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Estatuto da segurança privada: Implicações jurídicas às gerenciadoras de riscos

O veto presidencial ao art. 71 da lei 14.967/24 criou uma lacuna regulatória que pode afetar diretamente as gerenciadoras de riscos no transporte de cargas em geral.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Atualizado às 14:16

Em 9 de setembro de 2024, o Presidente vetou parcialmente a lei 14.967/24, conhecida como o estatuto da segurança privada, que visa modernizar e regulamentar o setor de segurança privada no Brasil. O estatuto pretende consolidar um conjunto de normas para a atuação de empresas privadas no monitoramento de segurança eletrônica, vigilância patrimonial e transporte de valores, entre outras atividades essenciais para o setor, conforme já abordado na análise aprofundada sobre a inaplicabilidade da legislação à atividade de gerenciamento de riscos no transporte de cargas em geral.

Dentre os vetos presidenciais, destacam-se trechos que geraram grande debate, sobretudo no que se refere a relação entre a segurança privada e o sistema prisional, e a participação de empresas estrangeiras no capital de empresas nacionais, além da regulamentação específica do texto legal. Abaixo, apresento os principais dispositivos vetados e suas justificativas.

Art. 7º, § 2º: Monitoramento de presos

O dispositivo permitia que empresas de monitoramento de sistemas eletrônicos de segurança fossem contratadas pela administração pública para realizar o monitoramento de presos nas hipóteses previstas na lei de execução penal. A delegação desta responsabilidade à iniciativa privada conflita com a gestão do sistema prisional, que deve permanecer sob estrita supervisão estatal.

Além disso, a terceirização dessa função poderia resultar em questões relacionadas à segurança pública e à integridade do sistema penal, visto que as empresas de segurança privada não teriam, necessariamente, o treinamento adequado para lidar com questões tão sensíveis.

Art. 19, VI: Quitação de contribuição sindical

Outro ponto vetado foi o que exigia a apresentação de comprovante de quitação da contribuição sindical patronal e laboral como requisito para a autorização de funcionamento das empresas de segurança privada.

A obrigatoriedade da quitação sindical fere os princípios da liberdade sindical, uma vez que, após a reforma trabalhista de 2017, o pagamento das contribuições sindicais deixou de ser compulsório. A imposição dessa exigência poderia inviabilizar o funcionamento de diversas empresas e representar um retrocesso na liberdade sindical conquistada.

Art. 20, §§ 2º a 5º: Participação de estrangeiros

Os parágrafos vetados do art. 20 traziam uma vedação expressa à participação direta ou indireta de estrangeiros no capital social votante de empresas de segurança privada especializadas em transporte de numerário, bens ou valores. O veto retirou a limitação da participação estrangeira prejudicaria o ambiente de negócios e os investimentos no país, criando barreiras ao capital internacional em um setor essencial para a economia.

Art. 71: Prazos para regulamentação

Além da exclusão do prazo de 90  dias para regulamentação pelo Poder Executivo, o veto ao art. 71 agrava ainda mais a situação ao deixar indefinida a aplicabilidade de outros dispositivos previstos no estatuto da segurança privada, como a amplitude do conceito "bens" disposto no art. 5º, inciso XI, que permite a interpretação à atividade de gerenciamento de riscos no transporte de cargas em geral.

Esse artigo, com sua redação ampla e genérica, não distingue adequadamente entre o transporte de numerários e bens de alto valor, típico de empresas de segurança privada, e o transporte de cargas em geral, gerido por gerenciadoras de riscos, empresas constituídas para esse fim. A falta de regulamentação clara deixa margem para interpretações equivocadas, que podem forçar as gerenciadoras de riscos de transporte de cargas a se submeterem a exigências que não se aplicam à sua atividade, como regras específicas voltadas para o transporte de valores e atividade de vigilância.

Se a aplicabilidade do texto legal for estendida às gerenciadoras de riscos, isso implicaria em exigências desproporcionais e inadequadas para esse setor. Por exemplo, a obrigatoriedade do uso de uniformes, a homologação e autorização pela Polícia Federal, bem como a formação de gestores de segurança privada com capacitação específica seriam requisitos impostos às operações de gerenciamento de riscos no transporte de cargas. Essas exigências, no entanto, são desenhadas para atividades de vigilância e transporte de valores, e sua imposição ao gerenciamento de riscos no transporte de mercadorias não faz sentido, considerando que tais operações envolvem análise de dados, monitoramento de frotas e prevenção de sinistros, e não atividades de segurança ostensiva. Isso resultaria em um fardo regulatório desnecessário, distorcendo o foco das gerenciadoras de riscos e impactando negativamente sua eficiência operacional.

Sendo assim, a indefinição criada pelo veto ao art. 71 resulta na ausência de um prazo para regulamentação célere e precisa, colocando o mercado em um estado de incerteza jurídica, dificultando o planejamento e a adequação das empresas às novas exigências, além de criar o risco de litígios futuros decorrentes de diferentes interpretações da lei.

Considerações Finais

O estatuto da segurança privada, apesar de ser um marco relevante para a regulamentação de um setor essencial à proteção patrimonial e à manutenção da ordem pública, precisa ser aplicado com cautela para não gerar distorções que possam prejudicar atividades fora de seu escopo. Embora traga avanços significativos para o setor de segurança privada, sua abrangência ampla, especialmente no que tange ao art. 5º, inciso XI, não pode ser estendida de forma irrestrita ao gerenciamento de riscos no transporte de cargas em geral.

A falta de uma regulamentação clara e específica nesse ponto, agravada pela exclusão do prazo estipulado pelo art. 71, pode criar uma insegurança jurídica capaz de afetar diretamente a operação das gerenciadoras de riscos, encarecendo serviços e, em última análise, prejudicando toda a cadeia logística.

Portanto, é crucial a regulamentação do estatuto pelo poder executivo, para que seja construída uma distinção inequívoca entre as atividades de segurança privada no âmbito do transporte de numerários e valores e as operações de gerenciamento de riscos no transporte de cargas em geral. O setor de transporte é vital para a economia, e não pode se valer de uma legislação que é distante a realidade de suas atividades, sob pena de comprometer a eficiência de suas operações e prejudicar o desenvolvimento saudável e competitivo desse mercado.

Carolina Rosiak Lemes

VIP Carolina Rosiak Lemes

Advogada, Especialista em Direito e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, Pós Graduanda em Segurança da Informação pela Uniritter, DPO pela ASSESPRO/RS.

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