que tange à atualização dos valores de bens imóveis localizados no país, a alienações destes bens em até 15 anos após a atualização, pode ensejar a incidência de Imposto de renda sobre ganho de capital que considerará, para tanto, o tempo decorrido entre a data de atualização até a data de venda, o que pode impactar planejamentos sucessórios. Já as empresas devem atentar para as restrições na dedução de despesas de depreciação e os efeitos nas demonstrações financeiras, como indicado no art. 7º, §2º da lei.

Em última análise, é importante notar que a lei 14.973/24 e o RERCT-Geral são parte de um esforço mais amplo da Receita Federal do Brasil para aumentar a conformidade fiscal, especialmente no que diz respeito a ativos e investimentos no exterior. Este movimento se alinha com tendências globais de transparência fiscal e combate à evasão de divisas.

A exemplo disso, tem-se que em março de 2024, por meio da Instrução Normativa RFB 21803, de 11 de março de 2024, a Receita Federal regulamentou a lei 14.754 de dezembro de 2023, que alterou o regime de tributação dos investimentos no exterior.

Esta IN não apenas modificou as regras de tributação, mas também ofereceu aos contribuintes que possuíam investimentos no exterior, incluindo criptoativos, a possibilidade de regularizar esses investimentos com alíquotas diferenciadas de imposto.

Mais recentemente, em 20 de setembro de 2024, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa 4624, instituindo um grupo de trabalho com a finalidade específica de identificar pessoas físicas e jurídicas localizadas no Brasil que mantêm "arranjos" financeiros no exterior. O que demonstra claramente a intenção da Receita Federal de intensificar seus esforços na identificação e regularização de ativos não declarados mantidos fora do país.

Estas ações sucessivas - a IN 2180 em março, a lei 14.973 em setembro, e a IN 462 logo em seguida - evidenciam uma estratégia coordenada da Receita Federal para fechar o cerco aos contribuintes que possuem investimentos no exterior ou omissões de ativos em suas declarações de imposto de renda. A mensagem é clara: a era da opacidade fiscal está chegando ao fim, e os contribuintes são fortemente encorajados a regularizar sua situação.

Neste contexto, o RERCT-Geral surge não apenas como uma oportunidade de regularização, mas também como um último porto seguro antes de uma possível intensificação nas fiscalizações e penalidades. Os contribuintes devem estar cientes de que, com o avanço das tecnologias de informação e os acordos internacionais de troca de dados fiscais, a capacidade da Receita Federal de identificar ativos não declarados no exterior está em constante evolução.

Portanto, ao considerar a adesão ao RERCT-Geral ou qualquer outra forma de regularização fiscal, os contribuintes devem levar em conta não apenas os benefícios imediatos oferecidos, mas também o cenário fiscal mais amplo que está se desenhando. A conformidade fiscal proativa pode ser, em muitos casos, não apenas uma escolha prudente, mas uma necessidade estratégica diante do novo paradigma de transparência global.

Portanto, esta pode ser uma chance única para muitos contribuintes acertarem suas contas com o fisco e iniciarem uma nova fase de conformidade fiscal, mas cada caso deve ser avaliado em seus próprios méritos.

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1 IN RFB nº 2221/2024 (fazenda.gov.br)

2 "SWIFT (abreviatura para Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication, ou Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais) é um sistema que tem como principal função permitir a troca de informações bancárias e transferências financeiras entre as instituições financeiras.". para mais informações: Sistema SWIFT: como funciona esse sistema de transações internacionais (suno.com.br)

3 IN RFB nº 2180/2024 (fazenda.gov.br)

4 Port. RFB nº 462/2024 (fazenda.gov.br)

Dailson Santos

VIP Dailson Santos

Graduado em Direito pela PUC-GO e Pós-Graduando em Gestão Tributária pela USP.

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