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A inteligência artificial na escrita jurídica

A IA ajuda advogados na escrita e revisão de petições, mas é crucial revisar documentos gerados, evitar dependência excessiva e proteger dados sensíveis.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Atualizado às 15:54

IA - Inteligência Artificial tem sido cada vez mais utilizada por advogados na análise de documentos, preparação para audiências e, claro, na escrita de petições. E não poderia ser diferente, considerando que a utilização correta dessa ferramenta nos auxilia a atingir o máximo do nosso potencial: a IA pode acelerar o processo de redação e revisão, identificar áreas em que os argumentos podem ser aprimorados e a redação mais clara e convincente e oferecer outros pontos de vista não pensados pelo advogado, dentre tantos outros exemplos.

Contudo, a utilização requer uma combinação de habilidades para extrair o máximo de valor, minimizando riscos como a imprecisão das respostas, a utilização de informações sensíveis e a dependência excessiva.

Sobre o risco de imprecisão das respostas, é essencial que um advogado revise qualquer documento gerado ou alterado pela IA para garantir que todas as informações estejam corretas e atualizadas. Esse fato deve ser levado em consideração ao se utilizar ferramentas de IA, pois os riscos de respostas imprecisas, alucinações e até desinformação são bastante conhecidos.

Outra forma de reduzir a imprecisão nas respostas é redigir prompts1 específicos, informando o contexto, exemplos, feedbacks, qualificando a abordagem (pessoal ou impessoal) e a linguagem (formal, casual, para leitores não especializados). Há diversas técnicas de redação de prompts e cada uma pode ser mais indicada para determinado tipo de uso. E mais: a qualidade do prompt que se escreve é fundamental para obter resultados precisos e úteis.

Para a análise de documentos, por exemplo, experimente fazer uma aproximação do tema antes de incluir o PDF para análise. Em um processo relacionado à fraude envolvendo criptomoedas, por exemplo, busquei me aproximar do tema, atribuindo um papel ("role play") de "advogado especialista em criptomoedas" ao modelo, para poder verificar as informações fornecidas e só depois incluir o PDF específico relacionado ao tema e pedir uma análise mais aprofundada. Isso permite que o modelo dê respostas mais profundas e assertivas, focadas no tema específico que você já indicou.

Outro ponto crucial é o cuidado com dados e informações sensíveis. É essencial preservar a confidencialidade e a privacidade dos clientes ao usar ferramentas de IA. Uma boa prática é remover informações sigilosas antes de compartilhar documentos com a IA e utilizar ferramentas que permitam exclusão de dados. O ChatGPT, por exemplo, oferece a opção de "opt-out", que impede o uso de suas interações para treinar o modelo.

O caso da Samsung, em 2023, demonstra bem essa preocupação: engenheiros da empresa usaram o ChatGPT para enviar o código-fonte interno e notas de reuniões e as informações vazaram acidentalmente, o que levou a empresa a banir aplicações como ChatGPT e Bard.

Por fim, a dependência excessiva é outro fator crítico na utilização dos modelos de IA. Essa dependência pode diminuir o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de tomar decisões, além de tornar o texto mais previsível e monótono. Contudo, o principal problema é a dependência cega nas respostas da IA, que pode gerar inconvenientes e sanções tanto para advogados2, quanto para juízes3, baseada na ideia de que a IA não comete erros e sempre fará um trabalho excelente.

Aqui, voltamos ao início do texto: o risco de imprecisão das respostas torna essencial que um advogado revise qualquer petição gerada ou alterada pela IA para garantir que todas as informações estejam corretas e atualizadas, garantindo que o olhar humano esteja presente em todas as fases da utilização. Além disso, há outros problemas no uso inadvertido dos modelos de IA, como viés algorítmico, que faz com que as informações fornecidas possam refletir preconceitos, opiniões não fundamentadas ou interpretações dos programadores e usuários anteriores.

Por fim, não há dúvidas de que os modelos de IA podem nos ajudar a aprimorar e aumentar nossa capacidade produtiva. Contudo, a IA deve ser vista como um ponto de partida no trabalho jurídico - oferecendo análises detalhadas de documentos complexos, automatizando tarefas repetitivas e gerando esboços iniciais de petições, por exemplo - , mas nunca deve ser o ponto final do seu texto ou trabalho.

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1 um prompt é uma mensagem ou frase que é utilizada para iniciar uma conversa com o modelo de linguagem neural. Pode ser uma pergunta, uma afirmação, uma palavra-chave ou qualquer outra mensagem que ajude o modelo a entender qual é o contexto ou tópico da conversa que será gerada

2 Advogado usa casos inventados pelo ChatGPT em processo judicial e leva 'puxão de orelha' de juiz. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2023/05/29/advogado-usa-casos-inventados-pelo-chatgpt-em-processo-judicial-e-leva-puxao-de-orelha-de-juiz.ghtml. Acesso em 19/09/2024.

3 CNJ vai investigar juiz que usou tese inventada pelo ChatGPT para escrever decisão. Acesso em 17/09/2024.

Rodrigo da Costa Alves

VIP Rodrigo da Costa Alves

Costa Alves | Advocacia e Consultoria Formado em Direito pela Universidade de Brasília e especialista em Direito da Proteção e Uso de Dados pela PUC Minas. MBA em Data Protection Officer pelo IESB.

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