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A evolução da reclamação no mundo

As diversas formas de utilização da Reclamação, descritas em um contexto de perpetuação de precedentes obrigatórios no Brasil, apesar dos desafios de uniformização de instâncias evitando-se o engessamento do direito lato sensu.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Atualizado às 14:58

Com o intuito de se tentar desmistificar o uso da Reclamação no Brasil, faz-se mister descrever a tratativa internacional de sua utilização, influenciando o Direito brasileiro pela teleologia pontual do sistema de precedentes. Nessa linha de pensamento, sabe-se que os principais sistemas jurídicos associados ao common law, como o inglês e o americano, transcenderam os limites territoriais e imprimiram um legado de estabilidade, sem, contudo, trazer obstáculos a ciência política do Direito garantidor.

Nessa perspectiva, é importante mencionar que o sistema jurídico de precedentes da Inglaterra é considerado, por muitos doutrinadores, o verdadeiro marco inicial dos precedentes vinculantes (stare decisis), servindo de modelo para países que adotaram o common law em sua vertente axiológica. Para contextualizar, sabe-se que, no século XVIII, havia certa discricionariedade de julgamentos e coleta de informações por particulares, que foram descritas como Law Reports. Posteriormente, destacou-se como fundador da teoria de moderna de precedentes judiciais o parlamentar e jurista inglês Edward Coke, com positivação de onze volumes literários, contendo repertórios de casos fáticos e coletâneas. Nesse diapasão, começou-se a identificar especificamente a ratio decidendi (razão de decidir primordial) e o obter dictum (o que não é intrinsecamente essencial) de um precedente.

Com a evolução da teoria da vinculação de julgamentos, pôde-se utilizar, no ordenamento inglês, a regulamentação denominada Binding Precedent ou precedente vinculante, cuja tratativa reafirmava a obrigação de um tribunal em seguir decisões de Tribunais superiores, julgadas anteriormente. Nesse contexto de historicidade jurisprudencial, em 2001, houve a criação do CPC inglês, priorizando a interpretação judicial voltada ao respeito a vinculação de precedentes. Por conseguinte, a evolução do Direito inglês, com sua inciativa na previsão jurídica e relevância de instâncias repercutiu beneficiando outras nações compatíveis.

Um exemplo disso foi a colonização canadense, simultânea de ideais ingleses e franceses, com repercussão no ordenamento jurídico deste país, em relação a sua codificação de jurisprudencial. Dizendo de outra forma, apesar da dicotomia entre o positivismo francês e a aplicabilidade do common law inglês, houve uma interação benéfica de institutos. Porquanto, pode-se destacar que o sistema inglês de jurisdição teve o condão de influenciar outros países que compartilhavam do ideal da previsibilidade e segurança jurídica, mas cada um se adaptou de modo sui generis, de acordo com o standard político e social.

Nessa linha de pesquisa, em relação ao Direito americano, sabe-se que foi embasado pelo writ of certoriare1 no qual havia a revisão de sentenças de tribunais de instância inferior. Destarte, para preservar a segurança jurídica americana, positivou-se a possibilidade de Tribunais de apelação preconizarem a preservação do poder de polícia, quando um magistrado excede sua jurisdição. Por conseguinte, a jurisdição americana conseguiu se amoldar aos costumes inseridos no common law, utilizando-se de ferramentas condizentes com os ideais libertadores e republicanos desta nação.

Explicando melhor, nos EUA, as decisões dos tribunais superiores são vinculantes (stare decises), enquadrando-se na utilização do common law, baseado nos costumes, jurisprudências e precedentes judiciais. Por conseguinte, a estabilidade de julgamentos e a segurança jurídica dependiam especificamente do respeito aos precedentes. Nessa toada, trazendo para a discussão sobre a utilização da reclamação com a finalidade de garantir a observância da ratio decidendi (razão de decidir) de um precedente, observa-se que tais institutos são reciprocamente correlatados.

Todavia, para o Direito alemão, a reclamação tem associação sui generis ao Instituto da  kompetenz-kompetenz2, na qual destaca que " Todo juiz tem competência para analisar sua própria competência, de forma que nenhum juiz é totalmente incompetente, pois, ao verificar sua incompetência absoluta, tem competência para reconhecê-la. Assim, no Tribunal Arbitral alemão, o juiz associa a sua própria competência a legitimidade primordial para decidir sobre as questões relativas à existência, validade e eficácia da contratação da arbitragem e do contrato a que se refere. Dante do exposto, infere-se que, na Alemanha, também pretende-se preservar a competência, evitando-se invasões e ações arbitrárias que poderiam causar interpretações dúbias e incongruentes.

Finalmente, depois de expor a toda a historicidade e a expansão da utilização de precedentes vinculantes no mundo, faz-se mister destacar a função desempenhada no sistema judicial brasileiro. Ou seja, sabe-se que o Brasil é, inicialmente, o país que coaduna com o civil law, em conjunto com a valorização da legalidade estrita do positivismo. Todavia, tal modelo vem sendo substituído pelo sistema de precedentes obrigatórios, com a finalidade de uniformizar e respeitar a hierarquia das instâncias, desestimulando a litigância. Nessa toada, a validação do novo CPC em 2015 foi um marco de revitalização do instituto da reclamação, uma vez que foi aceito o microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios.

Entretanto, alguns juristas acreditam que há uma falsa uniformização e estabilidade, pois a realidade é a sumarização de procedimentos e o empobrecimento da construção da jurisdição, engessando a diversidade de entendimentos. Além disso, há a alegação de que o Brasil não tem ainda a cultura de respeito aos precedentes obrigatórios, gerando divergências entre instâncias e um verdadeiro "oráculo de decisões". Nesse sentido, Apesar das opiniões divergentes, é notório o benefício de unificação de incidentes repetitivos, a pacificação de julgados e a tendência a uniformização de instâncias. Nesse sentido, não se pode ter certeza do futuro do sistema de precedentes vinculantes no Brasil, uma vez que a utilização da justiça de forma predatória como regra instiga a judicialização exacerbada.

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1 Certiorari vem do nome de um mandado de prerrogativa inglês, emitido por um tribunal superior para ordenar que o expediente de primeira instância seja enviado ao tribunal superior para revisão.

 

2 Segundo a regra da kompetenz-kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória.

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Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Servidora Pública Federal do TRT 15 Americana, Mestranda em Direito Internacional FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional Damásio, pós graduanda em direito tributário e trabalhista

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