Mediação: Um voto à cidadania
O artigo destaca a mediação como solução eficaz para conflitos, promovendo consensualidade e justiça social no cenário jurídico e institucional.
terça-feira, 24 de setembro de 2024
Atualizado em 23 de setembro de 2024 13:52
A mediação é um catalisador de relações interpessoais e, por conseguinte, apta a fortalecer o tecido social.
A contemporaneidade nos desafia profundamente. As relações interpessoais, profissionais, empresariais e sociais se transformaram em um cenário tecido por redes digitais. O fluxo incessante de pessoas e ideias, o avanço da automação, a crise de confiança nas instituições e a necessidade de novos entendimentos sobre sustentabilidade, juntamente com uma maior consciência dos direitos humanos e da justiça social, redefiniram nossa maneira de comunicar e nos relacionar diante das complexidades das demandas. Vivemos em uma sociedade onde a cultura da judicialização se tornou quase um reflexo automático, uma resposta que parece inevitável diante de qualquer conflito. Essa cultura, enraizada na nossa estrutura social e jurídica, não apenas sobrecarrega o Judiciário, mas também limita a capacidade de buscar soluções mais criativas, eficazes e humanizadas.
Quando um grupo de juristas se debruça em uma comissão para regulamentar o processo estrutural, por nomeação da presidência do Senado, uma janela de oportunidade se abre.
O processo estrutural refere-se a uma abordagem judicial ou administrativa voltada para a resolução de questões complexas que envolvem direitos coletivos ou difusos, geralmente decorrentes de falhas em políticas públicas ou privadas que afetam a sociedade como um todo. Esses processos visam gerar mudanças sistêmicas e abrangentes, assegurando que os direitos fundamentais sejam efetivamente protegidos.
Contudo, para que essas mudanças ocorram de maneira efetiva, é imprescindível um raciocínio dialógico que promova a construção coletiva das soluções.
É nesse contexto que o IMA - Instituto e Câmara de Mediação Aplicada - com seus quatorze anos de história e expertise em métodos adequados de resolução de conflitos - contribui para a criação de diretrizes que promovam soluções mais eficazes e ressaltem a essencialidade da mediação para construção de consensos. A mediação não apenas facilita a consensualidade, mas também assegura que todas as vozes sejam ouvidas e que as soluções sejam construídas de forma colaborativa, refletindo um compromisso genuíno com a justiça social e a proteção dos direitos fundamentais.
Considerando que o processo estrutural é um diálogo constante e que o consenso entre as partes interessadas é a base para a melhor solução dos problemas identificados, propomos a integração dos MARCs - Mecanismos Adequados de Resolução de Conflitos, aqui representados pela mediação, conciliação e negociação, como parte fundamental da justiça.
Apesar dos avanços com a lei 13.140/15, conhecida como a lei da mediação, e os arts. 165 a 175 do CPC, que incentivam os métodos de resolução de conflitos, observamos que a sociedade brasileira recorre de forma crescente ao Judiciário, não reconhecendo plenamente os métodos adequados de resolução de conflitos. Sabemos da profunda ligação entre cultura, tradição jurídica e a percepção social sobre a justiça.
Exploraremos os caminhos pelos quais a mediação pode ser integrada de forma mais eficiente e abrangente no contexto institucional, desde a contratação de mediadores até a articulação com câmaras privadas. Mais do que uma simples lista de procedimentos, esta é uma reflexão sobre como podemos transformar o modo como lidamos com os conflitos, construindo uma sociedade mais justa e participativa.
Processos estruturais frequentemente envolvem a colaboração entre diferentes entidades que podem ter visões divergentes sobre o projeto. Os métodos adequados de solução de conflito - com ênfase na mediação - , podem facilitar o diálogo entre os envolvidos, ajudando-os a entender e respeitar as necessidades e limitações uns dos outros; Criar um espaço neutro para discussões, onde todos possam expressar suas preocupações e propostas; Conduzir negociações e parcerias, garantindo que os interesses de todas as partes sejam considerados; Auxiliar na criação de critérios claros e acordados para a definição de prioridades; Promover um entendimento comum sobre os objetivos e benefícios do processo estrutural e de reestruturação.
Incentivar o consenso requer profissionais de mediação formados e contratados. Essa não é apenas uma medida técnica; é, antes de tudo, uma convocação para transformar o cenário jurídico em um espaço de construção coletiva e consensual de soluções, onde
o acordo entre os envolvidos assegure acordos sólidos, com segurança jurídica e respeito mútuo, além de maior efetividade.
Esperamos que a mediação e a conciliação sejam incentivadas em todas as fases dos processos judiciais e que todos os atores do sistema de justiça - juízes, defensores públicos, promotores e demais operadores do Direito - promovam ativamente o uso desses métodos. É essencial que essa promoção ocorra em qualquer momento da tramitação processual, reforçando a importância dessas práticas na busca por soluções mais céleres e eficazes.
Para garantir a eficiência dessa proposta, sugerimos que, na construção das novas regras do processo, seja prevista a presença do mediador, não apenas como função, mas como uma especialidade, uma ferramenta fundamental. Para isso, é necessário estimular a formação e contratação de profissionais qualificados nessa área.
É crucial uma regulamentação que favoreça a mediação e a cooperação, atendendo não apenas à justiça, mas também criando uma cultura de resolução de conflitos, onde o engajamento significativo dos envolvidos é o principal motor da mudança. O Judiciário tem braços que precisam ser evocados, de modo que câmaras privadas credenciadas e
institutos formadores reconhecidos sejam parte integrante e reconhecida da política pública, recebendo apoio e exigência de capacitação contínua e transparência em suas práticas. Isso assegura que a mediação seja mais do que um simples procedimento, transformando-se em um processo de comunicação ética.
Nesse contexto, é essencial considerar como essas práticas podem ser ampliadas e incorporadas em outras esferas, como as ouvidorias públicas, especialmente em questões administrativas, financeiras e tributárias. Isso permitirá que os cidadãos resolvam suas questões com a administração pública de maneira mais justa e eficiente, reforçando a confiança no sistema.
Adicionalmente, sugerimos a criação de incentivos fiscais para empresas que adotem práticas de mediação em suas operações. Essa medida não só promove a resolução interna de conflitos, mas também incentiva uma cultura corporativa de diálogo e cooperação.
O epicentro dessa transformação deve ser a educação, começando pelo currículo de formação básica, como alicerce para a construção de uma cultura de mediação, bem como projetos que promovam a mediação como uma prática cotidiana no âmbito comunitário. Sugerimos a implementação de programas específicos para capacitação de mediadores nas comunidades e nas escolas.
Para integrar o projeto, recomendamos o lançamento de campanhas para informar o público sobre a mediação e seus benefícios, utilizando mídia e redes sociais para mudar a percepção pública e aumentar a aceitação da mediação como um meio válido de resolução de conflitos.
Propomos também a criação de um programa continuado que abranja os mais diversos órgãos públicos, promovendo a articulação entre diferentes políticas públicas, de modo a garantir que áreas como saúde, educação e segurança também se beneficiem de uma abordagem intersetorial, contribuindo para o cumprimento dos ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, especialmente no que tange à promoção de instituições eficazes e à manutenção da paz.
Esses projetos, quando bem-sucedidos, podem servir como modelos replicáveis, fortalecendo a cultura da mediação em todo o país. Portanto, nossa crítica construtiva é que, para que a mediação e outros métodos adequados alcancem seu pleno potencial, é necessário um estímulo direcionado. A transformação legal, por si só, não é suficiente para criar mecanismos eficazes, especialmente se as pessoas a serem impactadas por eles sequer os conhecem. É crucial investir na pedagogia da mediação, promovendo a conscientização e a transformação necessárias.
Estamos diante de uma oportunidade única de repensar a maneira como resolveremos nossos conflitos e construiremos uma sociedade mais justa e pacífica.
Como Emanuel Levinas disse: "A verdadeira essência da justiça é reconhecida na responsabilidade pelo Outro." Que essa proposta seja o início de uma era onde o envolvimento, a participação e a responsabilidade sejam os verdadeiros fundamentos da nossa cidadania.
Rita Andréa Guimarães de Carvalho Pereira
Psicanalista, Mediadora e Fundadora do Instituto e Câmara de Mediação Aplicada (IMA)
Maria Eduarda G. de Carvalho Pereira Vorcaro
Advogada e sócia do Homero Costa Advogados.