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A reforma da lei de improbidade administrativa: Análise crítica da lei 14.230/21

A lei 14.230/21 reformou a lei de improbidade administrativa, alterando parâmetros de responsabilização e gerando debates sobre dolo e prazos prescricionais. O artigo analisa impactos na corrupção e gestão pública.

sábado, 21 de setembro de 2024

Atualizado em 19 de setembro de 2024 16:10

1. Introdução

A lei 14.230/21 introduziu significativas alterações à lei de improbidade administrativa (lei 8.429/1992), buscando corrigir excessos e trazer maior segurança jurídica aos agentes públicos. A reforma legislativa trouxe mudanças pontuais, como a exigência de dolo para a configuração do ato de improbidade e a redefinição de prazos prescricionais, o que gerou divisões no meio acadêmico. Enquanto alguns autores entendem que a reforma refina a responsabilização dos gestores públicos, outros a veem como um retrocesso no combate à corrupção.

Este artigo tem por objetivo analisar os principais pontos da reforma da lei de improbidade administrativa e avaliar as implicações práticas das alterações, utilizando referências doutrinárias que sustentam tanto posições favoráveis quanto críticas.

2. Metodologia

Para a elaboração deste estudo, adotou-se uma metodologia qualitativa, com base na análise doutrinária e legislativa. Foram utilizados livros, artigos e teses publicadas por autores reconhecidos no campo do Direito Administrativo, com o intuito de confrontar visões divergentes e fornecer uma visão crítica das mudanças introduzidas pela lei 14.230/21.

3. Exigência de Dolo para Atos de Improbidade

Um dos aspectos mais polêmicos da lei 14.230/21 é a exigência de dolo para a configuração do ato de improbidade. Antes da reforma, a legislação previa que os atos poderiam ser punidos com base em culpa grave, além de dolo.

3.1 Perspectiva Favorável

Marcelo Alexandrino sustenta que a reforma é benéfica, uma vez que "a punição por improbidade deve focar em condutas intencionais de desonestidade, excluindo atos que envolvam apenas inabilidade administrativa ou erro sem intenção de lesar o erário" (Alexandrino, 2022). Segundo o autor, a modificação alinha-se aos princípios constitucionais de legalidade e ampla defesa, evitando a responsabilização desproporcional de gestores.

3.2 Perspectiva Contrária

Emerson Garcia, contudo, adverte que a exigência de dolo torna mais difícil a punição de agentes públicos envolvidos em práticas lesivas à administração, ao passo que "a comprovação do dolo, sobretudo em casos de corrupção disfarçada, é extremamente complexa" (Garcia, 2022). Para ele, a reforma promove um afrouxamento das regras e cria uma janela para a impunidade.

4. Redefinição dos Prazos Prescricionais

A lei 14.230/21 também alterou os prazos de prescrição para a propositura de ações de improbidade, estabelecendo um limite de oito anos após o término do vínculo funcional ou do mandato do agente público.

4.1 Perspectiva Favorável

Diogo Figueiredo Moreira Neto destaca que a limitação temporal garante maior segurança jurídica, pois "prazos longos demais criam incertezas tanto para a administração pública quanto para os próprios gestores, prejudicando a eficiência administrativa" (Moreira Neto, 2023). Ele ressalta que a prescrição é um instituto essencial para garantir a estabilidade das relações jurídicas.

4.2 Perspectiva Contrária

Por outro lado, Fábio Medina Osório critica duramente a mudança, argumentando que "a corrupção, muitas vezes, só é desvelada após anos de investigação, e encurtar o prazo para responsabilização pode inviabilizar a punição de ilícitos graves" (Osório, 2022). Segundo ele, a alteração representa uma "brecha legal" que favorece a impunidade em diversos casos.

5. A Vedação de Sanções Automáticas

A reforma introduziu a proibição de aplicação automática de sanções, como a perda da função pública e a suspensão de direitos políticos, exigindo fundamentação específica e proporcionalidade na imposição das penas.

5.1 Perspectiva Favorável

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que a vedação de sanções automáticas promove um julgamento mais justo, uma vez que "cada caso deve ser analisado de forma individualizada, evitando-se punições desproporcionais" (Di Pietro, 2023). A mudança, segundo a autora, reflete a evolução do direito administrativo sancionador, que deve ser mais rigoroso no respeito aos direitos fundamentais dos gestores.

5.2 Perspectiva Contrária

Luiz Flávio Gomes, no entanto, vê essa modificação com preocupação, alegando que "a vedação de sanções automáticas pode levar à procrastinação dos processos, já que cada penalidade exigirá um exame detalhado, o que torna a punição mais demorada e menos eficaz" (Gomes, 2022). Ele teme que a mudança afete a capacidade do Estado de reagir rapidamente contra atos de improbidade.

6. A Vinculação de Efeitos entre Sentenças Penais e Civis

A lei 14.230/21 estendeu os efeitos vinculantes das sentenças penais absolutórias à esfera cível, o que significa que a absolvição na esfera penal pode impedir a continuidade de ações cíveis por improbidade administrativa.

6.1 Perspectiva Favorável

Celso Antônio Bandeira de Mello defende a ampliação dos efeitos vinculantes, argumentando que "a vinculação evita decisões contraditórias sobre os mesmos fatos, promovendo uma maior coerência entre as esferas cível e penal" (Bandeira de Mello, 2023). Ele vê essa alteração como uma forma de assegurar a estabilidade das decisões judiciais.

6.2 Perspectiva Contrária

Por outro lado, Mauro Campbell Marques alerta que "a corrupção administrativa muitas vezes envolve atos complexos, que podem não ser totalmente considerados na esfera penal" (Campbell, 2022). Ele argumenta que a vinculação das esferas pode resultar em impunidade, sobretudo em casos onde a prova criminal é insuficiente para a condenação penal, mas suficiente para a responsabilização cível.

7. Conclusão

A lei 14.230/21 trouxe inovações relevantes ao regime de responsabilização de agentes públicos, gerando discussões acaloradas entre doutrinadores. De um lado, há autores que veem as mudanças como avanços necessários para a proteção da boa-fé dos gestores públicos e para garantir segurança jurídica. De outro, críticos alertam para o risco de que a reforma enfraqueça os mecanismos de combate à corrupção, criando obstáculos à punição de atos lesivos à administração.

Assim, o futuro da aplicação da nova legislação dependerá da forma como o Judiciário interpretará esses novos dispositivos e de como a doutrina e a prática jurídica se adaptarão às mudanças.

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Alexandrino, M. Improbidade Administrativa: Análise da Lei 14.230/2021. São Paulo: Forense, 2022.

Bandeira de Mello, C. A. Administração Pública e Direito: Reflexões sobre a Lei 14.230/2021. Rio de Janeiro: Malheiros, 2023. Campbell, M. Improbidade Administrativa e a Interação entre as Esferas Penal e Cível. Brasília: IDP, 2022.

Di Pietro, M. S. Z. Direito Administrativo e a Reforma da Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 2023.

Garcia, E. Improbidade e Corrupção: Impactos da Reforma da Lei 8.429/1992. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022. Gomes, L. F. A Nova Improbidade Administrativa: Riscos e Desafios. São Paulo: Saraiva, 2022.

Moreira Neto, D. F. Segurança Jurídica e Administração Pública: Novos Rumos da Improbidade. Curitiba: Juruá, 2023. Osório, F. M. Reforma da Lei de Improbidade Administrativa: Avanços ou Retrocessos? Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2022

Rodrigo Teodoro

VIP Rodrigo Teodoro

Atualmente Procurador-Geral em Santana da Vargem há 3,5 anos, com 14 anos de experiência em Direito Tributário, Administrativo e outras áreas. Comprometido com a justiça, ética e bem-estar social.

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