MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Impossibilidade de suspensão da execução contra a parte devedora originária no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Impossibilidade de suspensão da execução contra a parte devedora originária no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica deve suspender apenas questões específicas, permitindo a continuidade do processo, conforme o CPC.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Atualizado em 19 de setembro de 2024 15:07

A desconsideração da personalidade jurídica, na sua modalidade incidental, prevê a suspensão do feito, conforme § 3º, do art. 134, do CPC.  

O que é passível de discussão é a abrangência de tal suspensão, conforme leciona José Miguel Medina : 

"De acordo com o § 3º, do art. 134, a instauração do incidente suspenderá o processo. Não nos parece acertado suspender-se todo o processo, em razão da instauração do incidente. Mais adequado cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração - nada impedindo a prática de outros atos executivos, por exemplo, no curso do procedimento". 

Igualmente, preceitua o enunciado 110, da II jornada de direito processual civil da justiça Federal que: "A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspenderá a tramitação do processo de execução e do cumprimento de sentença em face dos executados originários"

Ainda sobre a suspensão da marcha processual prevista § 3º, do art. 134, veja-se também o entendimento de Ruy Zoch Rodrigues : 

"...parece que a melhor exegese do § 3.º do art. 134 deva ser a de que o processo em que tem curso a questão principal só se suspende em vista do incidente se o tema incidental constituir condição para o prosseguimento. Fora disso, não. E tudo remete à possibilidade de autuação apartada, a fim de se garantir celeridade e melhor organização procedimental. Ainda sobre suspensão, a parte final do § 3.º do art. 134, que remete ao § 2.º, não significa que o mero posicionamento topográfico do incidente (na inicial) seja o elemento-chave para definir se o processo deve ser suspenso ou não. Até porque o § 2.º sequer trata de tema propriamente incidente, mas de hipóteses menos frequentes em que a desconsideração compõe a lide principal, ainda que acessoriamente. Inclusive ações reais ou reipersecutórias, nas quais, ao tempo da propositura, tendo-se já claro qual é o bem (ou conjunto de bens) apto à satisfação da parte autora, esse patrimônio se encontra desviado (ao sócio ou à sociedade). Nessas hipóteses, a desconsideração da personalidade jurídica é proposta na inicial e não suspende o andamento do processo, porque está ligada ao objeto principal".  

O objetivo traçado pelo art. 134, § 3º, do CPC, é evitar atos expropriatórios com relação aos devedores reconhecidos no incidente de desconsideração, já que o contraditório ainda não se instaurou, em razão da fase inicial do procedimento. É certo que isso não ocorre contra os antigos devedores, de sorte que a ação executiva deve prosseguir contra eles, sem qualquer restrição, vale destacar. 

Nesse sentido é a jurisprudência, recente, do TJSP: 

"Agravo de instrumento. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Suspensão do cumprimento de sentença com relação a todos os devedores. O comando do art. 134, §3º, do CPC deve ser interpretado de modo a viabilizar o prosseguimento da execução com relação aos devedores originários. Inexiste risco de indevida constrição patrimonial daquele que já responde pelo débito de forma definitiva. No mais, a execução faz-se no interesse do credor, pelo que deve ser garantida celeridade na tramitação processual. Decisão reformada. Recurso Provido". (TJSP;  agravo de instrumento 2129878-07.2024.8.26.0000; relatora Rosangela Telles; 31ª câmara de direito privado; data do julgamento: 30/6/24). 

Igualmente: 

"Incidente de desconsideração da personalidade jurídica - suspensão da execução - pretendido pelos agravantes o reconhecimento da nulidade de todos os atos praticados na execução a partir de 10.5.2022, quando foi determinada a suspensão da execução, com amparo no art. 134, § 3º, do atual CPC - descabimento - incidente de desconsideração da personalidade jurídica que não tem o condão de exonerar os devedores originários do pagamento da dívida - Suspensão do processo executivo em relação aos devedores originários que não se legitima - precedentes do TJSP - agravo desprovido".  (TJSP;  agravo de Instrumento 2189063-10.2023.8.26.0000; relator José Marcos Marrone; 23ª câmara de direito privado; data do julgamento: 17/6/24). 

Conclui-se que, então, em que pese o texto do § 3º, do art. 134, do CPC, preveja que "a instauração do incidente suspenderá o processo", a interpretação lógica e sistemática da disposição deve ser no sentido de que a suspensão não se aplica aos devedores originários, em hipótese alguma, mas tão somente àqueles cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar por meio do incidente. 

__________

1 Advogado. Sócio do escritório Borges Pereira Advocacia. Cursou pós-graduação lato sensu em Direito Civil na Escola Paulista de Direito (EPD/SP). Cursou pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM-SP). Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª Edição, Página 227.

3 RORIGUES, Ruy Zoch. In Novo Código de Processo Civil. Porto Alegre. OAB/RS, 2015. p. 145.

Antonio Marcos Borges da Silva Pereira

Antonio Marcos Borges da Silva Pereira

Advogado e fundador de Borges Pereira Advocacia. Especialista em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Processo Civil pela PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca