Crítica à teoria constitucionalista do delito
A teoria constitucionalista do delito busca integrar direitos constitucionais ao direito penal, mas enfrenta críticas sobre sua aplicação prática e eficiência.
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Atualizado às 09:27
1. Introdução
A teoria constitucionalista do delito emerge como uma abordagem que procura integrar os princípios constitucionais ao direito penal, defendendo que este não pode ser aplicado sem a observância dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. Seus defensores apontam a relevância de uma análise mais humana e protetiva do indivíduo diante do poder punitivo do estado. No entanto, há uma série de críticas à aplicação prática dessa teoria, especialmente no que tange à sua complexidade e impacto na eficiência do sistema penal. Neste artigo, exploraremos as principais críticas e apoiadores dessa teoria, oferecendo um panorama crítico e reflexivo.
2. A base teórica e os defensores da teoria constitucionalista do delito
Os defensores da teoria constitucionalista do delito acreditam que o direito penal, como parte integrante do ordenamento jurídico, deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais. Para Luigi Ferrajoli, um dos maiores defensores do garantismo penal, essa integração visa limitar o arbítrio estatal e proteger os direitos fundamentais, evitando excessos e abusos na aplicação do direito penal. Segundo ele, "o Direito Penal não deve ser apenas um instrumento punitivo, mas também uma ferramenta de proteção da dignidade humana e das liberdades civis" (FERRAJOLI, 2011).
Além disso, Roxin (2006) defende que a inserção dos princípios constitucionais no direito penal garante maior justiça na aplicação das penas e na interpretação das normas, reduzindo as possibilidades de condenações injustas ou desproporcionais. Para ele, a Constituição funciona como uma barreira protetora, que impede o uso excessivo do poder punitivo em detrimento das garantias individuais.
3. Críticas à aplicação prática da teoria
Uma das principais críticas à teoria constitucionalista do delito é a sua implementação no cotidiano judicial, que, segundo autores como Claus Roxin, pode acabar tornando o sistema penal excessivamente formalista e lento. Roxin ressalta que a necessidade de que todas as decisões penais sejam alinhadas com os princípios constitucionais pode dificultar a celeridade processual e comprometer a efetividade da justiça criminal (ROXIN, 2006).
Outra crítica é feita por Zaffaroni (2012), que, apesar de ser defensor da teoria, aponta que, em países da América Latina, onde o sistema judicial já sofre com ineficiência e sobrecarga, a aplicação desse modelo constitucionalista pode gerar ainda mais entraves processuais. Segundo ele, "a exigência de que cada ato ou decisão penal passe pelo crivo constitucional pode causar paralisia institucional e fragilizar o combate ao crime organizado, especialmente em situações de emergência social" (ZAFFARONI, 2012).
4. O impacto na proteção da vítima e na eficiência do sistema penal
Outro ponto de crítica se refere ao desequilíbrio que a teoria constitucionalista do delito pode causar entre a proteção ao réu e a proteção às vítimas. Autores como Juarez Cirino dos Santos argumentam que o foco excessivo nos direitos dos acusados pode obscurecer os direitos das vítimas e da sociedade como um todo. Para Cirino, a teoria constitucionalista tende a subvalorizar o direito da coletividade à segurança pública, em detrimento da proteção de garantias individuais, o que pode, em última análise, comprometer a credibilidade do sistema de justiça (SANTOS, 2013).
Nesse sentido, Ferrajoli (2011), embora defensor da teoria, reconhece que a aplicação rigorosa dos princípios constitucionais pode gerar um descompasso entre os direitos do acusado e as necessidades de uma resposta penal eficiente. Ele reconhece que "há situações em que o garantismo penal pode parecer leniente ou insatisfatório frente à necessidade de proteção social, especialmente em casos de criminalidade violenta" (FERRAJOLI, 2011).
5. A constitucionalização redundante do direito penal
Outro ponto controverso da teoria constitucionalista do delito é a crítica de que a constitucionalização do direito penal pode ser redundante. Segundo Nilo Batista, muitos dos princípios constitucionais já estão integrados no direito penal moderno. Princípios como a presunção de inocência, a ampla defesa e o devido processo legal já fazem parte das práticas penais vigentes. Assim, Batista argumenta que a teoria constitucionalista pode, em alguns casos, ser meramente teórica, sem trazer inovações práticas relevantes (BATISTA, 2010).
Essa visão é compartilhada por Paulo Queiroz (2014), que argumenta que a teoria pode criar um "excesso de direitos" ao acusado, dificultando a eficácia da punição. Para ele, "embora seja necessário observar as garantias constitucionais, o excesso de garantias pode transformar o processo penal em um campo de batalhas meramente processuais, deixando de lado o cerne da questão: a responsabilização justa pelo crime cometido" (QUEIROZ, 2014).
6. Conclusão
A teoria constitucionalista do delito, embora traga uma contribuição relevante para a humanização do direito penal e para a proteção das garantias individuais, não está isenta de críticas. Seus defensores, como Ferrajoli e Roxin, destacam a importância de limitar o arbítrio estatal e garantir uma aplicação penal compatível com os direitos fundamentais. No entanto, as críticas, especialmente em relação à sua implementação prática, apontam para desafios como a lentidão processual, a fragilização da proteção às vítimas e a redundância de princípios já consagrados no direito penal. Dessa forma, embora a teoria seja uma importante ferramenta de proteção dos direitos individuais, é necessário cautela para que ela não comprometa a eficiência e a justiça no sistema penal.
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BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: RT, 2011.
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
ROXIN, Claus. Derecho Penal - Parte General. 3ª ed. Madrid: Thomson Reuters, 2006.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Crítica à Dogmática Jurídico-Penal. São Paulo: RT, 2013.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2012.