Intimação inédita do STF a Elon Musk: As implicações da intimação por redes sociais
O STF intimou Elon Musk via postagem no X, gerando polêmica sobre a validade da intimação. A falta de regulamentação clara levanta questões jurídicas.
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Atualizado em 19 de setembro de 2024 15:32
No dia 28/8, o ministro do STF Alexandre de Moraes intimou Elon Musk, dono da rede X (antigo Twitter), para que o empresário nomeasse em 24 horas um representante legal da empresa no Brasil, sob pena de suspender o funcionamento da rede no país.
A forma eleita pelo STF para realizar a intimação, contudo, foi alvo de questionamentos, eis que efetivada na própria plataforma X, por meio de uma postagem no perfil oficial do STF, dirigida ao empresário.
A intimação causou estranheza para muitos. Primeiramente, por tratar-se de um modo não usual (para não dizer inédito) de intimação. Em segundo, pela ausência de previsão legal expressa sobre esse meio de intimação, o que a tornaria nula segundo significativa parcela da comunidade jurídica que se manifestou sobre o assunto.
Outros, entretanto, sustentaram a sua validade, afirmando que o mandado estava amparado no princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual, em breves linhas, se o ato processual atingiu a sua finalidade, a forma utilizada para esse resultado importa pouco, ou quase nada.
Seguindo esse raciocínio, como Elon Musk assumiu ter sido comunicado, ainda que de forma indireta, respondendo ao ministro Alexandre de Moraes na própria postagem, a ciência do ato foi considerada inequívoca, atingindo o resultado pretendido. Isso, segundo alguns, teria validado a intimação.
A possibilidade de realização de comunicação de atos processuais, como as intimações e as citações, por meios digitais e eletrônicos está em pauta na sociedade há muitos anos.
O assunto ganhou maior importância após a publicação, no contexto da pandemia de Covid-19, da resolução do CNJ 354/20, que regulamentou o uso de "meio eletrônico" para a comunicação de atos processuais.
Nessa toada, a resolução CNJ 455/22 disciplinou o domicílio judicial eletrônico, que centraliza a comunicação de atos processuais emitidas pelos tribunais em uma plataforma digital, sistema este ainda em implementação no país.
Além dos referidos atos normativos do CNJ, a Lei Federal nº 11.419/2006 dispõe sobre a informatização do processo judicial, prevendo, entre outras regras, a possibilidade de uso de "meios eletrônicos" na "comunicação de atos e transmissão de peças processuais", isto é, a utilização de endereços eletrônicos, os e-mails, para essa finalidade.
Nesse mesmo contexto, em 2021, foi editada a lei 14.195 que, dentre outras providências, alterou significativamente o art. 246, do CPC, para prever que "a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico".
Pois bem. Em que pese a existência das leis e atos normativos acima mencionados, a verdade é que não há no sistema jurídico brasileiro autorização expressa para a comunicação de atos processuais por meio de redes sociais. Ao se referir aos meios eletrônicos como forma válida de comunicação de atos, as normas acima mencionadas estão se referindo, mais precisamente, à utilização de e-mails para esse fim, mas não às redes sociais.
Para confirmar o que aqui se diz, o que se tem hoje são inúmeras portarias e regulamentações internas dos tribunais sobre a comunicação de atos por meios eletrônicos, prevendo procedimentos e requisitos distintos para a sua realização. A discrepância de previsões normativas entre os tribunais e comarcas brasileiros sobre o tema confirma a constatação de que a matéria não está devidamente regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, em que pese a intimação feita pelo STF ao empresário Elon Musk ter atingido a finalidade de comunicá-lo sobre a ordem judicial emanada, fato é que a modalidade eleita pela corte para fazê-lo não encontra guarida na lei, sendo, assim, atípica.
É importante ressaltar que, por se tratar de pessoa estrangeira, a intimação adequada de Elon Musk, segundo o CPC, seria por meio de carta rogatória, cuja expedição tem cabimento para que "órgão jurisdicional estrangeiro pratique ato de cooperação jurídica internacional, relativo a processo em curso perante órgão jurisdicional brasileiro" (CPC, arts. 36, 237, II).
A avaliação sobre ter havido ou não ciência da intimação, de modo a torná-la válida pelo princípio da eventualidade, ademais, envolve outras discussões que vão além daquelas que avaliam isoladamente os meios legais e formais as cientificações de atos processuais. Mas não há dúvidas de que a decisão do ministro do supremo abre perigoso precedente, acompanhada de valorosas discussões sobre o tema.
Os meios tecnológicos transformaram profundamente a nossa realidade. A evolução dos meios digitais tornou-se inevitável, permeando todos os aspectos da vida moderna, desde as comunicações pessoais até os processos mais complexos de governança e negócios. O avanço das tecnologias, com a popularização da internet e a automação de tarefas, moldou um cenário em que a digitalização é não apenas uma conveniência, mas também uma necessidade para se adaptar à velocidade e às demandas do mundo atual.
No campo do direito e dos processos judiciais, essa transformação digital também se faz presente, impactando a forma como os atos processuais são conduzidos, indicando uma tendência crescente em que o uso da tecnologia será cada vez mais comum.
Sem dúvida, o uso dessas inovações no âmbito jurídico é bem-vindo, pois alinhado com as demandas da sociedade moderna. Contudo, é imprescindível que haja a devida regulamentação para a sua utilização, de modo a afastar eventuais dúvidas sobre os seus termos e condições o que favorece a insegurança jurídica.
Laila Abud
Advogada - Edgard Leite Advogados Associados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP