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Comentários à lei 14.879/24: Análise das novas diretrizes e impactos para a escolha de foro em contratos civis

A lei 14.879/24 altera o CPC sobre escolha de foro, visando proteger a parte vulnerável e garantir justiça, mas restringe a liberdade contratual e pode complicar disputas internacionais.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Atualizado em 17 de setembro de 2024 13:37

Introdução

No dia 4 de junho de 2024, foi sancionada a lei 14.879, que trouxe modificações significativas ao CPC, especificamente no art. 63, §1º. Esta nova legislação altera as diretrizes para a escolha do foro em contratos civis e litígios, introduzindo regras mais rígidas e direcionadas para a eleição do local de julgamento.

O objetivo principal é promover a equidade nas negociações contratuais e garantir maior proteção à parte mais vulnerável, além de evitar abusividades e proporcionar maior segurança jurídica para as partes envolvidas.

O que é o Foro de Eleição?

Inicialmente, importante entender à luz do CPC o significado do chamado "Foro de Eleição". O foro de eleição é uma cláusula contratual que permite que as partes determinem a jurisdição onde qualquer disputa será julgada.

Embora o CPC permita a escolha do foro, existem limitações e requisitos. Por exemplo, o foro eleito não pode prejudicar direitos dos consumidores ou de partes mais vulneráveis, conforme estipulado pela legislação. Em situações específicas, a escolha do foro pode ser considerada inválida se não respeitar as normas estabelecidas.

Tais limitações foram implantadas recentemente pela lei 14.879/24, que veremos neste artigo mais adiante.

Principais Alterações Introduzidas pela lei 14.879/24

A lei 14.879/24 estabelece que a eleição de foro nos contratos civis não poderá mais ser realizada de maneira arbitrária ou neutra.

A nova regra impõe que a escolha do foro deve respeitar, obrigatoriamente, o domicílio das partes contratantes ou o local onde a obrigação principal do contrato será cumprida. Caso as partes desrespeitem essas diretrizes, o juiz tem a competência para declarar a cláusula contratual sobre a eleição de foro como ineficaz, de ofício, e antes mesmo da citação.

Essa mudança reflete uma tentativa de trazer maior equidade ao processo de escolha do foro, evitando que uma das partes, geralmente a mais forte economicamente, escolha um local de julgamento que possa favorecer seus interesses específicos de forma desproporcional.

Impactos das Mudanças para as Partes

A escolha de foro, que antes podia ser determinada de maneira ampla e, muitas vezes, estratégica, agora precisa estar alinhada com a localização do domicílio das partes ou o local de cumprimento da obrigação contratual.

Como qualquer reforma legislativa, essa lei apresenta tanto impactos positivos quanto negativos, que devem ser cuidadosamente considerados. A seguir, analisaremos alguns destes aspectos:

Impactos Positivos

  • Proteção da parte mais vulnerável e equidade nas negociações: Pode-se interpretar que a lei visa proteger a parte que tem menos poder de negociação, garantindo que a escolha do foro não favoreça desproporcionalmente a parte mais forte economicamente, com a escolha de um tribunal que possa ter uma predisposição favorável à sua tese. Isso ajuda a equilibrar as relações contratuais e promove maior justiça nas disputas.
  • Segurança jurídica e redução da abusividade: A necessidade de respeitar o domicílio das partes ou o local da obrigação traz maior previsibilidade e segurança jurídica, combatendo práticas abusivas que poderiam prejudicar uma das partes. As partes podem planejar suas estratégias com mais clareza, sabendo que o foro será determinado com base em critérios objetivos.
  • Facilitação da resolução de conflitos: A nova regra pode simplificar a resolução de conflitos ao limitar a complexidade e a potencial disputa sobre a escolha do foro. Isso pode levar a uma resolução mais rápida e eficiente dos litígios.

Impactos Negativos

  • Restrições à Liberdade Contratual: A imposição de limites à escolha do foro reduz a liberdade das partes em negociar e acordar condições que considerem suas preferências e necessidades específicas. Isso pode ser visto por alguns juristas como uma restrição à autonomia das partes na elaboração de contratos.
  • Impacto em Contratos Internacionais: Em contratos internacionais, a limitação na escolha do foro pode complicar a resolução de disputas, pois pode ser difícil encontrar um foro que atenda aos novos requisitos e que seja conveniente para todas as partes envolvidas.
  • Complexidade na Aplicação da Lei: A implementação das novas regras pode ser complexa, especialmente em contratos que envolvem múltiplas jurisdições ou aspectos internacionais. A aplicação uniforme e justa da nova lei pode exigir ajustes adicionais e orientação especializada.

A adaptação a essas novas regras exigirá um entendimento aprofundado por parte dos profissionais do direito e um ajuste nas práticas contratuais para garantir que a justiça e a eficiência sejam mantidas nas relações contratuais e na resolução de litígios.

Como fica a aplicação para os Contratos firmados antes da vigência da lei 14.879/24?

A aplicação retroativa da nova lei a contratos firmados antes de sua vigência tem gerado discussões e preocupações. A discussão foca, principalmente, em avaliar se a nova lei pode impactar acordos previamente estabelecidos e explorar as implicações jurídicas dessas mudanças potenciais.

Alguns juristas entendem que o art. 5º, XXXVI, da CF/88 garante que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

De forma semelhante, o art. 6º da lei de introdução ao direito brasileiro estabelece que "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

Sob essa ótica, os acordos firmados anteriormente à promulgação da nova legislação, são entendidos como negócios jurídicos já concluídos e consolidados. Consequentemente, tais contratos não devem sofrer interferências ou alterações em virtude da implementação do novo dispositivo legal.

A proposta de retroagir a atual vedação ao foro de eleição, para atingir os contratos celebrados anteriormente a lei, poderia ser vista como uma desconsideração da autonomia da vontade das Partes, expressa de maneira livre e consciente no momento da contratação, quando antes não havia vedação. Tal medida demandaria uma análise criteriosa.

A proposição de que os contratos vigentes necessitariam de revisão para se adequar à nova lei carece de fundamentação sólida, até o momento, tanto no âmbito constitucional quanto nas diretrizes que regem a aplicação temporal das leis.

Conclusão

A lei 14.879/24, com suas novas diretrizes para a escolha do foro, marca uma etapa importante no direito processual civil brasileiro.

Enquanto alguns juristas consideram que a lei 14.879/24 representa um avanço significativo ao promover um equilíbrio mais justo nas condições das disputas contratuais pela limitação à escolha do foro, alegando proteger a parte mais vulnerável, outros veem essa limitação como um retrocesso.

Para estes críticos, a imposição de restrições à escolha do foro pode reduzir a liberdade das partes de negociar e acordar termos que atendam às suas preferências e necessidades específicas, conflitando, inclusive, com o princípio da autonomia da vontade, além de complicar a resolução de disputas em contratos com múltiplas jurisdições ou de aspectos internacionais.

Os efeitos e adaptações necessários ainda estão sendo estabelecidos à medida que a comunidade jurídica se ajusta a essas novas mudanças, sinalizando uma fase crucial de transição e reinterpretação do sistema jurídico e tribunais.

Para os advogados e profissionais do direito, compreender e adaptar-se a essas novas regras será fundamental para oferecer a melhor orientação e representação a seus clientes.

Flávia Orsi Rossi

Flávia Orsi Rossi

Advogada | Oliveira e Olivi Advogados Associados.

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